Quem são os cardeais preferidos da direita católica brasileira para o conclave?
Com a nova eleição em curso, as alas mais conservadoras e tradicionalistas visam sobretudo travar o jogo dos chamados “progressistas”, “reformistas” ou talvez até “bergoglianos”
Ao observar as redes sociais ligadas ao campo conservador católico no Brasil durante as vésperas do próximo conclave, especialmente perfis no Instagram e em canais no YouTube, é possível observar uma preferência por certos cardeais. Olhando tanto para as postagens como para o histórico dos agentes e grupos, é possível identificar aqueles que têm mais admiração entre os fiéis católicos de direita.
O mais mencionado, celebrado e divulgado é o do guineense Robert Sarah. Antigo prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Sarah se tornou o rosto mais compartilhado nos perfis católicos conservadores brasileiros, alvo de uma série de memes que expressam apoio e esperança em sua eleição no futuro conclave, que iniciará dia 7 de maio. Entre esses memes, destacam-se peças que sugerem uma “excursão saindo de Araraquara” para votar nele, e até mesmo memes de cunho racialista, como um que dizia: “Não vote em branco, para papa vote Sarah.”
O apoio a Sarah também se manifesta na divulgação de suas declarações incisivas, reproduzidas em páginas católicas conservadoras. Entre elas, destacam-se:
– “Faço parte daqueles, e somos muitos, que não permitirão que a pastoral substitua a doutrina.”
– “Sou africano. Deixe-me dizer claramente: a liturgia não é o lugar para promover a minha cultura. Pelo contrário, é o lugar onde a minha cultura é batizada, onde a minha cultura é acolhida pelo divino.”
– “A Igreja não é uma estrutura política, nem um sindicato. É o Corpo de Cristo! Ela deve falar de Deus, não de ideologias.”
Essas declarações projetam Sarah como defensor da tradição litúrgica, teológica e eclesial, reforçando a oposição ao que é percebido como “modernismo” ou “politização” dentro da Igreja.
No entanto, Sarah não é o único nome a ser destacado. Outro cardeal que ganhou grande destaque foi Raymond Leo Burke, arcebispo norte-americano conhecido por seu perfil conservador e sua oposição aberta a diversas diretrizes do pontificado de Francisco. Burke protagonizou embates públicos com o papa, especialmente no contexto da publicação da exortação apostólica Amoris Laetitia (2016), quando liderou um grupo de cardeais que apresentou formalmente as chamadas dubia – questionamentos públicos sobre a ortodoxia do documento papal. Além disso, Burke foi destituído, ainda no início do pontificado, do cargo de prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, fato interpretado como consequência de suas posturas críticas.
Um vídeo que mostra Sarah e Burke caminhando lado a lado viralizou entre católicos de direita brasileiros, acompanhado da legenda “a definição de tanto faz” – indicando que, para essas redes, qualquer um dos dois seria igualmente desejável como futuro Papa.

Além de Sarah e Burke, Gerhard Ludwig Müller também ocupa posição de destaque. Ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Müller viria ao Brasil para participar do evento Newman Conference, realizado nos dias 2 e 3 de maio pelo Instituto Newman em São Paulo – instituto fundado por Anthony Tannus Wright, ex-chefe de gabinete da Secretaria de Alfabetização do MEC durante o governo Bolsonaro. A publicação super recente do livro Vaticano Confidencial no Brasil, uma longa entrevista com a jornalista Franca Giansoldati, também ajuda a reforçar a imagem de Müller como um bastião da ortodoxia tradicional entre os católicos brasileiros.
Durante algumas divulgações promocionais da Newman Conference, Anthony Tannus Wright chegou a comparar Müller a Joseph Ratzinger no tempo em que este foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé no papado de João Paulo II. Essa comparação remete diretamente à sensibilidade bento-vacantista que atravessa parte da direita católica brasileira, conforme apontado pela socióloga Tabata Tesser.
Entre suas declarações compartilhadas nas redes estão:
– “A questão não é entre conservadores e liberais, mas entre ortodoxia e heresia.”
– “O próximo papa deve ser um homem de fé, não um político.”
– “Todo papa deve servir à missão de São Pedro. O futuro não é sucessor de seu antecessor, mas sucessor de Pedro.”
Outro nome que ganhou atenção foi Dom Athanasius Schneider, bispo auxiliar de Astana, no Cazaquistão. A deputada Carla Zambelli se confundiu ao declarar que já tinha ele como seu “cardeal preferido” para o conclave. Como um bispo auxiliar, Dom Athanasius chega até ter prestígio pastoral, mas dentro da hierarquia eclesiástica não chega a ser um papável. Zambelli em sua postagem compartilhou exatamente um vídeo que descreve a “invasão islâmica em massa” promovida por elites globais, numa linha de interpretação que ressoa fortemente as teses do olavismo sobre o globalismo e a destruição da civilização cristã ocidental. Nos dias que antecedem o conclave, Schneider também convocou uma “cruzada mundial de orações” pela eleição de um papa fiel à tradição, iniciativa divulgada em perfis como o do Centro Dom Bosco.
Por fim, entre os sete cardeais brasileiros que têm direito a voto em um futuro conclave – Dom Odilo Pedro Scherer, Dom João Braz de Aviz, Dom Orani João Tempesta, Dom Sérgio da Rocha, Dom Leonardo Ulrich Steiner, Dom Paulo Cezar Costa e Dom Jaime Spengler –, o nome que ganhou alguma visibilidade entre páginas e influenciadores conservadores foi o de Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro.
O conjunto dessas preferências e articulações sinaliza a construção de novas fronteiras dentro da Igreja Católica. A Igreja sob as mãos de Francisco tinha certos rumos reformistas: a “igreja em saída”, a teologia do povo, a “cultura do diálogo”, a “conversão ecológica”, etc. Agora com a nova eleição em curso, as alas mais conservadoras e tradicionalistas visam sobretudo travar o jogo dos chamados “progressistas”, “reformistas” ou talvez até “bergoglianos”.
As falas de Sarah e Müller compartilhadas articulam os principais signos em disputa na sucessão papal. Doutrina e pastoral, tradição e inculturação, ortodoxia e heresia, fé e política, tornam-se polos antagônicos. Critica-se a substituição da doutrina pela prática pastoral, rejeita-se o pluralismo teológico, denuncia-se a politização da fé e afirma-se que o futuro papa deve ser sucessor de Pedro, não de seu antecessor. Organizados em um arranjo, esses signos são mobilizados para uma disputa que é ao mesmo tempo simbólica e política: pelo significado de “ser católico” e por postos de poder religioso, eclesiástico e pastoral.
Renan Baptistin Dantas é doutorando em Ciências Sociais (Unicamp) e pesquisador do Laboratório de Antropologia da Religião (LAR/Unicamp).