Machado de Assis – O Romance com pessoas
Comemora-se, neste ano, o centenário de morte de Machado de Assis. Eventos e publicações, dentro e fora do país, colocam novas interrogações ao gênio indomável do autor de Dom Casmurro. Entre os lançamentos editoriais brasileiros, ganha destaque o ensaio Machado de Assis – o romance com pessoas, assinado por José Luiz Passos, professor de literatura brasileira na Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
Já desde o título, algo enigmático, uma questão se impõe: por que romance “com pessoas” e não simplesmente com personagens? Pergunta capital, que se repõe ao longo do livro para engendrar respostas complexas, compondo uma argumentação tão rigorosa quanto original.
Machado foi quem inventou, no Brasil, o sentido de livre-arbítrio para os personagens de ficção. Daí que os protagonistas de seus romances se apresentem como “pessoas morais”. Daí também que, na qualidade de sujeitos responsáveis por suas decisões, eles venham a suscitar forte identificação em seus leitores até hoje.
As “pessoas” criadas pelo mentor de Brás Cubas são dotadas de uma vida interior intensa que, não raro, prevalece sobre a ação. Predispostas a auto-exames, quase sempre gravitando em torno do descompasso entre sua imagem exterior e sua verdade íntima, elas preferem recorrer à força reparadora da memória ou da fantasia. É a imaginação, portanto, que aponta soluções para seus impasses ou serve de consolo aos seus desejos impossíveis.
Reconhece-se aí o perfil de personagens como Iaiá Garcia, Quincas Borba, Bentinho e principalmente o narrador defunto das Memórias Póstumas. Reconhece-se também o novo tipo de sujeito – privado, íntimo e subjetivado ao extremo – que está na origem da sensibilidade contemporânea.
A arte machadiana, conclui Passos, não se limita a compor um quadro histórico: antes, ela busca conhecer as motivações das escolhas humanas e os mecanismos da formação do caráter. Se ainda podemos nos reconhecer em seus personagens é porque eles nos oferecem um espelho que sobrevive às circunstâncias de seu tempo.