A ditadura dos lobbies
Apesar de sua disposição, o presidente Obama não conseguirá alterar fundamentalmente o sistema de saúde americano, que continuará lamentável
Em 1996, nos Estados Unidos, um programa de auxílio social reservado aos pobres foi abolido pelo Congresso republicano e pelo presidente Bill Clinton sob o motivo (falacioso) de que incentivava “fraudes, desperdícios e abusos”. Treze anos mais tarde, a reforma que Barack Obama defende não conseguirá alterar fundamentalmente um sistema de saúde lamentável, porque os que dele tiram proveito compraram a proteção dos parlamentares. O programa de auxílio social abolido em 1996 representava cerca de 1% do orçamento americano. Bem protegidas, as seguradoras privadas devoram a maior parte dos 17% da riqueza nacional destinados às despesas médicas.
O presidente dos Estados Unidos, contudo, é um dos melhores promotores da ordem com a qual ele optou compor. Noite após noite ele anda contando “a história de pessoas que trabalham duro e são tomadas como reféns por companhias de seguros que se recusam a lhes dar cobertura, ou que cancelam sua apólice quando não mais precisam dela, ou ainda, que delas exigem o pagamento de prêmios que elas não podem pagar, em troca de tratamentos desesperadamente necessários. Nós temos um sistema de saúde que funciona melhor para as seguradoras que para o povo americano”1.
O projeto defendido pelo presidente Obama comportava inicialmente dois avanços reais. De um lado, ele previa tornar obrigatória a cobertura de saúde dos 46 milhões de americanos que não a possuem, fornecendo subsídios aos mais pobres. De outro, planejava a criação de um sistema público de seguros capaz de oferecer tarifas menos proibitivas que aquelas dos consórcios privados.2 De fato, estes investem enormes recursos na busca da astúcia jurídica que lhes permita não pagar os tratamentos dos seus segurados tão logo estes adoecem. Ora, qual é mesmo o alvo da ira da direita? “Se uma ‘opção pública’ for implantada”, fulmina o governador republicano da Louisiana, “ela imporá às seguradoras privadas uma concorrência desleal que as levará à falência”3. Outras falências, muito mais dramáticas, poderiam ter chamado a sua atenção. Em particular na Louisiana, um dos Estados mais pobres do país.
A política americana está de tal forma gangrenada pelo dinheiro dos lobbies industriais e financeiros que apenas as reduções de impostos conseguem transpor sem dificuldade a barragem do Congresso. Impor o que quer que seja aos bancos, às companhias de seguros ou à indústria farmacêutica consitui, portanto, um desafio de marca maior. Neste caso específico, o presidente (democrata) da comissão das finanças do Senado, Max Baucus, cuja colaboração é necessária no processo de aprovação da reforma, é também o parlamentar que mais dinheiro recebe dos hospitais, das seguradoras e dos médicos privados. Alguém já adivinhou por que o senhor Baucus se opõe com unhas e dentes a toda e qualquer reforma do sistema médico atual?
Cinismo generalizado
Um ano depois da derrocada do liberalismo, o (pequeno) acesso de pânico das oligarquias dissipou-se; o sistema político parece estar congelado em seu proveito. De vez em quando, um operador mais desonesto – ou mais azarado que os outros – acaba sendo levado para trás das grades. Todos recitam então as palavras mágicas: moralização, ética, regulamentação, G20. Depois, tudo recomeça. Indagada a respeito dos prêmios colossais que recebem os corretores financeiros (traders) do banco BNP-Paribas, Christine Lagarde, a ministra francesa da Economia e antiga advogada de negócios em Chicago, se recusa a condená-los: “Se começarmos a defender a ideia segundo a qual os bônus devem ser suprimidos, o que vai acontecer? As melhores equipes de traders irão simplesmente se instalar em outros países”.
Empoleirados dentro de um sistema político que os protege – e que eles protegem –, aproveitando-se do cinismo generalizado e do desânimo da população, os traders e as seguradoras médicas nada mais têm a fazer a não ser perseverar em sua função de parasitas. O “abuso” não constitui uma distorção do seu comércio, mas sim a sua essência. Portanto, não é uma “reforma”, a qual eles poderiam ou não consentir, que é preciso promover em caráter prioritário, mas sim a sua supressão pura e simples.
*Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).