As ramificações do escândalo Odebrecht
Desde 2014 o Brasil vive no ritmo das revelações em torno de um escândalo de corrupção sem precedentes. Depois de Dilma Rousseff ser destituída de forma fraudulenta em 2016, agora pode ser a vez do atual presidente, Michel Temer, cuja culpa já não deixa mais dúvidas. No centro desses negócios, o grupo Odebrecht
Ele era conhecido por seu bom humor e pelo sorriso franco. E foi assim que, em dezembro de 2016, Emílio Odebrecht, ex-presidente do maior grupo industrial brasileiro,1 apresentou-se diante dos procuradores da Operação Lava Jato, que investiga a corrupção há três anos. A atmosfera poderia ter sido tensa: ele é acusado, ao lado de 76 executivos de sua empresa, de ter distribuído propinas durante anos para garantir as maiores obras do Brasil, em particular aquelas concluídas com a Petrobras, companhia cuja metade pertence ao Estado. Mas foi de forma tranquila, sorridente e até brincalhona que ele se apresentou para oferecer sua delação premiada: em troca da confissão, Odebrecht não seria preso.
Gravado em vídeo, o testemunho tornou-se público. Ali podemos vê-lo garantir que sempre foi necessário pagar propina para obter uma obra, tanto no Brasil como no estrangeiro. “O que acontece hoje não surgiu há cinco ou dez anos. Não, faz trinta anos que isso ocorre.” Ele então pergunta: “Toda a imprensa sabia. Por que essas revelações agora?”. “Há sempre um momento para começar”, responde-lhe um juiz do qual não se vê a imagem. E cabe ao ex-patrão concluir, com um largo sorriso e batendo o punho na mesa: “Isso me parece ótimo. Vocês, jovens procuradores, terão todo o apoio da nossa organização. A começar pelo meu: vocês vão ver como serei um colaborador eficaz”.
Em dezembro de 2016, um acordo judicial foi concluído com a Corte Federal de Nova York entre o Brasil, a Suíça e os Estados Unidos. A Odebrecht foi acusada de ter oferecido US$ 780 milhões em propina de 2001 a 2016. A multa foi calculada com base nos benefícios que o grupo teria obtido graças a essas doações: US$ 3,36 bilhões, uma soma revisada seis meses depois para US$ 2,6 bilhões. Mas foi preciso esperar o mês de abril de 2017 para saber para quem, como e por que a Odebrecht tinha oferecido tais presentes, sobretudo no Brasil.
Depois de ter negado por muito tempo qualquer delito, a família Odebrecht “sentou-se à mesa” para obter a libertação de Marcelo, de 48 anos, filho de Emílio e último dirigente da empresa, condenado a dezenove anos de prisão. O quadro já tinha começado a se tornar mais transparente depois da detenção de uma secretária que trabalhou por onze anos naquilo que se convencionou chamar de “departamento da propina” da Odebrecht. Durante a operação, os policiais descobriram uma lista de apelidos, tendo ao lado valores significativos. A estratégia da empresa mudou bruscamente e 77 de seus executivos resolveram delatar. “A organização”, como Emílio Odebrecht gosta de chamá-la, não teria sido, portanto, a encarnação dessa “virtude empresarial” que seus assessores de imprensa evocavam com tanta ênfase.
“A riqueza moral está na base da riqueza material”, explicava Norberto Odebrecht (1920-2014), fundador do grupo e pai de Emílio, cujo “pensamento” foi reunido em três grossos volumes distribuídos a todos os colaboradores. Um bom dirigente devia, segundo o grande homem, viver “uma vida exemplar”, consagrada à sua empresa e “ao serviço do cliente”. “Hoje, podemos reler de outra forma as obras de Norberto”, ironiza Malu Gaspar, jornalista da revista Piauí. “Quando falava de ‘satisfazer todas as necessidades do cliente’, ele com certeza estava pensando nas propinas.” O grupo teria assim se tornado um gigante não graças à famosa “tecnologia empresarial Odebrecht” desenvolvida por seu fundador, mas porque tinha conseguido desenvolver um sistema de corrupção sofisticado. Sistema que, sob o reinado de Marcelo, foi aperfeiçoado.
O último chefe do departamento de propinas, Hilberto Mascarenhas, explicou aos juízes o funcionamento dos “pagamentos paralelos”. Estes passavam por cerca de quarenta contas bancárias criadas em sua maior parte em paraísos fiscais, depois por simples agentes que transportavam sacolas cheias de notas. “Em 2006, o Marcelo me pediu que estruturasse o serviço. Para que a empresa crescesse, ele sabia que era preciso aumentar as contribuições ilegais”, explicou, um tanto envergonhado, o ex-alto executivo.
A partir de 2006, todos os pedidos de pagamento foram tratados por meio de um programa de informática criado com esse fim. Para enganar os controles, os pagamentos não eram feitos do Brasil, mas nas filiais do estrangeiro. As somas transitavam em seguida por paraísos fiscais (Panamá, Ilhas Virgens e Antígua e Barbuda, em particular), mas igualmente por bancos no Reino Unido, nos Estados Unidos, na Áustria, em Mônaco e na Suíça. De lá, o dinheiro era enviado para contas bancárias administradas por agentes que trabalhavam para a Odebrecht, mas não eram empregados da empresa. Por fim, chegava ao Brasil, dessa vez graças às casas de câmbio.
Montantes astronômicos
Outro sistema informático, cujo servidor estava instalado na Suíça, tinha sido criado unicamente para a troca de mensagens e e-mails entre os agentes de câmbio e o departamento da Odebrecht consagrado à distribuição. Também nesse caso os agentes de câmbio eram designados por apelidos: apenas os chefes do departamento conheciam sua verdadeira identidade.
O sistema era tão complexo que os investigadores nunca poderiam descobri-lo se não fosse o recurso às delações premiadas. As somas são colossais e ultrapassam amplamente aquelas estimadas pela Corte de Nova York. Segundo Mascarenhas, de 2006 a 2014, entre propinas e contribuições ocultas para os partidos políticos – não apenas brasileiros –, US$ 3,3 bilhões teriam sido despendidos.
“Alertei por várias vezes o Marcelo sobre esses montantes astronômicos. Tinha se tornado um verdadeiro suicídio, mas sua resposta foi continuar”, assegurou Mascarenhas em sua delação premiada. Duas curvas logo subiram: a do montante de propinas distribuídas e a dos contratos ganhos pelo grupo. Em 2006, os “pagamentos paralelos” atingiam “apenas” US$ 60 milhões. Em 2013, tinham saltado para US$ 730 milhões. Por sua vez, o volume de negócios quase quadruplicou, passando de US$ 11,3 bilhões para US$ 41,4 bilhões.
Ao lado de Marcelo Odebrecht, Cláudio Melo Filho desempenhou papel determinante. Oficialmente responsável pelas “relações institucionais” desde 2004, ele era o encarregado de subornar os parlamentares para que votassem – ou até mesmo propusessem – medidas favoráveis ao grupo. O PMDB do atual presidente Michel Temer foi o maior beneficiário dessas benesses. Melo Filho conta que estava certo de encontrar, nos senadores do partido, “os parlamentares mais devotados aos interesses do grupo”, mas também aqueles “que exigiam as contribuições mais altas”. Corrompidos, mas reconhecidos: em 2012, o Parlamento condecorou Melo Filho com a Medalha do Mérito Legislativo, sua mais alta distinção. No âmbito municipal, a generosidade da Odebrecht visava “estimular as privatizações”, como explicou o ex-diretor da divisão de meio ambiente do grupo, Fernando Reis, que conseguiu assim obter contratos de gestão de águas e esgotos.
No total, 77 executivos da Odebrecht ouvidos pela justiça denunciaram 415 líderes políticos pertencentes a 26 partidos (de um total de 35) em 21 estados (de um total de 26). Entre eles, os cinco últimos presidentes do Brasil: José Sarney, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O atual presidente Michel Temer é igualmente citado várias vezes, mas, de acordo com a Constituição, não pode ser julgado por atos anteriores a seu mandato. Oito ministros de seu governo, assim como seus dois conselheiros mais próximos, figuram na lista. Enfim, para mencionar apenas os mais importantes, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, 28 senadores, 48 deputados e doze governadores foram citados. Ao depor, Marcelo Odebrecht relatou ter gasto R$ 370 milhões de 2008 a 2015 com o PT, além das contribuições oficiais nas campanhas eleitorais.
“Os ex-presidentes Lula e Dilma estavam a par do nosso apoio, ainda que não tenham pedido dinheiro diretamente”, esclareceu. “Amigo”: esse teria sido o apelido de Lula nos registros da Odebrecht. Se não enriqueceu diretamente, o “amigo” em questão teria se beneficiado de outras vantagens, segundo as delações: contribuições para seu instituto e para suas palestras, assim como para a reforma de uma casa de campo da qual não é proprietário, mas que utilizou. Acusações que o envolvido nega.2
Candidato derrotado na última eleição presidencial pelo PSDB, Aécio Neves teria recebido R$ 185 milhões para sua campanha, enquanto seu partido exigia propinas no estado de São Paulo: 3% do contrato da linha 2 do metrô durante a gestão de José Serra, mais R$ 15 milhões para as campanhas de Geraldo Alckmin, atual governador, em 2010 e em 2014. Já o PMDB recolhia propinas no Senado, que controlava, “um fato conhecido de Michel Temer”, assegura Melo Filho. No Rio de Janeiro, o PMDB financiou suas campanhas graças às obras dos grandes eventos esportivos…
A justiça deve agora distinguir aqueles que utilizaram essas propinas para benefício pessoal (como aconteceu com o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que mantinha contas bancárias na Suíça) daqueles acusados de serem os receptadores de doações para seu partido, como Antonio Palocci, ministro da Fazenda de 2003 a 2006, condenado pelo juiz Sérgio Moro a doze anos de prisão como “responsável pelas caixas-pretas do PT”, segundo as delações dos integrantes da Odebrecht, contestadas por ele.
Paralelamente a essa gigantesca investigação no Brasil, pelo menos doze países receberam, em 1º de junho de 2017, as confissões de executivos da Odebrecht referentes a fraudes cometidas em seu território: Venezuela, República Dominicana, Panamá, Peru, Argentina, Equador, Guatemala, México, Colômbia, Angola, Moçambique e França. Nesse último caso, trata-se de um contrato de transferência de tecnologia nuclear para a construção de submarinos assinado entre os presidentes Nicolas Sarkozy e Lula em 2008. A operação teria envolvido a Odebrecht e a empresa francesa Direction des Constructions Navales (DCNS).
No exterior, a Odebrecht adota a mesma estratégia de defesa: em troca da cooperação, o grupo espera poder continuar a operar. A falta de independência da justiça em relação ao poder político nesses países é algo a ser questionado: como explicar a prisão preventiva de dezoito meses, decidida em julho, do ex-presidente peruano Ollanta Humala (ligado à esquerda), quando se pensa que as maiores obras da Odebrecht ocorreram sob os mandatos de Alan García e Alberto Fujimori, que não foram perturbados? O ex-chefe da Odebrecht do Peru reconheceu sua amizade com García e nunca o citou nas delações.
Um grupo à beira da falência
Por que, igualmente, a justiça brasileira vazou no jornal O Globo, em 31 de julho, o conteúdo da delação do chefe da Odebrecht na Venezuela? A empresa teria financiado a campanha do presidente Nicolás Maduro com US$ 35 milhões e a de seu adversário Henrique Capriles com US$ 15 milhões, segundo “revelações” que surgiram a poucos dias do plebiscito sobre a Constituinte na Venezuela.
Para o grupo, o respeito ao segredo das revelações é muito importante se ele ainda espera voltar a operar. Porque a situação econômica não é das mais promissoras. No Brasil, há três anos a Petrobras proibiu 23 empresas nacionais que eram alvo de investigações da justiça, entre as quais a Odebrecht, de participar de suas licitações. Além disso, o Ministério da Transparência, encarregado de verificar os contratos entre o Estado e o setor privado, estuda as responsabilidades judiciais da Odebrecht, o que a impede de participar de qualquer novo contrato com o Estado. O risco de falência está presente nas manchetes da imprensa de negócios. A empresa demitiu 100 mil pessoas em três anos. Ela tinha apenas 80 mil empregados no fim de 2016. Sua carteira de pedidos foi se reduzindo progressivamente, ao mesmo tempo que a reestruturação de sua dívida exigiu a venda de várias de suas divisões.
Para Bruno Brandão, diretor da organização Transparência Internacional no Brasil, “a Odebrecht é indefensável”: “Sempre ouvimos o argumento de que o impacto de uma investigação de corrupção seria muito forte para a economia e que, portanto, não se deveria atingir a empresa. A longo prazo, o Brasil deve sair ganhando dessa crise. Se ele permanece um dos países mais desiguais no mundo, é por causa dessa promiscuidade entre elites econômicas e políticas, dessas trocas de favores constantes descritas pelos executivos da Odebrecht”.
Segundo um cálculo realizado pela ONG Contas Abertas, especializada na luta contra a corrupção, as propinas pagas pela Odebrecht de 2006 a 2014 teriam permitido a compra de 83.944 ambulâncias, num país onde ainda se morre por falta de meios para chegar ao hospital.
*Anne Vigna é jornalista, Rio de Janeiro, Brasil.