Fabiane Guimarães: ‘Percebo alguns temas recorrentes no meu trabalho de uma forma geral, como a morte, a solidão e o tempo’
Autora é a segunda entrevistada do especial do Le Monde Diplomatique em comemoração ao Dia Nacional do Escritor
Com protagonistas complexas, profundas e humanas, as narrativas da goiana Fabiane Guimarães abordam importantes questões sociais, têm reviravoltas impressionantes e prendem a atenção de leitores e leitoras do início ao fim, não apenas pelos enredos cuidadosamente planejados, mas também pela linguagem refinada.
A autora dos romances Apague a luz se for chorar e Como se fosse um monstro, ambos publicados pela Alfaguara, é a segunda entrevistada do especial do Le Monde Diplomatique Brasil em comemoração ao Dia Nacional do Escritor, 25 de julho. “Percebo alguns temas recorrentes no meu trabalho de uma forma geral, como a morte, a solidão e o tempo. Eu diria que sob essa tríade vou construindo todos os meus castelinhos de palavras”, disse.
Ao longo da entrevista, Fabiane Guimarães ainda destacou a importância do enredo e da linguagem para a sua produção literária, listou obras marcantes em sua vida como leitora e escritora e abordou as dificuldades que escritores e escritoras enfrentam para furar a bolha, especialmente quando não vivem em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
Confira a entrevista na íntegra:
Qual tema é a sua grande obsessão como ficcionista? De que forma esse tema se relaciona com a sua vida fora da literatura?
As minhas obsessões variam com muita frequência e estão diretamente relacionadas à história em que estou trabalhando no momento. No caso do meu terceiro livro, a ser publicado em 2026, juntei duas obsessões recentes – crise climática e tarô. Mas percebo alguns temas recorrentes no meu trabalho de uma forma geral, como a morte, a solidão e o tempo. Eu diria que sob essa tríade vou construindo todos os meus castelinhos de palavras. Sou uma pessoa bastante introspectiva, vivo uma vida bem tranquila e reclusa, quase não saio de casa, desde cedo me interesso pelas grandes questões da filosofia (o famoso “por que estamos aqui? para onde vamos?”). Além disso, sou acostumada a uma paisagem bem diferente, acho que morar no Centro-oeste e ter crescido no meio do Cerrado molda o seu jeito de ver o mundo. Afinal, é um bioma agreste e solitário, mas lindo. Aqui em Brasília vivemos uma outra realidade urbana, em poucos minutos de carro você consegue sair do caos e encontrar a natureza. Eu gosto muito das paisagens daqui. As árvores são tortas, os mananciais de água são abundantes e profundos, há uma sensação muito grande de espaço, de vazio, na falta de uma definição melhor. Além disso, pegamos fogo sazonalmente. Como não se interessar pela morte e a vida nesse contexto?
Para escrever um bom livro, o enredo e a linguagem têm a mesma importância?
Eu não diria a mesma importância, e sim que ambos merecem o mesmo cuidado. Acho que na literatura brasileira há uma tendência a desvalorizar o enredo, como se os verdadeiros escritores fossem aqueles que se dedicassem única e exclusivamente à forma. Eu gosto muito de refinar a linguagem, sou obcecada pela carpintaria de palavras, mas sou uma contadora de histórias e isso sempre vem em primeiro lugar para mim. O objetivo a ser atingido é sempre contar uma história da melhor forma possível. Livros impecáveis, para mim, vão bem nos dois quesitos.
Qual livro você mais gosta de reler? Por quê?
Não tenho o hábito de voltar aos livros de prosa, mas faço questão de reler os de poesia. Há um assombro na poesia que sempre retorna, mesmo lendo o mesmo verso pela décima vez. Gosto muito de Adélia Prado, Manoel de Barros e Ana Martins Marques.
Qual obra literária foi essencial para que você se tornasse uma leitora? E uma escritora?
Como muitas pessoas da minha geração, Harry Potter foi a minha porta de entrada para a leitura. Uma pena que a J.K Rowling tenha se revelado uma pessoa horrorosa. Outro livro que me forjou enquanto leitora foram os da série Vaga-lume – o meu favorito era A ilha perdida, da Maria José Dupré. Todos os livros que vieram depois contribuíram de alguma forma para o meu desenvolvimento como escritora, mas Agatha Christie, Isabel Allende, Jennifer Egan, Alice Munro, Adriana Lisboa e Andrea Del Fuego foram algumas das autoras fundamentais nesse processo, porque me mostraram mais ou menos o tipo de narrativa que eu queria ser capaz de construir.
Em 25 de julho é comemorado o Dia Nacional do Escritor. Na atualidade, o que os autores e as autoras mais têm a celebrar no país? E com o que eles e elas devem se preocupar?
Podemos comemorar os avanços que tivemos nos últimos anos na difusão da literatura nacional. As oportunidades de publicação aumentaram, os leitores estão cada vez mais interessados em conhecer escritores brasileiros, em livros que retratem as nossas múltiplas realidades, um progresso que atribuo muito aos clubes de leitura – que se fortaleceram significativamente no pós-pandemia – e aos influenciadores de leitura nas redes sociais. Mas ainda é um ecossistema frágil e focado no Sudeste, há uma bolha de autores e mercado editorial fortemente concentrada no Rio de Janeiro e São Paulo, as barreiras para um autor furar a bolha e conseguir uma projeção ainda são enormes, principalmente para aqueles de outras regiões. Temos muito a caminhar no sentido de encontrar uma unidade nacional e alcançar leitores em lugares mais distantes.
Em sua opinião, qual escritor ou escritora merece maior atenção de leitores, leitoras, editoras e da crítica especializada no Brasil?
Sempre fico espantada com o quão pouco o nome da Maria José Silveira é mencionado por aí. Com quase vinte e cinco anos de carreira, vários romances notáveis, alguns traduzidos em todo o mundo, acho que essa é uma das nossas maiores escritoras brasileiras da atualidade. Sua prosa é envolvente e sedutora, aborda temas sociais sem pedantismo e escreve personagens espetaculares. É de autoria dela o romance mais criativo e alucinante que li nos últimos anos: Aqui. Neste Lugar. publicado pela Autêntica Contemporânea. No meu país ideal, ela seria muito mais reverenciada.
Qual foi o melhor conselho que você já recebeu no meio literário? E o pior?
O melhor conselho foi saber filtrar os comentários sobre meu trabalho. Um amigo me disse: “sempre vai ter alguém para achar que você é um gênio e uma droga, mas você não é nenhum dos dois, você é uma artista fazendo seu trabalho da melhor forma possível”. O pior conselho na verdade não foi um conselho, mas um mito que ouvi por aí: o papo de que, se o seu livro não vender bem no ano do lançamento, ele não vai vender depois. Isso é mentira, o trabalho literário obedece a outro ritmo e os livros têm uma vida longa, tanto é que meu primeiro romance, Apague a luz se for chorar, é muito mais lido hoje do que quando foi lançado.
O que move sua escrita?
A experiência de estar viva e a necessidade de escarafunchar o processo.
Sobre a autora:
Fabiane Guimarães nasceu no interior de Goiás e é autora dos romances Apague a luz se for chorar e Como se fosse um monstro, ambos publicados pela Alfaguara. Foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Jabuti. Mora em Brasília.
Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá), Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros) e De repente nenhum som (Sabiá Livros). É colaborador do Le Monde Diplomatique, Jornal Rascunho e São Paulo Review e tem textos publicados em veículos como Rolling Stone Brasil e Estado de Minas.