Populações dos Alpes rejeitam os Jogos de Inverno
Enquanto os XXIII Jogos Olímpicos de Inverno se iniciam em Pyeongchang, na Coreia do Sul, as populações dos Alpes não querem mais saber desses eventos, considerados artificiais, caros e destrutivos para o meio ambiente. O Comitê Olímpico Internacional se esforça para avaliar essa rejeição, expressa democraticamente, e para revisar seu modelo
No Tirol austríaco, os eleitores rejeitaram por 53,5% dos votos, em 15 de outubro de 2017, o projeto de candidatura aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2026. Em Innsbruck, sede dos Jogos em 1964 e 1976, a humilhação foi ainda maior: 64,4% de “não”. Em fevereiro, os cidadãos do cantão suíço dos Grisões também haviam rejeitado o projeto de Saint-Moritz e Davos para os mesmos Jogos de 2026, com 60% dos sufrágios. Essa desconfiança não é nova. Apresentada como um evento popular e universal, a Olimpíada é agora quase sistematicamente recusada pelas populações envolvidas quando sua opinião é consultada. Em 2013 e 2014, isso aconteceu com três projetos para os Jogos de Inverno de 2022 em Cracóvia (Polônia) e Bavária e Munique (Alemanha), como já acontecera nos Grisões. Pouco depois, a última candidatura europeia para 2022, a de Oslo, foi retirada após pesquisas desfavoráveis. Devemos esses resultados a vigorosos movimentos de oposição – como a organização Nolympia, da Bavária –, frequentemente liderados por ecologistas, mas que se estendem muito além, até o quadro político, girando sobretudo em torno dos receios de desmandos orçamentários.
Os últimos Jogos alpinos foram os de Turim, em 2006. Depois, ocorreram em 2010 em Vancouver (Montanhas Rochosas canadenses) e em 2014 em Sochi (Cáucaso russo). Os deste inverno começam no dia 9 de fevereiro em Pyeongchang (Montes Taebaek, Coreia do Sul); os próximos, em 2022, perto de Pequim – bem longe dos países alpinos, que sediaram os primeiros, em 1924, em Chamonix e se mostraram zelosos organizadores de mais onze edições de 22.
Desvios e gigantismo
Grenoble, na França, festeja este ano o 50º aniversário dos Jogos de 1968, que permitiram à cidade receber ajuda maciça do Estado para a construção de obras públicas: estradas de rodagem, aeroporto, estação ferroviária, casa da cultura, alojamentos sociais na Vila Olímpica etc. São construções ainda utilizadas, ao contrário da maior parte das instalações esportivas, que se tornaram mais ou menos obsoletas com o tempo: pista de bobsled, trampolim para saltos com esquis, pista de velocidade ou ringue de patinação. A prefeitura decidiu celebrar o jubileu a fim de permitir que “todos os habitantes de Grenoble retomem a posse de uma parte de seu patrimônio cultural, urbanístico e social”. No prédio da prefeitura, em forma de um moderno castelo, também construído em 1968, Pierre Mériaux, encarregado do turismo e da montanha, explica que esse patrimônio não é fácil de gerir: “A grande dificuldade é o Palácio dos Esportes, a que só conseguimos dar vida com muito esforço, promovendo eventos diferentes daqueles para os quais ele foi concebido”.
Grenoble poderia acolher de novo os Jogos? O ecologista eleito sorri: “Isso não é desejável nem possível. O Comitê Olímpico Internacional (COI) não brilha nem por sua transparência financeira nem por seu funcionamento democrático ou suas preocupações ecológicas…”. A administração anterior esteve de olho nos Jogos de 2018, mas se viu às voltas com os imperativos olímpicos da era do gigantismo: “Uma cidade como Grenoble [450 mil habitantes] já era muito pequena para as exigências insanas do COI em termos de infraestrutura ou quantidade de alojamentos”, testemunha, apoiado no anonimato, um nome de destaque dessa candidatura. “Isso agora só pode ser um projeto de território apresentado por uma vontade estatal forte ou uma capital urbana muito grande.” Com efeito, o porte dos Jogos de Inverno aumenta sem parar: em 1968, em Grenoble, 1.158 atletas se inscreveram para 35 provas; em Pyeongchang, serão mais de 3 mil para 102 provas.
Codiretor da associação Mountain Wilderness, Vincent Neirinck denuncia esses Jogos desconectados da montanha natural: “Eles dão aos gestores a oportunidade de administrar vastos recursos. Isso gera instalações que se tornam rapidamente obsoletas, conforme Turim já demonstrou em 2006, levando ao paroxismo a lógica vigente nas estações: excesso e artificialismo. As pistas são artificiais, homogêneas, as mesmas em toda parte, para todos os esquiadores”. Essa aberração culminou nos Jogos de Sochi,1 os mais caros da história, onde verão e inverno se confundiram: 36 bilhões de euros, dos quais 4,6 milhões apenas para a organização.2 O resto foi para a infraestrutura de transporte e de esportes de inverno de rentabilidade hipotética, com forte impacto ecológico. Tudo isso sob um pano de fundo de corrupção e dopagem dos atletas russos… “Nosso sonho? Os Alpes sem Olimpíadas, mostrando suas especificidades naturais, culturais, históricas, e não um volume exponencial de instalações padronizadas!”, conclui Neirinck.
Albertville guarda a entrada do Vale da Tarentaise, na região da Saboia, França, e sua imensa rede de espaços de esqui, o maior Lunapark europeu desse tipo, com 350 mil leitos turísticos para 53,5 mil habitantes permanentes. No final de 2017, os anéis olímpicos ainda cintilavam por toda parte na cidadezinha que acabava de comemorar o 25º aniversário da Olimpíada de 1992. Na Casa dos Jogos, a diretora, Claire Grangé, que foi membro do Comitê de Organização (Cojo), vela por sua memória: “Nosso sucesso se deveu a três ideias, então inovadoras e depois generalizadas: instalações provisórias e reutilização dos locais existentes para evitar seu abandono, valorização dos atletas e desenvolvimento do território, que permitiu associar a população aos Jogos”. O ringue de patinação de Pralognan, os trampolins de Courchevel e a pista de bobsled de La Plagne continuam em uso, mas são deficitários (o departamento destina 110 mil euros anuais para a pista de bobsled e 150 mil para os trampolins): “Desde o início, resolvemos pôr essas instalações em funcionamento, pois esse era o preço a pagar pela Olimpíada”, insiste Grangé.
Em se tratando de infraestrutura turística, isso teria permitido, a seu ver, “ganhar quinze anos” e reforçar a notoriedade internacional da Saboia. “Aconteceu há trinta anos”, prossegue ela. “Os Alpes ainda hoje precisam dos Jogos? Não é mero acaso que os países emergentes estejam organizando-os agora…” Nesses países, sobretudo na Ásia, a indústria dos esportes de inverno alimenta a esperança de um novo crescimento, enquanto a saturação ganha os mercados alpinos, marcados pela estagnação ou pelo recuo do número de pacotes de esqui vendidos durante a última década.3
“Flexibilizar o produto Olimpíada”
Na cidade suíça de Lausanne, a sede do COI se ergue às margens do Lago Léman, de águas cinzentas e agitadas em meados de dezembro, enquanto os Alpes, bem próximos, permanecem ocultos na névoa. A paisagem reflete a organização olímpica, sacudida pelas investigações de corrupção nas quais estão implicados alguns de seus membros a propósito dos Jogos do Rio 2016 e de Tóquio 2020, pelo dossiê dos atletas russos dopados e pela derrota das candidaturas europeias. Essa derrota diz respeito apenas aos Jogos de Inverno: Hamburgo e Budapeste renunciaram aos Jogos de Verão de 2024, aos quais a população se opôs.
Em setembro, na sessão do COI em Lima, dominada pela dupla atribuição dos Jogos de 2024 e 2028 a Paris e Los Angeles – candidatas únicas –, a instituição se gabou: “Graças à Agenda 2020, o Movimento Olímpico não descansa sobre seus louros, mas continua a lutar para permanecer um ator de mudanças positivo”, concluiu seu presidente, Thomas Bach. Entre as quarenta recomendações da Agenda 2020, figuram uma “nova filosofia” dos procedimentos de candidatura: a “redução de custos” – sobretudo graças a uma “importante contribuição financeira do COI” – e a “consolidação e adaptação dos princípios de bom governo e ética” do comitê. Princípios regularmente violados, a despeito das promessas.4
O COI adotou, em outubro último, uma variação expressa na Agenda 2020 para os Jogos de Inverno de 2026.5 O suíço Christophe Dubi, diretor do COI encarregado dos Jogos, resume: “Era necessário flexibilizar o produto Olimpíada para que sua acolhida fosse simplificada e possível em toda parte. Trabalhamos no processo de atribuição e na lista de encargos. Trata-se de uma mudança profunda: já não temos um modelo único de Jogos. Há regiões com necessidades prementes de infraestrutura, e outras, como os Alpes, que já dispõem dela e sabem acolher grandes eventos com custo menor”. Ele insiste: “Queremos que a cidade utilize os Jogos e, mais ainda, que os Jogos utilizem a cidade. Não desejamos mais que uma infraestrutura de esportes seja desenvolvida se não tiver uma herança esportiva comprovada”. Dubi especifica os esforços de “coconstrução” empreendidos com as cidades candidatas para reduzir o porte e o custo dos eventos: limitação do público, do número de técnicos de televisão, do tamanho dos comitês de organização etc.
Os Jogos de Pyeongchang ficarão bem longe desse “novo modelo”. Segundo o COI, o orçamento operacional, inicialmente de 1,5 bilhão de euros, ultrapassará os 2 bilhões. É uma prova daquilo que o economista Wladimir Andreff chama de “anátema do vencedor do leilão” olímpico, que vê o orçamento escapar ao controle de maneira sistemática.6 Pyeongchang aplicou 8 bilhões de euros em infraestrutura, sobretudo ferroviária. Esses Jogos de Inverno são anunciados como os mais caros depois dos de Sochi…
“Não é o que queremos para o futuro”, reconhece Dubi. “O COI não foi ouvido pelos sul-coreanos, que pretendiam construir novos estádios e novas infraestruturas de gelo…” Ele garante que os Jogos de Pequim, em 2022, serão menos dispendiosos. Vão se conformar aos 3 bilhões de euros (dos quais 1,5 bilhão para a operação) anunciados? Seja como for, essa Olimpíada com sede em uma cidade que já organizou os Jogos de Verão revela o abismo enorme entre Jogos de Inverno e montanha. Parte das provas ocorrerá no próprio seio da megalópole chinesa. Para as de esqui, previstas em colinas baixas e com pouca neve, as autoridades vão criar pistas, algumas em sítios naturais vulneráveis. Estas ficarão totalmente dependentes da neve artificial, voraz consumidora de água e energia.
Sion, graciosa cidadezinha do Valais suíço situada no fundo de um vale, entre as estações de Verbier e Crans Montana, é a última localidade alpina que disputa os Jogos de 2026. Seu projeto engloba lugares já existentes em vários cantões. Essa candidatura, de que o Comitê Olímpico nacional suíço tomou as rédeas, está avaliada em 1,7 bilhão de euros de orçamento operacional, mais 85 milhões de euros apenas em construção de infraestrutura e 225 milhões para a segurança. Serão os Jogos menos caros depois dos de Salt Lake City, em 2002? Frédéric Favre, consultor de Estado do Valais encarregado da segurança, das instituições e do esporte, afirma: “O COI procura um candidato confiável para pôr em prática sua Agenda 2020? A Suíça está em posição melhor de fazer isso. Queremos os Jogos do futuro. Não se construirá quase nenhuma infraestrutura e nenhum alojamento específico”. Nas ruas de Sion, reina o ceticismo. “Jogos, sim, mas de acordo com nossas condições, sem prejudicar o vale e com dirigentes motivados não apenas por glória e dinheiro”, adverte Dyonis Fumeaux, vereador da câmara municipal de Sion. O presidente (prefeito) de Sion, Philippe Varone, não esquece a prudência: “Queremos Jogos que acelerem nossos projetos já existentes. O COI nos segue e nos diz: ‘Reagrupem, simplifiquem, economizem’. Caso se afastem dessa linha, desistiremos”.
O Conselho Federal suíço se dispõe a entregar 850 milhões de euros a Sion para os Jogos de 2026; o COI, 770 milhões. O Parlamento tem lá suas dúvidas. Christophe Clivaz, parlamentar ecologista de Sion e professor do Instituto de Geografia e Sustentabilidade da Universidade de Lausanne,7 não acredita nessa candidatura: “É um mau sinal, num mau momento. É insistir no esqui e no inverno quando cumpre diversificar”. O forte recuo da prática do esqui nos Alpes e o desafio do aquecimento climático, agudo nessas regiões, deveria induzir a repensar a abordagem da montanha e a “mudar de modelo”, insiste. Ora, os Jogos de Inverno se inscrevem no modelo antigo, o modelo do ouro branco, caro e em locais já fortemente congestionados. “A perda de confiança no COI é enorme. O sonho olímpico não existe mais; é, em vez disso, um pesadelo em potencial.” Os habitantes do Valais decidirão nas urnas, em junho.
*François Carrel é jornalista.