Redução da produção, pré-sal como única alternativa e restrição dos investimentos
Diretrizes Plano Estratégico (PE) 2023-2027 da Petrobras para o segmento de exploração e produção colocam o pré-sal como a única fronteira de atuação da empresa, ignorando a necessidade da exploração de novas áreas, bem como o aproveitamento do potencial de outras bacias do país. Confira na série O plano estratégico 2023-2027 da Petrobras
O Plano Estratégico (PE) 2023-2027 da Petrobras ratifica que a prioridade estratégica da empresa será a “maximização de valor” do seu portfólio no segmento de exploração e produção (E&P), em especial dos ativos localizados no polígono do pré-sal. Esse segmento concentrará 82% do total de US$ 78 bilhões de investimentos planejados para o próximo quinquênio, o equivalente a US$ 64 bilhões. Esse montante é inferior àquele anunciado para o segmento de E&P no PE 2020-24, no período anterior à pandemia.
Os investimentos planejados para E&P consideram uma “dupla resiliência”, econômica e ambiental, segundo a última gestão da empresa. A primeira, de caráter econômico, tem como meta a manutenção de um breakeven[1] de US$ 35 por barril no longo prazo. Esse “preço de equilíbrio” estabelecido como meta é bem inferior aos US$ 80 por barril projetados pela Energy Information Administration (EIA) para o próximo biênio.[2] A segunda, de cunho ambiental, visa reduzir em 0,67% a intensidade de emissões de gases de efeito estufa (GEE) no portfólio de E&P até 2025, quando deverá chegar a 15 KgCO2e/boe, e preservá-la até 2030. O atual volume de emissões do E&P, segmento responsável por parte majoritária das emissões de GEE da companhia, é de 15,1 KgCO2e/boe.
Assim como nos últimos anos, a estratégia vigente não busca diversificar a atuação e destino dos investimentos da estatal no segmento do E&P. Mais uma vez, a companhia optou por concentrar seus investimentos no desenvolvimento da produção na área do pré-sal, nas bacias do Sudeste. O PE 2023-27 tampouco fomenta um plano exploratório ambicioso, os investimentos previstos para descoberta de novas reservas petrolíferas representam apenas 9% do total de investimentos planejados para o E&P. Por outro lado, as atividades de desenvolvimento da produção – isto é, contratação, implantação, manutenção e descomissionamento de plataformas de extração, armazenamento e transporte de óleo e gás – concentram 91% do montante destinado a E&P.
Os investimentos previstos no desenvolvimento da produção somam US$ 56,3 bilhões, elevação de 10% em relação ao PE anterior, e restringem-se a duas bacias sedimentares localizadas no pré sal, as bacias de Santos (US$ 38 bilhões) e Campos (US$ 18 bilhões). Entre outras ações, o plano prevê a contratação de onze novas unidades de produção (FPSOs)[3] na Bacia de Santos e outras 5 FPSOs na Bacia de Campos. Apenas o campo de Búzios, no pré-sal da Bacia de Santos, ativo mais importante da Petrobras, concentrará US$ 23 bilhões em investimentos para implantação de sete novas FPSOs, o equivalente a 50% dos recursos destinados a produção.
Ao concentrar seus investimentos no pré-sal, área de menores custos de extração, em busca de maior rentabilidade no curto prazo, a presente estratégia reforça a dependência da estatal de uma única região produtora. Segundo projeções da própria Petrobras, o pré-sal será a origem de 78% da produção de óleo e gás da companhia em 2027.[4] Ao não diversificar sua atuação exploratória e produtiva, a companhia amplia sua exposição a choques externos e ainda se afasta do desenvolvimento do upstream onshore em outras regiões do país. Em outras palavras, se desvia de sua vocação e caráter nacional, para se concentrar nas bacias da região Sudeste.
No segmento exploratório, os investimentos totais estimados são de US$ 5,8 bilhões, o que representa apenas 7,4% do volume total de investimentos do PE 2023-27. Esse montante é apenas 5% superior ao previsto no PE 2022-26. Esse é o segundo menor volume de investimentos planejados em exploração desde 2007, quando da descoberta do pré-sal, e superior apenas aos investimentos exploratórios previstos no último PE (2022-26).
A atividade exploratória, segundo o PE 2023-27, deve se concentrar na Margem Equatorial Brasileira (MEB)[5] e nas bacias do Sudeste, no pré-sal brasileiro. Para a Margem Equatorial estão planejados investimentos de US$ 2,8 bilhões para perfuração de dezesseis novos poços exploratórios, o equivalente a 49% do total de investimentos no segmento exploratório. As bacias do Sudeste – bacias de Campos, Espírito Santo e Santos – concentrarão outros 45% dos investimentos exploratórios, o equivalente a US$ 2,6 bilhões. Há também a previsão de US$ 345 milhões em recursos para perfuração de dois novos poços no bloco de Tayrona, na Colômbia.
As incertezas e riscos socioambientais associados à atividade exploratória na região da Margem Equatorial, que foram objeto de audiência pública na Câmara dos Deputados em novembro passado, parecem não ter afetado a estratégia exploratória planejada pela gestão de Caio Paes de Andrade à frente da Petrobras. Essa postura, contudo, não reduz o risco de possíveis adiamentos ou atrasos na efetivação desses investimentos.
A despeito da convergência de inversões planejadas no E&P, sobretudo, no desenvolvimento da produção, o PE 2023-27 projeta um incremento tímido da produção da Petrobras no próximo quinquênio e em velocidade inferior a projetada no PE 2022-26.
O atual plano prevê crescimento da produção da Petrobras dos atuais 2,6 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed), em 2023, para 3,1 milhões de boed, em 2027. Esse volume representa uma redução média de aproximadamente 100 mil boed na produção da estatal por ano entre 2023-2027, quando comparado ao projetado no PE 2022-26. Se a meta era atingir uma produção de 3,2 milhões de barris de óleo equivalente por dia em 2026, no PE 2022-2026, essa meta caiu para 3,1 milhões de boed a serem alcançados apenas em 2027, no atual PE.
A companhia apresentou ao menos três fatores como justificativa para essa previsão de queda na produção de óleo e gás projetada: (i) o Acordo de Coparticipação de Sépia e Atapu, que reduz a produção em 100 mil barris equivalente de petróleo por dia (boed), em comparação ao PE anterior; (ii) ajustes no cronograma de interligação de poços nos anos de 2024-25, responsáveis por queda de 100 mil boed em 2024 e 2025; e (iii) declínio natural da produtividade de certos campos, que segundo o Diretor Executivo de Exploração e Produção, Fernando Borges, é estimado em cerca de 10% da produção anual da companhia nos próximos cinco anos, o que exigirá a incorporação média anual de 300 mil barris por dia para suprir tal declínio.
Todavia, essa queda projetada na produção é explicada por fatores estruturais, os quais englobam desde as decisões estratégicas adotadas pela companhia e seus acionistas nos últimos anos, como os processos de mudanças regulatórias, abertura comercial e desnacionalização operacional e tecnológica do segmento de exploração e produção no Brasil. Essas transformações no mercado nacional resultaram na redução da participação da Petrobras nesse segmento, seja como operadora ou proprietária de ativos no upstream, e entrada de novos players nacionais e estrangeiros, privados e estatais.
Em resumo, ao preservar uma política de baixos investimentos exploratórios, concentrar seus investimentos no desenvolvimento da produção quase que exclusivamente no polígono do pré-sal, aprofundar o processo de desverticalização e venda de ativos estratégicos da Petrobras – inclusive no upstream offshore –, as diretrizes do PE 2023-27 para o segmento do E&P colocam o pré-sal como a única fronteira de atuação da empresa, ignorando a necessidade da exploração de novas áreas, bem como o aproveitamento do potencial de outras bacias do país. Nesse sentido, a Petrobras deposita todas suas apostas em uma única região que, a despeito dos êxitos alcançados até agora, impede uma diversificação da sua atuação, fundamental para a sustentabilidade da produção no longo prazo. Tais elementos, como dito nos artigos anteriores desta série, colocam a necessidade de revisão dessas diretrizes como elemento inaugural da agenda da nova direção da companhia.
Mahatma Ramos dos Santos é diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), doutorando em Sociologia no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ) e membro do núcleo de pesquisa Desenvolvimento Trabalho e Ambiente (DTA).
Série especial produzida em parceria com o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) analisa as principais frentes apresentadas no novo plano estratégico 2023-2027 da Petrobras, aprovado em novembro e celebrado pela antiga gestão, e identifica potencialidades futuras para a companhia
[1] O breakeven point atual da Petrobras, isto é, o preço de equilíbrio entre receitas e despesas da empresa, é de US$ 20 por barril.
[2] Segundo projeções da U.S. Energy Information Administration (EIA), o preço médio do Brent deve ser de $83 por barril, em 2023, e cerca de $78 por barril, em 2024.
[3] Plataforma de produção do tipo FPSO (sistema flutuante de produção, armazenamento e transferência de petróleo).
[4] Segundo Relatório de Produção e Vendas da Petrobras, a produção de óleo e gás da companhia no pré-sal representava cerca de 73% de sua produção total no 3T22.
[5] A Margem Equatorial Brasileira (MEB) abrange as bacias da Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreiras, Ceará e Potiguar, e se estende do estado do Rio Grande do Norte ao Amapá.