Corumbiara, caso enterrado

Por que uma história tão importante foi pobremente contada? E por que, depois de tanto tempo, ainda precisa ser narrada? Essas são duas das questões centrais de Corumbiara, caso enterrado, lançado pela Editora Elefante. Por incrível que pareça, um dos méritos da obra é sistematizar informações sobre um episódio que resultou em doze mortes, segundo os dados oficiais. Havia uns poucos trabalhos acadêmicos a respeito dos fatos ocorridos há vinte anos em Rondônia, mas nenhum livro-reportagem. Uma lacuna do jornalismo brasileiro é parcialmente preenchida, mas certamente não está esgotada.

Dezenas de entrevistas – pouco mais de setenta, segundo o autor – oferecem um panorama dos fatos desenrolados entre julho e agosto de 1995 na fazenda Santa Elina, em Corumbiara, no sul rondoniense. Uma história que começa, de fato, durante a ditadura, que entrega a uma dezena de mãos privadas as melhores terras da região. Ocorre que o regime havia escolhido para a Amazônia também o papel de escoadouro da pobreza que incomodava nos grandes centros urbanos. O encontro entre sem-terra e latifundiários numa área de baixa presença estatal tinha um desfecho de fácil previsão. Primeiro grande conflito agrário pós-ditadura, o caso expõe as fragilidades de uma democracia atada ao poder privado.

O livro passa do geral aos detalhes ao contar como, em 14 de julho de 1995, centenas de famílias começaram a ocupar a Santa Elina, uma propriedade de 18 mil hectares de pura fertilidade. Desse dia até 8 de agosto, a tensão entre sem-terra, pistoleiros e policiais só fez crescer, até que desembocou em tragédia. Nesse ponto, Corumbiara, caso enterrado dá seu salto de honestidade ao procurar oferecer ao leitor elementos para definir se o que ocorreu foi um massacre, um combate, uma chacina. Essa decisão não resulta numa narrativa pseudoimparcial, como aquelas que nos cruzam a tela do computador várias vezes ao dia. É, mais que nada, um convite que o autor se faz, e estende aos leitores, para se desvencilhar de preconceitos e tentar entender a complexidade das relações humanas para além dos rótulos.