Crítica da retórica democrática

Luciano Canfora não apresenta um argumento que não seja sobejamente conhecido e, contudo, produz um livro sobre a democracia com sabor de originalidade. É que, há décadas, não está na moda reter o que se aprendeu nos últimos 25 séculos, principalmente quando a questão expõe verdades inconvenientes.

O debate sobre o tema tem sido, sempre, “todo ele uma constante crítica da democracia”. O foco do problema está na questão da “competência” do povo, presa fácil dos demagogos e dos sofistas. As soluções pautam-se em dois modelos concorrentes. O primeiro simplesmente recusa a democracia, substituindo-a por uma forma de governo mais avisada, segundo o gosto de cada autor, como em Platão. O segundo, embora a aceite, o faz unido “ao substancial esvaziamento do modelo democrático”. No segundo caso, trata-se de pensar (e construir) uma elite política capaz de dirigir o povo.

Mesmo o atual sistema parlamentar, a assim chamada “democracia”, constitui-se em exercício de escol, cujo recrutamento obedece ao critério de pertencimento às camadas economicamente mais fortes. Trata-se da conhecida lição de Mosca, Pareto, Michels e Gramsci a propósito da “classe política”. Lembra a “lei de ferro da oligarquia”, segundo a qual, até mesmo nas estruturas representativas populares, forma-se uma elite de privilégios.

A alternativa é vislumbrada em hipótese polêmica e corajosa: “só quando oscila em direção ao princípio monárquico (Cromwell, Robespierre, Stalin) […] a experiência revolucionária cria uma situação, de resto instável, de igualitarismo social coagido, de insegurança para todas as classes e de risco essencialmente para os privilégios das oligarquias”. Mas nem com isso há que se entusiasmar: haverá um termidor do qual brotará, vigorosa, uma nova classe dominante.

A lição fundamental é que a verdadeira “mudança é molecular, visível raramente”. A tarefa de hoje é paciência, trabalho e cuidado com o armadíssimo e ferocíssimo novo “Congresso de Viena”: a Restauração da última década.