DA MISÉRIA IDEOLÓGICA À CRISE DO CAPITAL


“O real não está nem na saída nem na chegada; ele se dispõe pra gente é no meio da travessia.” Guimarães Rosa

Este livro se destaca no conjunto das contribuições atuais das ciências sociais, recheadas por análises pontuais e desconectadas de um enfoque totalizante. Com esta preocupação, segue firmemente os passos de Lukács e Mészáros. Seja ao examinar o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a educação, o movimento estudantil ou mesmo questões relativas ao nexo entre crime e sociedade, o fio condutor da interpretação sempre se sustenta na dinâmica de acumulação da sociedade capitalista. Uma perspectiva totalizante nunca foi tão necessária e, simultaneamente, tão difícil. Os dilemas desta difícil travessia constituem o ponto alto desta obra, como quando, em trecho de leitura obrigatória, se discutem os possíveis caminhos do MST.
Resta ver, todavia, se a interpretação realizada leva em devida conta a decisiva lição da dialética de Marx, que analisa a sociedade como mediação; o real se dispõe na travessia. Como é sabido, Marx procurou se balizar pela crítica aos pressupostos, seja da chegada, seja da partida, que contrabandeados em sua imediatez escapavam ao alcance da crítica, conduzida assim para além deste mundo. O único pressuposto que conta é a ”raiz” do homem, o modo de vida material-histórico dos próprios homens em sociedade, e a Ideologia Alemã é justamente a tentativa de apreender, em sua efetividade essencial histórica, a verdade não só como meta pronta, mas tendo como única via de acesso a vida social em sua realidade aparente. A própria práxis não ocorre como algo pressuposto: é exercida pelos que são, simultaneamente, sujeitos e assujeitados da sua própria prática. Hoje os sujeitos em seu “ser social” são uma das principais bases para a reprodução do capital, isto é, da “barbárie” que, dialeticamente, desponta como “civilização” cujo avesso efetivo se realiza por quem, como todos nós nesta sociedade, no dia-a-dia é também objetivamente beneficiário dos frutos de sua própria destruição histórica.
Como práxis, o ir além precisa se apresentar no aquém e evitar a retórica idealista da chegada ou a ideologia apologética da partida.