E se Obama fosse africano
O livro é uma reunião de ensaios que refletem sobre mazelas e potencialidades do continente africano e conferem continuidade ao papel de intervenção social que Mia Couto vem construindo com tamanha seriedade, numa boa dose de observação e de mágica nas palavras.
O autor moçambicano traça uma crítica clara à falta de investimento em educação e trabalho no país, sem o qual o continente não poderá extrapolar os status de ausência, de caso clínico ou de quintal do mundo e assumir protagonismo em sua história. Suas reflexões representam o grito por um pensamento produtivo, igualitário e ousado, que seja capaz de se opor às margens de um sistema que comprime as águas volumosas que banham o continente.

Com exceção daquele que empresta título à obra, os textos reunidos foram pensados para participações em encontros e colóquios dentro e fora de Moçambique. Desses, três foram realizados no Brasil.
No artigo “E se Obama fosse africano?”, o autor moçambicano especula sobre as dificuldades que o presidente encontraria para chegar ao poder nesse continente e continuar a exercê-lo de maneira democrática.
A corrupção, as doenças, as queimadas, a ciência, o hip-hopmoçambicano, a solidariedade entre iguais, as formas de violência… São diversos os temas tratados nessa coletânea, e, ao abordar peculiaridades do país de onde escreve, o autor fala de temas universais, por se referir sempre a humanidades: desejos, angústias, injustiças, descobertas, alegrias, efemeridades.
Logo no início do volume é narrada a história do velho guarda de uma estação hidrológica de Moçambique, que cumpria com dedicação a missão de preencher formulários para o controle fluvial, embora tal programa federal houvesse sido extinto com a guerra. Quando seus formulários acabaram e não havia a quem os solicitar, o velho guarda começou a fazer registros na parede da estação. Mia nos faz lembrar que em todas as partes do mundo há gente “inscrevendo na pedra os minúsculos sinais da esperança”.