FILHO ÚNICO
Stéphane Audeguy não hesitou ante o risco de escrever sobre o 1789 da França – episódio tantas vezes recontado num país que tem grande devoção a romances históricos. Seu Filho único, recém-traduzido no Brasil, cumpre relativamente bem sua proposta.
Como ficção, entretém sem perder o ritmo. Como painel de uma época, apresenta uma Paris libertina e pré-revolucionária com certa vivacidade.
A um leitor especializado, porém, pode oferecer poucas surpresas, embora o mote desperte, por si só, grande curiosidade: Audeguy imagina quem teria sido o irmão “desaparecido” de Jean-Jacques Rousseau. O filósofo que inventou o “homem livre” ganha, assim, um irmão-rival libertino, que passa do bordel à Bastilha, quando convive com o Marquês de Sade.
Leitor de obras diversas sobre o século XVIII desde a adolescência, o escritor francês, hoje com 45 anos, conta que foi movido a escrever sobre François Rousseau ao deparar com as raríssimas menções ao personagem – menções que lhe pareceram por demais obscuras – nas Confissões do pensador iluminista.
A narrativa de Filho único é contada pelo libertino, que a endereça ao irmão, àquela altura, morto. Espécie de acerto de contas, o relato luxuriante de François quer desafiar os pudores de Jean-Jacques e, por diversas vezes, reavalia sua vida e obra. É nesse ponto que o leitor poderá se incomodar: o filósofo aparece chocho e desinteressante demais aos olhos do irmão, estreito e ressentido. “Quem ri por último ri melhor”, François diz, tentando parecer bem-humorado, algo que não é.
O narrador critica o irmão, sobretudo pelo que chama de “abdicação da grandeza”: Rousseau sonhou e, com isso, teria influenciado sucessivas gerações a sonhar, com “pequenos prazeres”, nas palavras do irmão. Essa oposição entre irmãos, imaginada no romance de Audeguy tem, assim, pouco êxito quando reduz por demais a complexa questão que o pensamento romântico impõe até hoje à civilização.