Guerras e escritas: a correspondência de Simón Bolívar (1799 – 1830)

Simón Bolívar tem lugar cativo na memória política e social da América Latina. As versões históricas em torno das independências hispano-americanas foram construídas a partir dos escritos de “El Libertador”, que criou uma identidade do “herói sem fronteiras”. A historiografia bolivariana é acompanhada pelo anacronismo, pois forjou uma relação entre a vida de Bolívar e o destino da América, “como se Bolívar e América Latina formassem uma só alma”.

Em seu livro, Fabiana de Souza Fredrigo investiga o culto a esse mito, para avaliar como e porque tal incorporação foi possível. Seu trabalho mescla história, memória, literatura e biografia, a partir da análise das cartas de Bolívar (2815 missivas), buscando identificaros vínculos construídos entre a memória individual e coletiva e a historiografia em torno das independências e de Simón Bolívar.

A historiadora traça um interessante panorama das apropriações do mito bolivariano, especialmente na Venezuela, onde foi e continua sendo usado para representar a coesão nacional, seja pela elite do século XIX, seja durante a ditadura de Juan Vicente Gomes (1908-1935), ou a partir da revolução chavista e da República Bolivariana. Por sua análise, vemos que Bolívar e seus parestinham valores comuns (“guerra, honra e glória”) que eram expressos e cultivados nas cartas, enquanto o povo era excluído dessa comunidade, mesmo que isso contrariasse a simbologia republicana.

A leitura deste livro constitui uma rara oportunidade de acompanhar a construção do mito bolivariano, o cotidiano das tropas das guerras de independência na América do Sul, os embates entre a elite e o povo, além de conhecer um pouco das estratégias políticas de Bolívar, como a da “renúncia”, utilizada para se contrapor às acusações de apego ao poder.