Iconografia do cangaço

O cangaço continua incitando novos olhares. Esse fenômeno, típico dos sertões do Nordeste brasileiro, manifestou-se entre o século XVIII e a primeira metade do século XX. Ao contrário do que muitos pensam, sua estrutura expõe formas complexas de associação com as diferentes instâncias de poder vigentes no período. Iconografia do cangaço, obra organizada por Ricardo Albuquerque, com textos assinados por Moacir Assunção, Ângelo Osmiro e Rubens Fernandes Júnior, pretende recuperar a “dimensão cultural” desse evento histórico. Para tanto, lança nova luz sobre a trajetória errante do “capitão Virgulino Ferreira da Silva”, o célebre Lampião (1898-1938), chefe incontestável dos cangaceiros. Em suas 216 páginas, o livro apresenta ao leitor um rico acervo iconográfico composto de 163 fotografias, mais um DVD com imagens em movimento, acrescido de quatro minutos inéditos. Originalmente, as imagens foram produzidas na caatinga pelo mascate libanês Benjamin Abrahão, entre 1936 e 1937. Agenciado por Adhemar Albuquerque, representante da Aba Film, em Fortaleza, o obstinado imigrante embrenhou-se nas caatingas determinado a filmar e a fotografar Lampião e seu bando. A intencionalidade dos sujeitos envolvidos no processo de produção das imagens indica o caráter equívoco e construído das poses. Lampião e os cangaceiros em cenas de combate, no cotidiano de festas, religiosidade, convívio com as mulheres do bando, expondo uma estética apurada. Tudo isso num momento em que Getúlio Vargas, à frente do Estado Novo, empreendia severa perseguição aos bandos. Em reação à publicação das imagens, Vargas acionou a repressão e apreendeu o material. O livro prima pela qualidade do material produzido, agora reorganizado sob critérios temáticos, com informações adicionais que auxiliam o entendimento do leitor. Os textos ajudam a contextualizar os processos de produção das imagens. Como acredita o autor, a imagem fotográfica vale mais que mil palavras. E é exatamente esse poder conferido às imagens que nos convida a pensar e a repensar o cangaço enquanto expressão singular da nossa história.