NÃO CONTEM COM O FIM DO LIVRO

“O livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Uma vez inventados, não podem ser aprimorados”. Assim falou Umberto Eco em Não contem com o fim do livro, resultado de encontros realizados com o dramaturgo e roteirista Jean-Claude Carrière.
Nas conversas – conduzidas pelo jornalista francês Jean-Philippe de Tonnac –, os dois bibliófilos discorrem com singela erudição sobre os séculos de história do livro, de seus primórdios ao formato eletrônico. Falam do longo processo de seleção e filtragem que formou o que chamamos de cultura e das obras que se perderam no tempo, que jamais pudemos ler e permanecerão, para sempre, inéditas.
Apaixonados confessos pelo formato tradicional, em papel, arriscam palpites sobre os efeitos da revolução tecnológica na literatura e a profusão de novos suportes para o livro e a leitura. Convém ressaltar a enorme rapidez com que esses formatos são substituídos por outros mais modernos e eficientes, tornando obsoletos equipamentos e métodos pouco depois de seu nascimento e obrigando editores a investir mais e mais em tecnologia, em detrimento do conteúdo.
Mas quem garante, por exemplo, que essa formidável invenção que é a internet não virá a desaparecer no futuro? Prevendo sua morte como meio preferencial de leitura, Eco vaticina: “Passe duas horas lendo um romance em seu computador, e seus olhos viram bolas de tênis”. Além do mais, lembra, o computador “depende da eletricidade e não pode ser lido numa banheira e tampouco deitado na cama”.
Certo tempo há de passar até se ter a ideia mais precisa do lugar que o livro – digital ou não – vai ocupar no mundo. O dramaturgo Bertolt Brecht escandalizou ao aproximar a alta esfera da cultura dos mecanismos perversos do capital. Mais que a questão de suporte, portanto, vale discutir a diversidade, a democratização do acesso à leitura, o valor das obras.
Enfim, se nenhuma resenha breve como esta dá conta do espectro amplo das reflexões de Eco e Carriére, esperemos que ajude a sublinhar sua relevância. Livros sobre livros serão sempre bem-vindos.