NINGUÉM É PERFEITO


O cartunista Jaguar menciona no prefácio de seu novo livro, Ninguém é perfeito, que a história da obra é mais interessante do que a obra em si. E, de fato, é. As tiradas afiadas e o uso de situações politicamente incorretas – duas das características de sua produção humorística – estão presentes na publicação. Mas os bastidores chamam mais a atenção.
O livro, da editora carioca Desiderata, era inédito no Brasil. Tinha sido publicado apenas na Argentina, em 1973. Um ano antes, Jaguar fora convidado para desenvolver esse projeto pelo dono de uma vinícola do país vizinho. O empresário queria mudar de ramo e pretendia criar uma editora. Os títulos de estréia seriam trabalhos de desenhistas sul-americanos. O brasileiro abriria a coleção, que não teve mais nenhuma obra.
Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe – nome completo de Jaguar – editava na época o jornal de humor Pasquim, conhecido pela crítica ao regime militar brasileiro (1964-1985). Ele comenta que um dia passou na redação do tablóide, no Rio de Janeiro, e pegou um maço de desenhos. Os cartuns selecionados foram a base do livro. A maioria deles mostrava situações de humor que se resolviam em si mesmas.
O lançamento em 1973, em Buenos Aires, permitiu a Jaguar estabelecer um primeiro contato com os desenhistas do país vizinho. Num desses diálogos conheceu Quino, pai de “Mafalda”, personagem que assina o prefácio do livro. “Imperfeitos como Jaguar reconciliam qualquer um com as imperfeições da vida”, diz ela.
Jaguar lembra ter comentado com Quino que tiras e cartuns não combinavam. Manter a produção daquelas endureceria o traço. Pouco depois, o criador de Mafalda abandonava a produção das histórias curtas da menina politizada e questionadora. “É claro que não o levei a isso”, diz Jaguar. “Já deveria estar remoendo essa idéia e o meu palpite talvez tenha sido a gota d’água.”
Em 2007, o polêmico Jaguar afirmou que, para ele, o cartum havia morrido. Este livro do desenhista prova que não. Como ele mesmo sugere, ninguém é perfeito.