Noiva da revolução. elegia para uma religião
Que faz de Chico de Oliveira um intelectual tão marcante? A publicação em um só volume de dois ensaios do autor, Noiva da revolução (inédito) e Elegia para uma religião (estudo sobre as relações Estado/sociedade centrado no Nordeste brasileiro, publicado em 1977) recoloca essa questão que é, claro, irrespondível sem risco de redução drástica.
Roberto Schwarz, também ele intelectual marcante dessa geração que hoje, ativíssima aos 70 anos, continua pautando a discussão sobre os impasses do Brasil, aponta um caminho para nos elucidar. No prefácio de Crítica da razão dualista/ O ornitorrinco assinala que a originalidade conceitual de Chico está aliada a afinidades com a vida popular. “Penso que parte dessa originalidade também se deve a um desassombro irreverente diante das firulas acadêmicas.”Doutor honoris causa pela USP e pela UFRJ, ele não se curva diante das inúmeras regras implícitas da academia. Essa sua marca está evidente também no último livro: ele desrespeita as divisões disciplinares, desbanca teorias que podem ser “muito bonitas e estar rentes às interpretações clássicas, mas não dão conta do real”, diverge de seus aliados e os critica com o mesmo rigor com que aceita as críticas dirigidas a ele. Mas o que mais destoa é a capacidade de expor sua condição de participante engajado da História e da sociedade, que é seu dever de ofício de sociólogo analisar. E, além de tudo, propaga aos quatro ventos que escreve movido pela paixão, no caso de 1977, a paixão pelo Nordeste, pelos operários e camponeses e também pela sua primeira mulher, Orieta, cujo aniversário de morte é parte da elegia.
O ensaio mais recente é ponto de deságue das paixões de Chico: o relato “político-sentimental” sobre a Recife que deixou para viver em São Paulo junta referências teóricas e evocação da cidade perdida. Esta “se transformou em um paliteiro, ‘um cão sem plumas de paliteiro’, lembrando uma tábua de pirulitos de minha infância”. Entender a perda e deixar um espaço aberto, onde a tristeza da repetição em dois tempos do desastre brasileiro dê lugar à alegria de um outro modo de vida, é a paixão central que nos legam os dois ensaios.