OS BRASILEIROS
O álbum reúne sete histórias escritas e desenhadas pelo autor, que é velho conhecido dos fãs dos quadrinhos no país, desde os tempos das extintas revistas Animal e Chiclete com Banana. Uma dessas histórias, aliás, “O negócio do sertão”, sobre uma malfadada expedição de bandeirantes paulistas em meados do século XVII para caçar índios no Planalto Central, já lhe havia rendido, em 1992, o prêmio de melhor roteiro do ano do troféu HQ Mix. Em 1999, ele voltou a receber o mesmo prêmio por seu álbum Adeus chamigo brasileiro – Uma história da guerra do Paraguai.
Há um ponto em comum entre as histórias: o protagonismo dos ameríndios – dê-se ele no século XVI, durante os primeiros anos da colonização no litoral do Sudeste, como em “A mulher do morto”, ou no Planalto Central do século XX, de “O caso dos xis”. “Neste livro, os índios não são de forma nenhuma as vítimas da história”, diz o autor no posfácio.
O protagonismo tem toque especial porque não apela a estereótipos. O que torna o álbum mais raro é que a formação do autor, historiador e antropólogo, não está a serviço do pseudodidatismo escolar, mas sim de algo maior, a compreensão sobre o estilo ameríndio de pensar, de estar no mundo – em sintonia com as mais recentes direções da antropologia. Para quem estiver a fim de descobrir o que são, na prática, perspectivismo, cosmopolítica ou multinaturalismo, está aqui uma bela introdução, e nada acadêmica, o que é melhor. Em arte, a exatidão não é a verdade, como lembra o autor.
Também não é, por acaso, um ponto em comum de muitas das tramas: o xamanismo. O álbum é uma oportunidade de entender um pouco mais esse complexo cultural que atravessa todos os dramas, tragédias e, por que não, comédias humanas da vida dos ameríndios. Convivem, lado a lado, médicos que curam e feiticeiros que matam, espíritos que auxiliam ou que atacam. Essa ambiguidade extermina o maniqueísmo que assola nossos índios há cinco séculos. Oxalá o cinema brasileiro descubra logo a riqueza dos roteiros e desenhos de Toral. Quem sabe, um dia, não precisaremos de produção estrangeira para se ter filme como o recente Terra vermelha, sobre os Guarani-Kaiowa.