Poder e desaparecimento: os campos de concentração na Argentina

Com base em suas experiências como militante política sobrevivente de um campo de concentração da ditadura argentina, Pilar Calveiro defende no livro que qualquer poder busca não apenas controlar, mas fazer desaparecer o disfuncional – que na obra seria o que buscasse mudanças na sociedade argentina do período.

Tal “poder desaparecedor” se organizou em razão de uma burocracia que, na Argentina, culminou nos campos de concentração.

A extinção dos detidos era organizada pelo Estado. Os executantes diziam apenas cumprir ordens legais no desempenho de suas funções e o faziam de forma burocrática – com memorandos e ofícios para as execuções. Cumpriam seu papel nessa tenebrosa forma de divisão social do trabalho, constituindo um “serviço público criminoso”.

Todo poder é resistido, ensina a obra. A maior resistência situa-se na memória dos sobreviventes – que nunca é “absolutamente individual” e se transformou numa das maiores armas contra o poder desaparecedor.

Vozes surgem para que fatos não sejam esquecidos e para que culpados sejam punidos. Afinal, lembra Pilar, anistia e amnésia possuem a mesma raiz: a-mnes-is (esquecimento). E esquecimento é o desejo do poder desaparecedor, para quedar impune e persistir no controle.

Conforme o livro Justiça de transição: contornos do conceito, de Renan Quinalha (Outras Expressões, 2013), a violência das ditaduras ainda está presente nas sociedades atuais. A consolidação da democracia brasileira impõe o esclarecimento das atrocidades que foram cometidas nos anos de chumbo.

Isso só será possível com a investida corajosa da Comissão Nacional da Verdade ou com a revisão da leitura da anistia, estendendo-a aos agentes de Estado. Senão, o poder desaparecedor assombrará para sempre o Brasil.

Como lembra Pilar Calveiro, é ilusório “a sociedade civil supor que o poder desaparecedor desapareça através de uma mágica inexistente”.