TRABALHO DE BRECHT
Este Trabalho de Brecht – agora em oportuna segunda edição – é o esforço mais decisivo, entre nós, de mapear, na obra do escritor alemão, a complexidade formativa de um projeto cujas marcas permanecem determinantes e em movimento. Ao flagrar o momento em que tal projeto vê definir as linhas maiores de sua fisionomia, José Antonio Pasta confere a dimensão específica daquele trabalho: sua inscrição no mundo como prática de elaboração da experiência, quando os combates deste mundo exigem da arte a assimilação produtiva das contradições que, a um só tempo, a envolvem e constituem. Com isso, o trabalho da obra se define ali onde “ao deslocar-se a si mesma, desloca a tudo quanto toca – realiza uma operação exemplar na organização da cultura”. Trabalho em outro contexto, mas não de menos embates, do qual não foge o crítico paulista.
Um exemplo do influxo deste trabalho, e não por acaso, é o fato de que o livro de Pasta, desde sua primeira edição, tem feito convergir, direta ou indiretamente, imaginações e intuições artísticas de certo número de grupos teatrais na cidade São Paulo – grupos que, desde o final dos anos 1990, tentam dar forma a aspectos de nossa difícil sociabilidade, fazendo operar na cena as contradições que nos tomam: tensões entre formas de produção e a capacidade de apropriação e criação de procedimentos que deem destino poético e político ao teatro, arte pública que é. Contradições que Pasta mapeia na trajetória de Brecht, e ainda mais nos últimos anos da República de Weimar, em sua luta de vida e morte com as várias faces da forma-mercadoria, com o que deixa ver, de maneira exemplar, o modo como o alemão converte tal processo em condição e estágio de seu projeto.
Nesse percurso, outra teatralidade se instaura, como negação premeditada da espetacularidade arrasadora que abarca todas as dimensões do convívio. Pasta contribui para a constituição de uma tradição de pensamento que não apenas se evidencia em Brecht, mas que faz de nosso diálogo com a obra deste um capítulo decisivo seu, precisamente aqui, onde os combates não cessam e se adensam.