A caminho da privatização das guerras
As empresas privadas de segurança internacional, que tiveram seu papel ampliado em conflitos de baixa intensidade com o fim da guerra fria, começam a diversificar seus serviços, aumentando a amplitude de um neo-mercenarismo que precisa ser reguladoPierre Conesa
“Quando precisávamos de soldados aguerridos para separar os combatentes dos refugiados, cheguei a pensar na possibilidade de contratar uma empresa privada. Mas o mundo talvez não esteja pronto para privatizar a paz”, declarou, depois do genocídio de Ruanda, Koffi Annan, na época secretário geral adjunto da Organização das Nações Unidas (ONU), encarregado das operações de paz1. Se as ações militares de empresas privadas encontram resistência e desconfiança na França2, elas são aceitas com mais compreensão no mundo anglo-saxão, onde alguns pensam em “criar forças mercenárias voluntárias organizadas por empresas privadas, para fazerem guerras contratadas pela ONU3“.
O reaparecimento de mercenários, em algumas crises africanas, como recentemente na Costa do Marfim, lembra que o problema não é assim tão simples. Pela primeira vez, uma autoridade política – a Câmara dos Comuns de Londres – publicou um relatório sobre a questão, no dia 12 de fevereiro de 2002. O relatório questiona as reais atividades dessas “companhias militares privadas” indo além das fórmulas maniqueístas. Ela tenta colocar as bases de uma reflexão política para enquadrar o debate sobre o mercenarismo.
Nesses últimos 15 anos, uma parte do planeta foi submetida a uma profunda “somalização”: a fragmentação e a dissolução das estruturas de poder em alguns Estados minados pela corrupção, provocam o renascimento de identidades pré-coloniais e a destruição da economia legal. Os “grupos armados não-estatais” – mais de 400, presentes em 90 países – tornaram-se verdadeiros atores dessas crises de baixa intensidade4.”
Grupos essencialmente criminosos
Muitos dos grupos armados que não têm relação com nenhum Estado e têm como objetivo central garantir a perenidade de suas atividades criminosas
As crises de origem política são as mais tradicionais: seu objetivo declarado é a tomada do poder, mas – sem receber recursos da Washington ou de Moscou depois do fim da Guerra Fria – elas foram buscar toda uma gama de meios para encontrar os recursos necessários à sua sobrevivência. Esse foi o caso do Sendero Luminoso, no Peru. No contexto bem particular da Colômbia, as Forças armadas revolucionárias da Colômbia (Farc) recorrem ao seqüestro e à cobrança de imposto sobre a coca, ou sobre a primeira etapa da transformação desta em cocaína (pasta básica) para se financiar: mas o dinheiro do narcotráfico financia igualmente os paramilitares, penetrou no exército e em outros setores econômicos “respeitáveis”, como também na classe política.
No caso argelino, o Exército Islâmico de Salvação (AIS), braço armado da Frente Islâmica de Salvação (FIS), que assumia objetivos políticos, desapareceu para deixar espaço aos Grupos Islâmicos Armados (GIA), cujas ações criminosas (roubo, pilhagem e massacres) tornaram-se essenciais para a sua sobrevivência e até mesmo para a sua identidade5. Outros grupos têm como ambição apenas proteger o espaço tradicional de seus clãs ou de suas etnias, sem objetivo nacional declarado, como os technicals
Pierre Conesa é antigo alto-funcionário da Otan. Autor, entre outros, de Mécaniques du chaos: bushisme, prolifération et terrorisme, editora L’aube, La Tour d’Aigues, 2007.