A Coca-Cola, a COP27 e a hipocrisia
A empresa, que produz 200 mil garrafas de plástico por minuto a partir de combustíveis fósseis, é uma das patrocinadoras da conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas deste ano
Tempestades, inundações, enchentes, períodos de estiagem devastadores, incêndios florestais, furacões. O mundo sente, de forma cada vez mais frequente e intensa, os impactos da emergência climática. Até 2050, 17 milhões de pessoas se tornarão refugiadas do clima somente na América Latina. Cerca de 40% da população mundial é altamente vulnerável às mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global, que ameaça também outras espécies e biomas.
Entre os dias 6 e 18 de novembro deste ano, líderes do mundo inteiro e ativistas climáticos estarão reunidos na COP 27, em Sharm El Sheikh, no Egito, na tentativa de dialogarem sobre o controle do aumento da temperatura do planeta. Estarão em jogo o cumprimento de acordos internacionais para a redução da emissão de gases causadores do efeito estufa, a redução do desmatamento e a adoção de meios de produção de energia limpa. Um embate de forças que inclui a resistência de diversos setores à adoção de medidas que impactam seus lucros.
E o que a Coca-Cola tem a ver com isso? A empresa, que produz 200 mil garrafas de plástico por minuto a partir de combustíveis fósseis, é uma das patrocinadoras da conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas deste ano. Por hora, são 12 milhões de garrafas plásticas a serem jogadas no meio ambiente, produto que leva, em média, 450 anos para se decompor. O Sistema Coca-Cola, formado por duzentas marcas, foi apontado como o maior poluidor mundial de plástico por uma auditoria do Break Free From Plastic, movimento global com mais de 11 mil organizações em cinquenta países.
A estratégia de greenwashing ao patrocinar a COP se alinha à postura da empresa, que obteve lucro líquido de US$ 2,78 bilhões no primeiro trimestre deste ano às custas de impactos imensuráveis ao meio ambiente e à saúde das pessoas. As bebidas açucaradas, como os refrigerantes, estão associadas ao aumento de doenças crônicas como diabetes, problemas cardiovasculares e obesidade. Essas informações são omitidas pelo uso do poder econômico dessa indústria, que atua fortemente para impedir a regulação do setor e ainda conta com incentivos fiscais. Somente em 2016, a Receita Federal deixou de arrecadar R$ 3,8 bilhões dessas empresas.
Recentemente, o Sistema Coca-Cola foi condenado a pagar R$ 40 milhões à União de crédito tributário por classificação fiscal errônea de insumos vendidos na Zona Franca de Manaus para a industrialização de bebidas adoçadas não alcoólicas. Um valor alto, quando se considera o período de apenas cinco meses de apuração, entre agosto e dezembro de 2010. De acordo com a ACT Promoção da Saúde, há pelo menos outros dez processos em tramitação sobre classificação errônea de insumos contra a empresa, todos envolvendo altas quantias de dinheiro.
O patrocínio à COP27 também põe em risco o sucesso da Conferência em promover diálogos e ações em torno do cumprimento do Acordo de Paris. Enquanto isso, o plástico permanece como uma das principais fontes de poluição, não só pelo tempo que leva para se decompor, mas porque sua produção e queima estão relacionadas à emissão de gases do efeito estufa.
Desde 1990, a Coca-Cola coleciona metas de redução da produção de plástico e de reciclagem não cumpridas. A mais recente e bem ambiciosa é iniciar o recolhimento de uma garrafa ou lata para cada unidade vendida até 2030. Os países mais prejudicados pela poluição da gigante do setor de bebidas açucaradas são os economicamente mais vulneráveis.
A lógica é perversa: lucra com o adoecimento de pessoas, animais e biomas enquanto vende a imagem de social e ambientalmente responsável. É urgente uma mobilização ampla para dar transparência ao setor e exigir a adoção de medidas de proteção à saúde da população e à natureza, em consonância com a Agenda 2030 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 3 (boa saúde e bem-estar), 12 (consumo e produção responsáveis), 13 (combate às alterações climáticas), 14 (vida debaixo d’água) e 15 (vida sobre a Terra), entre outros.
Paula Johns é diretora-executiva da ACT Promoção da Saúde; Alessandra Nilo é representante do Grupo de Trabalho da Agenda 2030; e Carlota Aquino é diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).