A dívida contra o desenvolvimento
O ano de 2002 foi marcado pela publicação de uma grande quantidade de obras críticas e de trabalhos de análise sobre a situação dos países do Hemisfério Sul, escritas, em grande parte, por autores latino-americanos, africanos ou asiáticosRoland Pfefferkorn
A cantilena da “globalização feliz” já não faz sucesso. Da Argentina à Indonésia, do Senegal à África do Sul, os últimos anos foram marcados pelo agravamento da situação econômica e social em todos os países do Terceiro Mundo. Paralelamente, desenvolveram-se lutas de oposição à globalização capitalista, ganhando uma dimensão especial ao longo do ano passado1. O ano de 2002 foi marcado, no plano editorial, por uma quantidade de obras críticas e de trabalhos de análise de qualidade que têm em comum o fato de enfatizarem, em muitos casos, a situação dos países do hemisfério Sul e/ou apresentarem pontos de vista originários de autores latino-americanos, africanos ou asiáticos e, mais particularmente, dos que lutam por uma globalização diferente.
A dívida desses países está mais do que nunca no centro de suas dificuldades. Permanece no cerne de trabalhos recentes. Damien Millet e Eric Toussaint vencem o desafio de apresentar com clareza e rigor, num livro destinado a um público não-especialista, a origem da dívida e os mecanismos praticados que limitam os países endividados a uma relação de subordinação ao FMI e ao Banco Mundial2. Já paga por várias vezes, mas sempre em alta, essa dívida continua a esmagar populações que não tiraram proveito dela. As diminuições efetivas decididas nos últimos anos por alguns raros países são, na realidade, infinitamente mais limitadas do que as quantias anunciadas regularmente pelos dirigentes dos países do Hemisfério Norte.
A reinserção da economia na sociedade
A leitura do livro de Joseph Stiglitz ex-economista chefe do Banco Mundial e Prêmio Nobel de Economia, expõe claramente os limites de suas soluções
Os escritores do Hemisfério Sul que assinam as contribuições do último número da revista Alternatives Sud aprofundam a análise da dívida, enfatizando o agravamento da desigualdade das relações Norte-Sul e a necessidade do cancelamento da dívida devido ao caráter usurário de seu serviço e de seus efeitos sociais dramáticos3. A partir de uma análise lúcida da situação dos países atingidos pela “crise asiática”, Diana Hochraich detalha o contexto para os países dessa região4 Mostra em seu livro que foi a abertura para os mercados de capital e a subordinação destes às empresas multinacionais, durante os anos precedentes, que os levaram à crise.
A leitura deste último livro expõe claramente os limites das soluções propostas por muitos autores, inclusive o ex-economista chefe do Banco Mundial, Joseph Stiglitz5. Por exemplo, o prêmio Nobel de Economia, que formula um diagnóstico lúcido das políticas do FMI e do Banco Mundial, hesita em propor uma mudança das regras do jogo do sistema econômico e tem dificuldade em ver suas contradições. O mérito das alternativas desenvolvidas nos livros acima citados é o de subverter a perspectiva que consiste em querer alinhar tudo ao mercado. A intensificação das contradições é levada em conta, tanto no Sul como nos países capitalistas desenvolvidos, onde as desigualdades sociais aumentam. Da mesma forma, tais alternativas questionam a preferência pelo desenvolvimento do setor privado e a redução do papel do Estado: propõem reinserir a economia na sociedade – e não, a sociedade na economia.
(Trad.: Regina Salgado Campos)
1 – Cf. Samir Amin e François Houtard (org.), Mondialisation des résistances, L’état des luttes 2002, Centre Tricontinental, Louvain-la-Neuve, 2002, 386 p., 15 euros.
2 – Damien Millet e Eric Toussaint, 50 Questions, 50 Réponses sur la dette, le FMI et la Banque mondiale, Bruxelas e Paris, Comité pour l’annulation de la Dette du Tiers-Monde e Syllepse, 2002, 262 p., 14 euros.
3 – Alternatives Sud, Vol IX, 2-3, “Raisons et déraisons de la dette. Le point de vue du Sud”, Louvain-la-Neuve e Paris, Centre Tricontinental e L’Harmattan, 2002, 270 p., 13 euros.
4 – Diana Hochraich, Mondialisation contre développement. Le cas des pays asiatiques, Préface de Robert Boyer, Syll