A Europa Oriental desiludida
A adesão dos países do Leste à União Européia não trouxe desenvolvimento ou mesmo os prometidos investimentosCatherine Samary
A Lituânia e a Hungria foram os dois primeiros países a ratificar o tratado instituindo uma Constituição Européia, no fim de 2004. Mas recorreram aos Parlamentos e não ao sufrágio universal – e assim foi na quase totalidade dos outros novos Estados membros da União Européia1. Só a Polônia previu um referendo, que aliás está suscitando tamanhos temores que foi adiado para junho de 2006…
No entanto, em 2003, no conjunto desses países, as populações foram chamadas a ratificar diretamente a adesão à União: de 65% a 93% dos votantes disseram sim, mas a abstenção alcançou cerca de 50%2. Sem dúvida, essa votação se explica pela idéia de que o pior era ficar de fora da União, combinada com a esperança de deixar de ser um vasto mercado periférico para adquirir o estatuto político de Estado-membro. Este estatuto estava, além disso, associado à possibilidade de obter um direito de voto não proporcional ao peso econômico dos países3 – donde a expectativa de uma política voluntarista de redução das desigualdades entre Estados-membros.
Depois da adesão da Grécia (1981), e em seguida da Espanha e de Portugal (1986), a União, no momento da constituição do “grande mercado” previsto pelo Ato Único de 1986, tinha levado em conta o fato de que a concorrência entre desiguais aumenta as diferenças. As “verbas estruturais”, como se sabe, referem-se às regiões confrontadas com problemas de reestruturação e cuja renda per capita é 25% inferior à média. O montante dos recursos do orçamento comunitário que lhes foi alocado dobrou entre 1987 e 1992, passando de 7,2 para 14,2 bilhões de écus4 – “um total próximo ao do Plano Marshall5“. Esse montante aumentou de novo, em 50%, em 1993. Em 1992 a União tinha acrescentado uma “verba de coesão”, destinada aos Estados cuja renda nacional por habitante fosse inferior a 90% da média européia – os três do sul da Europa6 e a Irlanda, ditos “países de coesão”. Embora o orçamento comunitário tenha tido como teto 1,24% do Produto Nacional Bruto (PNB) da União Européia para o período 2000-2006 (comparar com um orçamento federal da ordem de 20 % para os Estados Unidos) e apesar de um balanço global discutível, ao menos era uma subvenção pública, significativa para as regiões mais pobres?
Recursos minguados
Os Estados contribuintes para o orçamento da União apostam em um grande mercado baseado na concorrência, sem amortecedor orçamentário
Ora, os novos membros são todos elegíveis para tais fundos comunitários e poderiam esperar então que isso seria um “direito” a incorporar. Mas o orçamento 2007-2013l, período da integração da Romênia e da Bulgária, ainda mais pobres, não deverá ultrapassar 1% do PNB da União. Para repartir um bolo menor entre mais beneficiários, várias opções estão sendo consideradas: toma-se do sul para dar ao leste (na adesão, um camponês polonês recebe 25% dos recursos destinados a um camponês francês); e em 2013, todo mundo será nivelado… pela redução das ajudas.
Por quê? Porque os Estados contribuintes de fato para o orçamento da União – notadamente a Alemanha e a França – apostam agora em um grande mercado baseado na concorrência, sem amortecedor orçamentário. Enquanto que para atenuar os choques sociais de sua unificação a Alemanha pagou a seus novos Länder7 cerca de 100 bilhões de dólares por ano durante mais de uma década, a União não está disposta a adotar tal lógica para integrar os outros países da Europa Oriental.
Não são apenas escolhas orçamentárias. A Constituição veta ter como princípio a harmonização social por cima, munida dos recursos públicos adequados. Ao contrário, petrifica a regra de um grande mercado baseado na “livre” concorrência entre desiguais, que não deve “usar mal” o auxílio público. Esta é a exceção enumerada previamente, sendo objeto das “dispensas previstas pela Constituição” (artigo III-167).
A exceção alemã
Os valores destinados aos novos membros são muito inferiores aos que os Länder da ex-Alemanha Oriental recebem por ano desde 1989
Ora, as subvenções da Alemanha em favor de seus novos Länder estão em contradição flagrante e maciça com esta regra. A exceção alemã deveria constar, então, da Constituição! E quem é que sabe disso? Assim, o ponto 2c do artigo citado reconhece como “compatíveis com o mercado interno (…) os auxílios concedidos à economia de certas regiões da República Federal afetadas pela divisão da Alemanha”. O artigo determina seu aspecto provisório… mas durável: “Cinco anos depois da entrada em vigor do tratado, (…) o Conselho, por proposta da Comissão pode [e não “deve”] adotar uma decisão européia que revogue o ponto presente”.
É, sem dúvida, uma exceção. Nenhum país da Europa Oriental beneficia-se de um tratamento assim. Aliás, os montantes líquidos alocados para o conjunto de novos membros para 2004-2006 – da ordem de 25 bilhões de euros – são muito inferiores aos que os Länder vindos da ex-República Democrática Alemã recebem por ano desde 1989. De fato, “podem ser compatíveis com o mercado interno os auxílios destinados a favorecer o desenvolvimento de regiões nas quais o nível de vida é anormalmente baixo”; mas não existe aí nenhuma obrigação, nenhum critério preciso. E o artigo III-168 dá à Comissão o poder de considerar que um auxílio alocado por um Estado “não é compatível com o mercado interno”.
Na realidade, as principais fontes de financiamento com que se conta vêm do setor privado: a questão é atrair os investimentos diretos estrangeiros (IDE). Como as privatizações mais atraentes já foram feitas, o argumento principal atém-se aos baixos custos salariais e à competição beneficiada pela redução dos impostos sobre as empresas8. Paralelamente, as taxas de TVA9 devem ajustar-se às diretrizes européias, portanto, elevar-se para os produtos antes subvencionados pelo Estado (mesmo se houver algumas isenções), ainda mais que é preciso compensar em parte a perda de recursos fiscais das empresas… As populações vêem-se assim presas em um torniquete: sofrem por um lado uma carga fiscal mais pesada; e por outro, beneficiam-se cada vez menos de auxílios sociais, cortados para fazer face a critérios relacionados com os déficits orçamentários.
Resultados pífios
Houve aumento do desemprego, da precariedade e das desigualdades regionais e sociais, que atingem especialmente as mulheres
No entanto, a adesão à União foi apresentada como um sucesso. Depois de uma queda geral da produção, de 13% a 50%, o crescimento foi retomado, primeiro na Polônia já em 1993 e depois, na metade dos anos 1990, na Europa Central. Falou-se de “destruição criadora” e depois de “recuperação” quando a taxa de crescimento da região, nos últimos anos, ultrapassou a dos Quinze. O fato é que vários países continuam ainda abaixo do seu nível de produção de 1989. Mas, acima de tudo, o Produto Interno Bruto (PIB), com o qual se mede a dita “recuperação”, nada diz sobre os recursos para o crescimento nem o modo como eles são distribuídos.
Ora, os números camuflam a elevação das tarifas de eletricidade, dos aluguéis, dos transportes, a privatização dos serviços públicos antes gratuitos e amplamente associados ao emprego nas grandes empresas, o aumento dos preços agrícolas, os mais altos dentro da Política Agrícola Comum (PAC) – e o conjunto afeta os orçamentos das populações empobrecidas. O crescimento é carregado pelo desenvolvimento de pequenas empresas privadas muitas vezes precárias e pelo afluxo de IDE na véspera da integração à União, concentrando-se nas capitais ou nas zonas fronteiriças. Isto não compensa, do ponto de vista da criação de empregos, o desmantelamento das grandes empresas. Ocorre então o aumento do desemprego (quase 20% na Polônia), da precariedade e das desigualdades regionais e sociais que atingem especialmente as mulheres. Daí a prostituição, o trabalho clandestino e a volta aos lotes de terra à guisa de “seguridade social”: nota-se o aumento quase geral da população ativa recenseada como agrícola!
Abstenção e desilusão
As eleições de junho de 2004 resultaram na ascensão de partidos mais reservados ou até hostis à União Européia
Atrás dos grandes discursos, a generosidade e a justiça social não estão, portanto, na ordem do dia. Foi preciso encontrar um “grande gesto”… gratuito, para marcar o que foi chamado abusivamente de “reunificação do continente”: foi permitido às populações dos novos Estados-membros participar das eleições européias de junho de 2004. Com tal amplitude, essas eleições provocaram a derrota de quase todos os partidos no poder e a ascensão dos partidos mais reservados, até mesmo hostis à União! Mesmo a promessa de retirada das tropas polonesas do Iraque, exigida por cerca 70% da população, não abrandou a reprovação popular de uma política com que o patronato francês sonharia. Mas o grande vencedor dessas eleições foi a abstenção – com uma participação média de 30% nos países da Europa Central e Oriental! Não foi o caso no Chipre (71,2%) e em Malta (82%). O que pesa nesta abstenção são as modalidades de destruição do antigo sistema que se diz socialista10 , ligadas aos critérios de adesão à União Européia.
Depois desse escrutínio destinado a concluir as “transições democráticas” na Europa Oriental, vários primeiros-ministros (da Polônia, da República Checa, da Hungria) “foram constrangidos a se demitir no espaço de algumas semanas(…) em vez de serem tratados como heróis”, sublinha Jacques Rupnik11. Estaríamos assistindo, como ele sugere, a um “desencanto prematuro em relação à União Européia e às forças políticas com ela identificadas”?
(Trad.: Betty Almeida)
1 – Polônia, Eslovênia, Eslováquia, República Tcheca, Letônia e Estônia, bem como Chipre e Malta.
2 – Ler “Fractures et espoirs de la nouvelle Europe”, Le Monde diplomatique, novembro de 2003.
3 – É o tamanho do país – e não seu PIB – que determina seu peso nas votações, com uma super-representação dos mais fracos.
4 – Antes de ser instituído o euro, a moeda européia sugerida era o écu (N.T.).
5 – Alain Buzelay, Intégration et désintégration européenne, Economica, Paris, 1996. Posto em prática pelos Estados Unidos depois da segunda guerra mundial, em 1947, o plano Marshall trouxe cerca de 13 bilhões de dólares de ajuda aos países da Europa Oriental, mas as “democracias populares” do Leste recusaram o benefício.
6 – Portugal, Espanha e Itália (N.T.).
7 – Nacionais – em alemão no original (N.T.).
8 – O imposto sobre as empresas baixou vários pontos este ano na maior parte dos países. Ler Revue Elargissement n° 66, 7 de junho de 2004, que pode ser consulta