A Europa sem indústrias
A crise da Airbus desfaz o mito segundo o qual o continente vive uma “especialização industrial” virtuosa. Por trás deste eufemismo, está em curso a perda de capacidade produtivaFrançois Ruffin
No último dia 4 de abril, em cima da foto, intitulada “Mobilização mais fraca”, da fábrica da EADS em Méaulte, o jornal Le Courrier picard anunciava em letras garrafais: “Goodyear-Dunlop, 500 empregos ameaçados.” Em uma década, a região da Somme viu partir seu braço têxtil (Tissages de Picardie), as fábricas de produtos lavadoras (Whirlpool), papel (Abélia), aparelhos eletrônicos (Honeywell), plástico (Curver), iogurtes (Yoplait), serralheria (Laperche) e até mesmo de salgadinhos (Flodor). “Desde 2001 a França extingüiu quase meio milhão de postos de trabalho na indústria” [1], relatou a France Presse.
Segundo a consultoria McKinsey, “cerca de 20% dos empregos na indústria estão fortemente ameaçados” [2]. “Não façam filhos!” aconselha um antigo operário da Flodor. E um aposentado da ECCE (confecção de luxo sub-contratante da LVMH), completou: “Chegamos a nos perguntar se fizemos bem de trazê-los ao mundo”.
Com o programa “de reestruturação” Power 8, adotado pela Airbus, uma fronteira foi ultrapassada. Até então, sempre se repetia que algumas empresas sofriam deslocalização no setor de eletrodomésticos, outras fechavam suas portas no setor de vestuário, algumas, de tecnologia, “reposicionavam-se” no mercado (Alcatel-Lucent, ST Microelectronics) etc. Hoje, a onda chega à Airbus. Os velhos relatórios sobre a suposta “especialização” convidavam a “antecipar as mudanças”, a “tomar a dianteira nos setores de ponta”, a “privilegiar os investimentos imateriais”, e sempre citavam como exemplo a “aeronáutica”, as “vantagens comparativas da aeronáutica”, “a especialização da economia francesa na aeronáutica” [3]. Mesmo diante do crescimento do mercado — segundo a Airbus Market Outlook, o “tráfego mundial de passageiros deve triplicar entre 2004 e 2023 [4]”, torna-se necessário, urgente e indispensável demitir 10 mil operários e transferir 50% da fabricação dos aviões A350 para “países de baixo custo”. E por que não 80% ou 100%? Com a Airbus, “setor de excelência”, “indústria de soberania”, supera-se o último obstáculo: a aceitação não conhece mais limite.
O que propõe o governo contra esta lógica? Ou melhor, os governos? – já que, como descreve o relatório Michot, “em uma economia aberta ao mundo, essa estratégia ultrapassa a esfera nacional e se inscreve na esfera européia” [5]. O que os governos prevêem contra as deslocalizações em série? Contra os fundos de investimentos que, dada a nuvem de “gafanhotos capitalistas”, se atiram às pequenas e médias empresas mais inovadoras? Nada. De um tratado a outro, Bruxelas reforça seu credo: “concorrência livre e não falseada”, “livre circulação de bens e de capitais, inclusive com terceiros países” etc. O site do ministério da Indústria da França sustenta que “o termo ?política industrial’ foi banido do debate europeu”. Que abismo entre a “vontade política” de ontem e o abandono de uma “política industrial”, até a proibição de pronunciar tais palavras…
Tradução: Sílvia Pedrosa
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François Ruffin é jornalista.