A experiência dos sindicatos investidores
No Quebec, fundos de pensão organizados e dirigidos por federações e sindicatos dos trabalhadores se tornaram a principal instituição de capital de desenvolvimento da província. Poderia este modelo ser uma forma de “domesticação” da globalização financeira?Corinne Gendron
Em seu recente relatório sobre a execução das Grandes Orientações de Política Econômica (Gope), a Comissão Européia convida enfaticamente os vários Estados membros da União, entre os quais a França, a “reformar” seus sistemas de previdência. 1 Em outras palavras, a disponibilizar fundos de pensão, ou seja, sistemas de capitalização individual ou coletiva para complementar (e talvez um dia substituir…) os regimes de repartição fundamentados na solidariedade intergeracional.
O Quebec dispõe também de um regime de previdência mista: uma cobertura pública obrigatória e uma cobertura complementar privada de contribuição voluntária, administrada principalmente por meio de uma série de instituições financeiras de vocação coletiva. Desde sua criação, em 1965, a Caixa de Depósito e Emprego do Quebec, responsável pela cobertura pública, teve a ela confiada uma dupla missão: gerenciar os fundos da Administração de Rendas do Quebec de uma maneira prudente e favorecer o desenvolvimento econômico da província investindo em suas empresas geradoras de emprego.
Os sindicatos em socorro das empresas
Compradas pelos trabalhadores em vias de autogestão, várias empresas faliram, deixando os operários ao mesmo tempo sem trabalho e sem poupança
Com outras instituições criadas na mesma época, a Caixa de Depósito foi o pilar de um modelo de desenvolvimento próprio da província. Este modelo foi aos poucos se distinguindo dos capitalismos norte-americano e canadense pela imbricação particular de suas instituições econômicas, políticas e sociais.
No ápice da crise econômica dos anos 80, o Quebec tinha uma taxa de desemprego de 15,5% e sofria uma perda anual líquida de 15 mil empregos. Este novo dado econômico incitou os sindicatos a se empenharem diretamente na sobrevivência das empresas ameaçadas a fim de salvaguardar os empregos.
Algumas de suas iniciativas tiveram como resultado, no entanto, fracassos dolorosos que trouxeram à tona o perigo dos investimentos diretos e a importância da mutualização dos riscos: compradas pelos trabalhadores em vias de autogestão, várias empresas faliram, deixando os operários ao mesmo tempo sem trabalho e sem poupança.
O surgimento de um novo modelo
A Federação dos Trabalhadores do Quebec lançou, em meados dos anos 80, um fundo de desenvolvimento alimentado pelas contribuições voluntárias dos trabalhadores
Abalado por esta crise, o modelo de regime de previdência do Quebec conheceu uma verdadeira renovação – em razão, principalmente, da emergência de uma segunda geração de instrumentos coletivos, dos quais os fundos de desenvolvimento sindicais são um exemplo. Eles nasceram da iniciativa da mais importante central sindical, a Federação dos Trabalhadores do Quebec (FTQ), que lançou, em meados dos anos 80, um fundo de desenvolvimento alimentado pelas contribuições voluntárias dos trabalhadores, nos limites de um regime complementar de aposentadoria privada.
O sucesso desta iniciativa se explica pela força de um movimento sindical dominado pela FTQ, de tradição norte-americana, e pela Confederação dos Sindicatos Nacionais (CSN) 2.
Inspirada pelos Fundos Salariais de Investimento da Suécia (LO) e pelos ESOP (Employee Stock Ownership Plans) dos Estados Unidos, a FTQ elaborou um projeto de fundos sindicais que se inscrevia na nova estratégia de desenvolvimento do governo do Quebec. Canalizando, em direção a projetos de desenvolvimento concretos, a poupança voluntária dos assalariados recolhida no âmbito de regimes complementares de previdência, os Fundos de Solidariedade dos Trabalhadores do Quebec (FSTQ) propunha uma solução à gritante necessidade de capital de risco da qual sofria a província, consolidando ainda a situação financeira de certas empresas em situação precária.
O capital do desenvolvimento
O FTQ investe atualmente em 1.600 empresas e sustenta cerca de 91 mil empregos diretos e indiretos
Os governos provincial e federal acompanharam essa forma de operar adotando medidas fiscais vantajosas em contrapartida de uma missão social inscrita nos estatutos do Fundo: criar e manter empregos no Quebec.
É assim que o Fundo deve investir em média 60% de seus ativos nas empresas do Quebec. Seus ativos, que mal ultrapassavam 100 milhões de dólares canadenses nos primeiros anos que se seguiram à sua criação, atingiram o bilhão no meio dos anos 90, e chegam agora a 3,856 bilhões de dólares canadenses (ou cerca de 2,7 bilhões de euros) graças às contribuições voluntárias de 426 mil acionários.
Instrumento financeiro marginal durante os anos 80, o Fundo de Solidariedade da FTQ se tornou assim a principal instituição de capital de desenvolvimento do Quebec. Nesta qualidade, ele não se contenta mais em sustentar os setores econômicos tradicionais em diminuição de ritmo, mas se atém também ao desenvolvimento de empresas de forte caráter tecnológico, numa perspectiva de criação de empregos a médio e longo prazo. Ele investe atualmente em 1.600 empresas e sustenta cerca de 91 mil empregos diretos e indiretos.
A “indústria” de fundos
Oferecendo as mesmas vantagens fiscais existentes no Quebec, a legislação de Ontário fez nascer uma verdadeira indústria de fundos “locadores de sindicatos”
Em parceria com outras instituições financeiras, o Fundo investe também em 17 fundos regionais voltados para projetos de desenvolvimento local. Além disso, foi organizada, no início dos anos 90, uma rede inédita de microfinanças: 86 Sociedades Locais de Investimento em Desenvolvimento do Emprego (Solides) investem, em projetos locais e em parceria com o meio, somas que vão de 5 mil a 50 mil dólares canadenses (de 3.592 a 35.917 euros).
Inspirada pelo sucesso do Fundo, mas incapaz de reunir os atores em torno de um fundo único, a província de Ontário adotou uma “lei guarda-chuva” permitindo que todo sindicato implante seu próprio fundo.
Oferecendo as mesmas vantagens fiscais existentes no Quebec, essa legislação fez nascer uma verdadeira indústria de fundos “locadores de sindicatos” (Rent-a-union funds) cuja filiação a uma central parece freqüentemente mais acessória. Em reação, cinco fundos canadenses, agrupados em aliança, fixaram os critérios de um “verdadeiro” fundo de trabalhadores, a saber: uma organização e uma direção sob controle sindical; uma missão que comporte objetivos econômicos e sociais; a participação do maior número possível de assalariados e a cooperação entre os sindicatos e o patronato.
A inovação dos “verdadeiros” fundos
Os fundos de trabalhadores constituem uma forma particular de investimento, a meio caminho entre os títulos “éticos” e as instituições de financiamento alternativo
Um outro “verdadeiro” fundo é incontestavelmente o da CSN, o Fondaction, criado em 1995, ainda que a Central tenha feito o pedido de abertura em meados dos anos 80. Mesmo que muito modesto em relação a seu predecessor, o Fondaction, que tomou a maioria das características do Fundo de Solidariedade 3, disporá brevemente de algo como 175 milhões de dólares canadenses (126 milhões de Euros) de ativos e já conta com mais de 30 mil acionários.
Os “verdadeiros” fundos de trabalhadores já se impõem como inovações notáveis em relação às instituições financeiras tradicionais e vão na contracorrente das tendências dos mercados financeiros, exarcebados pelo crescimento do poder dos investidores institucionais. Eles constituem uma forma particular de investimento dito “responsável”, a meio caminho entre os títulos “éticos” e as instituições de financiamento alternativo (community investment) 4.
Concebidos para investir nas pequenas e médias empresas do Quebec, eles ancoram o Tesouro no território, ressuscitando o círculo virtuoso de uma poupança dedicada ao investimento real.
Nova orientação para investimentos
Antes de investir, os fundos de trabalhadores do Quebec fazem uma avaliação social da empresa, além da avaliação financeira tradicional
Graças a uma autorização especial da Comissão de Valores Mobiliários do Quebec, encarregada da regulamentação dos títulos da bolsa e de corretagem, esta poupança é recolhida diretamente nos locais de trabalho por meio de uma rede de representantes voluntários e não mais pelo intermédio de corretores tradicionais.
Na escolha de seus investimentos, o Fundo de Solidariedade desenvolveu uma estratégia setorial, em vez de proceder passo a passo; ele contribuiu para a consolidação de certos setores de atividade e favoreceu a orquestração entre atores de um mesmo setor. É assim que o fundo especializado Biocapital, do Fundo de Solidariedade, favoreceu o desenvolvimento de uma nova expertise em biotecnologias, setor que emprega cerca de 15 mil assalariados no Quebec.
A relação com as empresas também difere muito dos métodos tradicionais. Antes de investir, os fundos de trabalhadores do Quebec fazem uma avaliação social da empresa, além da avaliação financeira tradicional. O balanço social, onde são principalmente analisadas as relações de trabalho, permite a eles introduzir ou sugerir modalidades de gestão mais participativas. Uma de suas missões é favorecer a formação dos trabalhadores no campo da economia. Eles a colocam em funcionamento a partir dos quadros financeiros de sua própria empresa. Esta operação permite que os trabalhadores compreendam melhor as questões que a direção deve enfrentar e lhes fornece uma base de conhecimento para participar das decisões de gestão. Os fundos tampouco têm qualquer ingerência nas relações de trabalho e na sindicalização, deixando esta dimensão às centrais sindicais (que não têm acesso aos dados confidenciais que eles detêm na qualidade de acionários).
“Domesticação” da globalização financeira
Alguns se perguntam sobre o impacto da incursão dos sindicatos no mundo financeiro, que conduz um movimento social a exercer funções empresariais
Se constituem doravante a primeira fonte de capital de risco do Quebec, os fundos de trabalhadores permanecem com papel muito pequeno na escala dos mercados financeiros: o total dos ativos que eles detêm representa quando muito 1% do total dos ativos nas mãos dos fundos mutuais no Canadá, ou seja, cerca de 0,2% da capitalização. Por outro lado, em seu seio, a coabitação de uma lógica financeira e de uma lógica sindical pode ser fonte de tensões. É significativo que a sindicalização não figure entre seus critérios de investimento! Alguns se perguntam então sobre o impacto da incursão dos sindicatos no mundo financeiro, que conduz um movimento social a exercer funções empresariais.
A necessidade de oferecer uma taxa de rentabilidade “competitiva” – à qual o fundo de trabalhadores está tão sujeito quanto qualquer outra instituição financeira – demanda de fato uma vigilância de todos os instantes, da qual o controle sindical é uma condição necessária, mas não suficiente. É preciso lembrar ainda que estes fundos se inserem numa rede de instituições públicas e cooperativas específicas do Quebec, o que explica largamente o seu sucesso.
Sem constituir uma panacéia diante do movimento generalizado de financeirização – atrelados a iniciativas macro-econômicas, assim como ao movimento do investimento responsável – eles podem, não obstante, contribuir para uma certa domesticação da globalização financeira. O exame de seu impacto e de suas limitações deveria ser útil às centrais francesas (CGT, CFDT, e CGC), reunidas no Comitê Intersindical da Poupança Salarial, que aplicarão um rótulo sindical aos fundos de poupança salarial – criados pela lei Fabius de 19 de fevereiro de 2001 e gerenciados não diretamente pelos interessados, mas pelos estabelecimentos financeiros clássicos. (Trad.: Fábio de Castro)
1Relatório sobre a aplicação das grandes orientações de política econômica para 2000, COM (2001) 105 final, 7 de março de 2001.
2Com uma taxa de sindicalização de 40%, a província se situa acima da média canadense (menos de 35%), norte-americana (15%) e mais ainda da francesa (menos de 10%), sem todavia se comparar à sueca (90%).
3O Fondaction comporta também certas especificidades, já que seus estatutos prevêem que uma atenção especial deve ser dedicada a três categorias de empresas na escolha de seus investimentos: as empresas de economia social, as de gestão participativa e as que se dedicam ao desenvolvimento sustentável.
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