A falsa testemunha do caso Rosemberg
The Brother, de Sam Roberts, além de uma biografia rica em análises críticas, remonta o cenário do início da Guerra Fria e da caça às bruxas nos Estados UnidosShofield Coryell
Uma biografia como as que gostamos, cheia de análises críticas e anedotas pertinentes, escrita tanto com paixão quanto com exatidão. The Brotheri[i] é a história triste – e sob muitos aspectos, trágica – de David Greenglass, irmão de uma das duas principais vítimas do caso Rosemberg: Ethel, esposa de Julius e morta ao seu lado, na cadeira elétrica, há precisamente cinqüenta anos, sob acusação nunca comprovada de ter “dado o segredo da bomba atômica à União Soviética”.
Essa obra notável conta a vida e as experiências de um homem bastante comum, acima de tudo, que havia trabalhado como mecânico no grande projeto de fabricação da primeira bomba atômica nas oficinas de Los Alamos, no estado do Novo México. Como o autor não deixa de notar, essa “superbomba” havia, então, posto nas mãos do poder americano o supremo poder militar, que dominaria, a partir daí, a política internacional. O mérito de Roberts é demonstrar, com clareza e através de inúmeros exemplos concretos, como esse pequeno David Greenglass (“bebê da família”) pôde cair na máquina dos perigos reais e das mistificações que marcaram os Estados Unidos da época: o início da Guerra Fria e, com ela, a caça às bruxas.
Caça às bruxas
É longa a lista das vítimas dessas perseguições exercidas pelo poder “democrata” ou “republicano”
É esse, precisamente, o ponto nevrálgico: David, ainda que na juventude tenha querido ser comunista convicto, não teve estofo para resistir, com coragem e eficiência, às pressões e às repetidas ameaças do poder americano em relação a críticas ou dissidências. Na verdade, é longa a lista das vítimas dessas perseguições exercidas pelo poder “democrata” ou “republicano”: por exemplo, os milhares de professores, freqüentemente os melhores, que foram empurrados para o desemprego por terem atitude considerada não conformista, ou os vários sindicalistas, os mais dedicados, postos de lado por serem considerados “demasiado radicais”.
Em Los Alamos, onde trabalhava como mecânico competente e inteligente, sempre com uniforme militar, David não tinha nenhum acesso aos segredos científicos da fabricação dessa primeira bomba atômica. Era a época em que as ameaças da polícia federal eram “justificadas” pela busca de “inimigos” suscetíveis de fornecer “declarações” e “confissões”, necessárias à administração pós-Roosevelt para desenvolver um clima de histeria anti-soviética e “antivermelhos”. Nesse contexto político e psicológico devastador, Greenglass logo passou a jogar o jogo do poder e não hesitou em mentir, ao lançar à vendeta governamental sua própria irmã e seu cunhado, os Rosemberg. Esses comunistas convictos foram martirizados na cadeira elétrica em 19 de junho de 1955. Pena capital por terem recusado, heroicamente, a curvarem-se diante das exigências políticas do poder.
Um homem comum, uma situação fora do comum
O autor utiliza uma variedade e uma quantidade impressionantes de fontes, mas, sobretudo, as cinqüenta horas de conversa ininterrupta com Greenglass
Nem Greenglass, nem os Rosemberg, estavam à altura de desempenhar o papel de espião. Greenglass só poderia roubar um pouco de urânio e desenhar alguns croquis infantis da “bomba”, assim como, por exemplo, Klaus Fuchs, físico e refugiado antinazista alemão, que transmitiu à União Soviética, nas barbas do FBI, informações vitais que talvez pudessem servir àquela para construir sua própria bomba alguns anos antes do previsto.
Para desenvolver sua narrativa, a biografia de um homem comum em uma situação fora do comum, o autor utiliza uma variedade e uma quantidade impressionantes de fontes, mas, sobretudo, as cinqüenta horas de conversa ininterrupta com Greenglass, que vive incógnito depois de conseguir a liberdade ao cabo de uma dezena de anos atrás das grades.
Ao lodo desse testemunho primordial – foi, realmente, uma ação memorável ter podido reencontrar Greenglass sob suas múltiplas camuflagens -, Roberts consultou um grande número de cartas pessoais dos atores desse drama, bem como documentos, recentemente tornados acessíveis, sobre as trocas entre os serviços secretos de Moscou e seus agentes nos Estados Unidos.
A marca do anti-semitismo
Entre a coragem irrepreensível dos Rosemberg e a covardia desse pobre Greenglass, o fosso é enorme
Suas conclusões são complexas, porém convincentes: ainda que os Rosemberg tivessem, com certeza, desejado contribuir para a derrota do nazismo e para a paz do mundo por meio da transmissão de informações vitais ao aliado soviético, não teriam conseguido pôr as mãos em qualquer dado atômico de importância relevante. E o informante principal, David Greenglass, então em serviço em Los Alamos, não tinha o segredo dos deuses do átomo. Ora, contra Ethel, a única “prova” era o testemunho de David (negado publicamente cinqüenta anos mais tarde) de que ela teria datilografado algumas informações trazidas por ele mesmo.
Além disso, Roberts explica bem como a administração americana, com a finalidade de refutar as acusações de anti-semitismo, recorreu ao argumento de que o caso Rosemberg não era uma “questão judaica”, já que os judeus eram predominantes dos dois lados dos conflitos jurídicos e políticos. Contudo, Roberts não deixa de mostrar que o caminho e a orientação dos protagonistas do drama foram marcados de forma decisiva por experiências de anti-semitismo.
Entre a coragem irrepreensível dos Rosemberg e a covardia desse pobre Greenglass, o fosso é enorme. Ao recusarem-se à submissão, foram os Rosemberg que, afinal, ganharam diante da opinião pública mundial. Uma vitória amarga, porém real, pois o caso conseguiu dramatizar e clarear a n