A falta de empatia do presidente
Mais chocante do que a expressão “e daí?”, talvez tenha sido a expressão que se seguiu quando o presidente Bolsonaro soube que estava sendo gravado ao reagir quando indagado sobre o número de mortos no Brasil por coronavírus: “não vão botar no meu colo uma conta que não é minha”
De acordo com Antônio Geraldo da Cunha, em seu tradicional Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, a palavra empatia significa “tendência para sentir o que se sentiria caso se estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por outra pessoa”. Palavra que pode ter surgido na língua portuguesa por meio de uma derivação de empathy do inglês, a partir de uma outra derivação da palavra grega empátheia.
A definição de empatia nos leva a uma reflexão sobre o seu significado. Na centralidade de seus sentidos, a empatia enseja uma ideia que nos remete à bondade, a uma construção interna da pessoa. Ou seja, é empático aquele que sente, mas não que propriamente faz. A realização da empatia é um processo interno do ser humano e não uma ação externa, concreta, que leve efetivamente a algo no mundo do ser. O ser humano empático coloca-se no lugar do outro, entende a alteridade e passa a sentir como se o outro fosse.
Nesse sentido, a empatia pode ser compreendida como uma capacidade humana, que se relaciona ao aperfeiçoamento da pessoa que se insere em sociedade. Isto é, se numa sociedade um seria capaz de sentir o que sentiria caso estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por outra pessoa, então haveria a possibilidade de uma posterior ação concreta, pautada nas consequências daquilo que se sentiu. Trata-se de um processo cognitivo e afetivo. Se o sentimento for, por exemplo, o de sofrimento, uma possibilidade de agir, a partir de sua percepção, surge; ou para aplacar e diminuir, ou simplesmente para lidar com o próprio sofrimento. Mas, se o sentimento for, num outro exemplo, de alegria, a empatia fará com que se possa gozar junto da própria alegria alheia, podendo, inclusive, causar alegria num processo de recepção daquele que foi empático.
Assim, a empatia é fundamental para a construção de uma sociedade onde a dignidade da pessoa humana se coloca como central, por meio de um agir em conjunto. A alteridade e o respeito se fazem possíveis a partir do processo empático, pois há um sentir em conjunto. Há um compartilhamento dos anseios, medos, desejos, sofrimentos, alegrias, problemas que fazem com que a própria existência da sociedade seja possível e suportável.
A falta de empatia, portanto, reduz a qualidade da convivência humana e conduz a própria sociedade à sua autofagia. A ausência de empatia leva ao excesso de individualismo, que toma conta das ações e degrada o espaço público do encontro humano. O agir não empático é o triunfo do desentendimento e da redução da qualidade da convivência humana.
Uma sociedade completamente alheia de empatia é insuportável de se viver, pois tende a ser destrutiva. A não compreensão do outro leva tanto ao processo de destruição alheia, quanto à própria corrosão subjetiva.
Deste modo, mais chocante do que a expressão “e daí?”, talvez tenha sido a expressão que se seguiu quando o presidente Bolsonaro soube que estava sendo gravado ao reagir quando indagado sobre o número de mortos no Brasil por coronavírus: “não vão botar no meu colo uma conta que não é minha”; “não adianta a imprensa querer colocar na minha conta essas questões que não cabe a mim” (sic). Quando Bolsonaro tentou consertar sua infeliz expressão “e daí”, ele conseguiu piorar mais ainda a sua mensagem. Bolsonaro escancarou a sua completa falta de empatia.
Brasileiros estão morrendo e suas famílias não estão conseguindo sequer ter o devido direito ao luto. Corpos estão sendo enterrados em valas comuns. Não há espaço físico nos cemitérios para o número crescente de mortes. Há pilhas de caixões e enterros sendo realizados durante a noite, sem velório.
Num dos mais tristes momentos da nossa atual tragédia, Bolsonaro conseguiu deixar claro que, com sua incapacidade de sentir o que sentiria cada brasileiro caso estivesse na situação e nas circunstâncias experimentadas por alguém que padeceu ou perdeu algum ente querido por causa do coronavírus, contra o qual o mundo luta, que a vida de brasileiros nada mais é do que um cálculo. Bolsonaro não falou de pessoas, mas sim de números, que ele deseja que sejam transferidos para o “colo de qualquer outro político”, seja governador ou prefeito, mas não para o dele.
Parece mais do que evidente que a única preocupação de Bolsonaro circunda a manutenção de sua popularidade, que ainda se sustenta por meio de uma narrativa delirante, repleta de inimigos imaginários, construída através de seu exército digital de mentiras e desinformação, alvo de inquéritos que o assombram.

Aliás, é curioso de se notar que quando Bolsonaro quer indicar alguém para algum cargo que seja de seu próprio interesse, ele não hesita em afirmar prontamente que é ele quem manda; é ele quem é o presidente e é ele quem tem a caneta que demite. Bolsonaro tem um fetiche por si mesmo e por sua potência de poder quando se trata de algum interesse político conveniente para si e para seu clã. Mas, quando está diante de algo que julga ser prejudicial para a sua popularidade, procura se afastar e transferir a responsabilidade.
Está claro que Bolsonaro não hesita em criar situações que tensionam a institucionalidade democrática brasileira. Não importa o que esteja em jogo, se é a democracia ou a vida de brasileiros. O mais alto mandatário da nação afirma não ter o que fazer quando o país é devastado por uma pandemia, que envolve, principalmente, a necessidade de resposta de todo o sistema público de saúde, pelo qual o governo federal é responsável.
Bolsonaro não consegue sair de si mesmo. Além da sua incapacidade de construir um país estável, unido no combate ao vírus, o que realmente lhe importa é ele, que não suporta a ideia de perder ou ter seu poder limitado.
Infelizmente, para o presidente da República somos todos números, que podem ser transferidos para o “colo de algum outro político”. A total falta de empatia de Bolsonaro escancarou o que somos hoje no Brasil: um mero cálculo político.
Guilherme Antonio Fernandes é doutor em Direito pela USP. Mestre em Integração da América Latina pela USP. Pesquisador membro do Gebrics-USP. Professor e advogado em São Paulo.