A França vista de dentro e de fora
Um ex-correspondente do Financial Times na e dois altos funcionários do governo francês lançam livros onde analisam a França e suas indiossincrasiasSylvie Braibant
Por toda parte tem-se um pouco a impressão de que alguns autores querem mal à França. Dois ensaios retomam as lendárias particularidades francesas que foram a causa de sua grandeza e decadência. O primeiro foi escrito por Andrew Jack, jornalista britânico do Financial Times, depois de ter passado quatro anos como correspondente em Paris. O outro é assinado por Joseph K., em referência a O Processo, de Kafka. O pseudônimo oculta dois altos funcionários do governo que querem preservar seu anonimato em nome do dever de discrição. As duas obras revelam um objetivo similar: localizar os defeitos franceses, examiná-los, analisá-los e resolvê-los, para destruir os anacronismos e pôr um fim ao declínio do país na cena internacional, e mesmo dentro de suas próprias fronteiras.
Centralismo e auto-suficiência
Andrew Jack, com um certo humor e bastante indulgência — provavelmente pelo distanciamento de ser britânico — e os Joseph K., polêmica e severamente — talvez devido à proximidade —, descrevem exemplos cabais das particularidades francesas mais excepcionais. Começando pelo centralismo irredutível, herança de vários séculos de história, e reproduzido nas elites via Escola Nacional de Administração, Escola Politécnica ou ainda Escola de Minas. O jornalista britânico refaz assim o percurso cheio de obstáculos daquilo que é um dos orgulhos franceses: o TGV (Trem de Grande Velocidade), obra emblemática do predomínio parisiense sobre o país. Fala também do atraso impressionante no desenvolvimento da Internet por causa dos engenheiros apegados ao “seu Minitel” [1] Enquanto isso, o outro livro aponta os fiascos do Concorde e da Superphénix.
Decisões apressadas e irrefletidas, tomadas por diplomatas paranóicos e obcecados pelo medo da perda de influência, também salpicam a política externa da França, em particular no que se refere às sua antigas colônias. Essas atitudes podem ter conseqüências dramáticas, como em Ruanda, ou ridículas, como o “empréstimo para construção de uma pista de patinação no gelo em um país do golfo da Guiné”. Essa sucessão de pequenos fatos não muito brilhantes seria divertida, porém pouco construtiva sem uma perspectiva histórica, bastante presente particularmente no livro dos funcionários do governo.
A história se resume, assim, na incapacidade dos franceses — cidadãos, funcionários, jornalistas, etc — de enfrentar aqueles que detêm a autoridade, sobretudo o Príncipe —Chefe de Estado: “A França ficou profundamente marcada pela decapitação de seu rei”, [2] assinalam os funcionários. A causa é um complexo levado ao extremo na era de Mitterand, observa o outro autor.
Democracia e humanismo
A originalidade desses dois pontos de vista é que, apesar de comparações muitas vezes sensatas, não colocam os comportamentos alemão ou anglo-saxão como exemplos a serem seguidos. É justamente para melhor combater a hegemonia americana que constróem suas constatações mais ou menos pessimistas. Então, o que fazer? Há urgência em reformar a administração, a justiça ou o equilíbrio dos poderes, em revolucionar as mentalidades, proclamam os autores franceses, se Paris quiser conservar sua imagem de modelo democrático ou humanista, colocando um ponto final em sua decadência. Apesar, mas ao mesmo tempo graças a suas particularidades, a França continua sendo uma grande potência, afirma o correspondente do Financial Times — e seriam necessáriás poucas iniciativas para superar seus arcaísmos.
Andrew Jack, Sur la France-vive la différence, Odile Jacob, Paris, 1999.
Joseph K. Desclée de Brouwer, Stratégie du déclin &mda