A grande batalha em torno dos transgênicos na África
Preocupadas com o desenvolvimento de transgênicos no mundo, diversas entidades acusam as grandes fabricantes de sementes de crime ecológico. Em abril de 2017, elas condenaram simbolicamente a Monsanto em um tribunal popular organizado em Haia. Na África, os enfrentamentos entre os pró e os anti-transgênicos acabou de começar…
Foi uma boa surpresa para Paul Badoun, produtor de algodão da região de Bobo-Dioulasso, em Burkina Faso: há pouco menos de um ano, um amigo lhe ensinou que não precisava mais cultivar o “maldito algodão Bt” que havia anos vinha sendo imposto pela empresa burkinense de fibras têxteis (Sofitex). “Bt” significa Bacillus thuringiensis, uma bactéria que resiste a certos insetos. Apertados em um banco nas alturas do vilarejo de Konkolekan, colado à estrada nacional que liga a capital, Uagadugu, a Bobo-Dioulasso, Badoun e seus amigos não têm palavras suficientemente duras para descrever esse algodão transgênico: muito caro, fez com que se endividassem; não alcançava o rendimento produtivo prometido pela Sofitex; deixava as mulheres que o colhiam doentes, e matava os animais que comiam suas folhas. O vilarejo, que vive essencialmente do algodão e da pecuária, foi pego pela lábia dos vendedores. Hoje, com o algodão transgênico – pelo menos até agora – desaparecido dos campos burkinenses, “tudo está melhor em Konkolekan”, comemora Badoun. “O algodão é mais encorpado e o gado está saudável. Não queremos mais OGMs [organismos geneticamente modificados]. Nunca mais!”
Sete anos após adotar o algodão Bt da Monsanto, as três empresas que dominam o setor têxtil em Burkina Faso – Sofitex, Empresa Algodoeira de Gourma (Socoma) e Faso Algodão – decidiram, em meados de 2016, acabar com esse produto cujo rendimento era decepcionante e a qualidade, medíocre. Sua parte na produção nacional passou, assim, de 70% a… nada. “Não temos nenhum arrependimento”, afirma Ali Compaoré, diretor da Socoma. “A colheita do campo 2016-2017, 100% convencional, foi muito boa”, completa. Os produtores burkinenses colheram 683 mil toneladas de algodão, contra 586 mil no ano anterior (+16%) – com metade das sementes ainda oriundas dos laboratórios da Monsanto e do Instituto do Meio Ambiente e Pesquisas Agrícolas de Burkina Faso (Inera). O rendimento médio passou de 885 quilos por hectare (kg/ha) para 922 kg/ha (+4%). “A qualidade da fibra é fortemente melhorada em termos de comprimento”, acrescenta a Associação Interprofissional do Algodão em Burkina (AICB), órgão que reúne o conjunto de atores do setor.1
Um a cada cinco habitantes de Burkina Faso vive diretamente do algodão, produto que contribui com mais de 4% do PIB. Destronado pelo ouro nos anos 2000, durante muito tempo o algodão foi o produto mais exportado desse pequeno país cravado no oeste africano. O setor conta com 350 mil produtores e cerca de 250 mil exploradores agrícolas, essencialmente pequenos e familiares. “O algodão se revelou uma ferramenta de luta contra a pobreza e capaz de melhorar as condições de existência das populações rurais”, dizia relatório do Ministério do Meio Ambiente em 2011.2 Os maus resultados de sua versão OGM, então, colocavam em risco um setor vital para a economia do país.3
A julgar pela história oficial, a experiência de Burkina Faso com o Bt foi muito bem-sucedida e mostrou um exemplo ao mundo inteiro: os rendimentos eram excepcionais, os camponeses gozavam de boa saúde, a produção aumentava… Apenas um ano após a primeira colheita desse algodão, em 2010, isso era o que estava escrito em um estudo realizado por pesquisadores cujos trabalhos são regularmente financiados pela Monsanto: “A experiência de Burkina Faso oferece um excelente exemplo de processos e procedimentos necessários para a introdução exitosa de produtos de biotecnologia”.4 Contudo, naquele mesmo ano, os indicadores já estavam no vermelho: “Desde os primeiros ensaios a respeito, os pesquisadores burkinenses perceberam que havia um problema”, revela um ator importante do setor que, obrigado a acordos de anonimato, não quis revelar o nome. “Mas dentro da Monsanto diziam para não nos preocuparmos, asseguravam que as sementes seriam melhoradas. Em 2010, diante das dificuldades, as empresas algodoeiras disseram à Monsanto: ‘Daremos três anos para vocês ajustarem o problema’. Mas nada mudou, fomos enganados.”
A fibra do algodão Bt é de menor qualidade e acumula contraperformances. Antes da introdução do transgênico, as fibras longas representavam 93% da produção burkinense, e as curtas, 0,44%. Em 2015, a proporção se inverteu: respectivamente 21% e 56%.5 Resultado: outrora bem reputado, o algodão burkinense perdeu prestígio. E, portanto, valor.
“Não tínhamos nada a perder”
Agora que as fibras se desfiam, as causas do fracasso são conhecidas: Monsanto e Inera negligenciaram as manipulações genéticas. “Normalmente, são necessários de seis a sete retrocruzamentos [ação de cruzar um elemento híbrido com um de seus parentes a fim de obter um resultado genético próximo ao parente]. Foram realizados apenas dois”, explica o geneticista Jean-Didier De Zongo, uma das figuras que lutam contra os OGMs em Burkina Faso. Nos laboratórios do Inera, não se esconde: “Havia urgência, o setor estava perdendo dinheiro, as pessoas queriam uma resposta rápida”, argumenta um laboratorista.
No início dos anos 1990, de fato, as lagartas invadiram os campos. A produção caiu, os camponeses estavam endividados, preferindo passar a outras culturas. “O setor estava abalado, não sabíamos mais o que fazer”, lembra François Traoré, que fundou a União dos Produtores de Algodão. “Foi aí que a Monsanto chegou com sua ‘solução milagrosa’: a tecnologia OGM.” “Não tínhamos nada a perder, era preciso agir rápido”, lembra Georges Yameogo, secretário-geral da AICB.
A gigante norte-americana fechou seu escritório em Bobo-Dioulasso em setembro de 2016 da mesma forma que o abriu em 2009: com total discrição. O fracasso em Burkina Faso é fortemente lamentável na medida em que a empresa havia transformado o país saheliano em seu cavalo de troia no continente africano. “Se a experiência for um sucesso” – lia-se em um estudo publicado pelo Inera e pela Monsanto em 2011 –, “abrirá caminhos para a introdução e desenvolvimento de outros OGMs na África. Burkina Faso demonstrará aos outros países que é possível cultivar transgênicos.”6 Mas, se a experiência em Burkina Faso esfriou alguns ânimos na sub-região, por outro lado não enterrou as ambições africanas dos promotores dos transgênicos. Muito pelo contrário.
Durante muito tempo, a África do Sul, que se lançou no tema desde 1997, foi o único país africano a acolher as culturas transgênicas. Hoje, 80% de seu milho, 85% de sua soja e cerca de 100% de seu algodão são geneticamente modificados. Foi preciso esperar até o fim dos anos 2000 para que outros países se lançassem na experiência. Em 2008, o Egito anunciou que produziria milho Bt. No mesmo ano, Burkina Faso, após vários anos de teste, indicou que cultivaria o algodão Bt. Em 2012, foi a vez de o Sudão seguir o passo com o algodão Bt made in China. Essas três experiências não convenceram: em 2017, apenas o Sudão, onde é muito difícil obter informação, mantém a produção.
Apesar de tudo, “o muro [das reticências] começa a rachar”, anima-se o International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications (Isaaa). Essa organização privada, criada para promover os OGMs no continente, considera que “uma nova onda de aceitação está aparecendo”.7 As leis de “biossegurança”, destinadas a regulamentar a produção e a comercialização, são adotadas em vários países. Muitos deles, porém, já autorizam testes em seus territórios, em ambientes confinados, depois em campos abertos. É o caso de Burkina Faso – apesar de sua experiência malsucedida com o algodão – com o milho e o feijão, do Egito com o trigo, de Camarões com o algodão, assim como Gana (algodão, arroz, feijão), Quênia (milho, algodão, mandioca, batata doce, sorgo), Malaui (algodão e feijão), Moçambique (trigo), Nigéria (mandioca, feijão, sorgo, arroz, milho), Uganda (milho, banana, mandioca, arroz, batata) e Tanzânia (trigo).
Dois países anglófonos estão à frente do movimento de promoção dos transgênicos. Antes de mais nada, o Quênia, motor econômico do leste da África, que acolhe as sedes de várias organizações pró-OGMs, como o Isaaa. É para Nairóbi que a Monsanto mudou sua sede africana, até então instalada em Johannesburgo, em janeiro de 2015. O governo poderia autorizar a qualquer momento a produção de algodão e milho Bt.
Segunda potência econômica do continente, atrás da África do Sul, a Nigéria também recebe favores dos promotores dos transgênicos. É o maior mercado potencial: em 2050, poderá se tornar o terceiro país mais populoso do mundo, com 400 milhões de habitantes. Em 2015, a Assembleia Nacional autorizou as primeiras experimentações, após um debate em que a experiência burkinense – cujo fracasso ainda era secreto – foi citada como exemplo. No outono [no Hemisfério Norte] de 2016, a Academia Nigeriana de Ciências (NAS) declarou os alimentos geneticamente modificados não perigosos para o consumo.
A “privatização da vida”, contudo, está longe de ser unanimidade nesses dois países. Em março de 2016, uma centena de organizações nigerianas, entre elas sindicatos de agricultores, movimentos estudantis e associações populares, escreveram aos poderes públicos para contestar os projetos da Monsanto. Responsável pelo Centro pela Democracia e Desenvolvimento e figura importante do movimento, Jibrin Ibrahim denunciou a estratégia da empresa sementeira norte-americana, que visa “subjugar todos os agricultores” e teria feito da Nigéria sua nova cabeça de ponte na África.8
No mesmo momento, cerca de trezentas organizações do oeste africano lançaram uma caravana que durante 2016 as conduziria de Burkina Faso ao Senegal, passando pelo Mali. “Nosso objetivo é sensibilizar os principais afetados, ou seja, os camponeses, mas também os poderes públicos, sobre os perigos dos OGMs tanto para a economia rural como para a biodiversidade”, explica Ousmane Tiendrébéogo. Essa coluna de lutas camponesas em Burkina Faso participou das audiências do Tribunal Internacional contra a Monsanto, organizadas em Haia por um coletivo de associações em outubro de 2016. Esse “processo cidadão” resultou na condenação simbólica da sementeira norte-americana.
Por todas as partes da África, a luta se organiza. Em Camarões, desde 2012, quando a Sodecoton (equivalente à Sofitex em Burkina Faso) anunciou sua intenção de produzir algodão Bt, um coletivo se constituiu e escolheu um nome que evidencia seus objetivos: Cuidado OGM. Um de seus membros, Bernard Njonga, denunciou o “segredo” e a “ausência de transparência” em torno do projeto da Sodecoton. “Nossa vontade é ficar de olho no processo, manter um observatório”, explica. “Não somos inflexivelmente contra transgênicos: simplesmente exigimos que todas as informações a respeito sejam públicas para que os cidadãos camaronenses possam decidir com todo conhecimento de causa. Mas nenhuma informação é dada. Jamais comunicam nada. Enquanto isso, no campo, a Sodecoton produz miragens aos agricultores: rendimentos superiores, menos tratamentos químicos…”
Os que se opõem aos OGMs devem enfrentar uma imponente máquina de guerra. Além da Monsanto, que destaca o potencial africano desde os anos 1990, a alemã Bayer (prestes a comprar a Monsanto), a norte-americana DuPont Pioneer e a suíça Syngenta (comprada pela chinesa ChemChina) apostam no continente. A África seria, segundo a expressão do Isaaa, a “última fronteira” a ser conquistada: 60% das terras aráveis inexploradas do planeta estão ali, e apenas 3% das superfícies cultiváveis são consagradas aos transgênicos (2,6 milhões de hectares, segundo o Isaaa, contra 70 milhões nos Estados Unidos).
Além da sede em Nairóbi, a Monsanto abriu escritórios na África do Sul, Malaui, Nigéria, Tanzânia e Zâmbia. O diretor regional da corporação, Gyanendra Shukla, nasceu na Índia, onde os OGMs já conquistaram o mercado do algodão. Na chegada a Nairóbi, em janeiro de 2015, ele constatou satisfeito o “enorme potencial” do continente. “A população africana passará de 1,1 bilhão hoje para 4 bilhões até 2100”, precisou. “E será necessário produzir muito alimento.” Lembrando que 95% das terras subsaarianas escapam da agricultura comercial, ele acrescentou que seu objetivo seria trabalhar, como na Índia, seu país de origem, “com os pequenos agricultores”.9
Estruturas piramidais
A Bayer exibe a mesma ambição, apesar de sua presença no continente ser mais recente – mas não menos espetacular. A empresa alemã já tinha um escritório no Quênia e na África do Sul. Agora, ganha o oeste e o centro da África, com uma nova sucursal regional, a Bayer West and Central Africa (BWCA), que instalou sede na Costa do Marfim e abriu escritórios em Gana, Nigéria, Camarões, Senegal e Mali.
No primeiro momento da conquista, as sementeiras se dirigiram aos regimes “fortes” do continente, pouco suscetíveis a ceder à pressão dos cidadãos: o Egito de Hosni Mubarak, o Sudão de Omar al-Bachir, a Uganda de Yoweri Museveni e o Burkina Faso de Blaise Compaoré (derrubado em outubro de 2014). Da mesma forma, souberam tirar partido da fragilidade da África do Sul, que saía do apartheid quando cedeu ao canto de sereia dos transgênicos.
As gigantes de tecnologias OGM igualmente se apoiaram em estruturas piramidais, nas quais o camponês não tem voz e se contenta em aceitar as sementes e os insumos que as empresas lhe impõem. Como em Camarões, onde os que cultivam algodão às vezes são comparados a servos totalmente dependentes de empresas algodoeiras.
Para vencer as reticências, a indústria de sementes usa dois objetivos aparentemente inatacáveis: o combate à fome em um contexto de forte crescimento demográfico e a diminuição do uso de pesticidas e inseticidas, uma epidemia no continente. Mas, lembra Jean-Paul Sikeli, secretário executivo da Coalizão pela Proteção do Patrimônio Genético Africano (Copagen), “os OGMs não estão desenvolvidos a ponto de lutar contra a insegurança alimentar no mundo. Estão, antes, a serviço dos interesses mercantis das grandes empresas de biotecnologia agrícola”. De fato, a maior parte dos OGMs cultivados na África (algodão e soja, sobretudo) não se destina a alimentar a população. Quanto à substituição de produtos químicos, o Centro de Cooperação Internacional de Pesquisa Agronômica pelo Desenvolvimento (Cirad) lembra que existem outras soluções além de recorrer a produtos transgênicos, como atestam as experiências realizadas no Togo.
A fim de ganhar “corações e mentes”, as sementeiras suscitaram uma galáxia de associações, fundações e ONGs a favor das biotecnologias. São algumas delas: Africa Harvest, African Biosafety Network of Expertise (ABNE) – um organismo lançado pelo Novo Acordo Econômico pela África (Nepad)10 –, AfricaBio, African Agricultural Technological Foundation (AATF) e Isaaa. Este organiza notadamente viagens de camponeses e tomadores de decisão pelo continente, e até além dele, para convencê-los. “A força desses organismos é considerável, muito mais importante que a das próprias empresas, porque figuram como entidades desinteressadas”, observa Christophe Noisette, mobilizador do site Inf’OGM. Financiadas pelas empresas de sementes, a começar pela Monsanto, essas estruturas recebem igualmente o apoio de grandes fundações (Bill e Melinda Gates, Rockefeller), assim como da diplomacia norte-americana via United States Agency for International Development (Usaid).
A AATF se situa à frente da ofensiva das empresas de sementes. Baseada no Quênia, ela atua junto aos poderes públicos africanos para que estes adotem leis de biossegurança indispensáveis ao desenvolvimento dos OGMs. Também tece laços entre grandes empresas e diversos programas apresentados como humanitários, como o feijão Bt e a Water Efficient Maize for Africa (“Milho Eficiente em Água pela África”, Wema). O primeiro visa testar, e em breve comercializar, uma semente de feijão transgênico resistente a um inseto particularmente devastador, e em três países: Burkina Faso, Gana e Nigéria. Esse feijão, fonte importante de proteínas, é particularmente apreciado pelos consumidores africanos. O segundo, desenvolvido no Quênia, Tanzânia, África do Sul, Moçambique e Uganda, consiste em criar – por seleção convencional, marcação genética ou transgênese – novas variedades de milho resistentes à seca. Qualificado como ilusório, esse projeto é em geral comparado ao “arroz dourado”, lançado com grande pompa nos anos 1990 e um fracasso retumbante.11 Mas, se for bem-sucedido, “poderá convencer todo mundo”, avalia Noisette.
Esses programas, que reivindicam para si o objetivo de lutar contra a fome e a pobreza, fundem-se na massa de iniciativas “humanitárias”. Ademais, em um raro exemplo de solidariedade, a tecnologia foi gentilmente oferecida pela Monsanto à AATF e aos países participantes da experiência. “Damos as ferramentas e os genes, sem royalties, e são os institutos de pesquisa nacionais como o Inera que efetuam os testes”, explicava no ano passado Doulaye Traoré, então representante da empresa norte-americana no oeste africano. Segundo Noisette, “tudo isso serve para fabricar especialistas, formados pelas empresas, que em seguida serão encontrados nas agências nacionais de biossegurança”. Um ex-funcionário da Monsanto no oeste africano afirma, sob anonimato: “Esses produtos não têm nenhum interesse econômico para as empresas. O feijão não representa nada na escala da Monsanto. Essas iniciativas permitem, principalmente, dourar a imagem da empresa perante tomadores de decisão – mais inclinados a se interessar por esse tipo de cultura local e, portanto, a favorecer as leis que abrem portas a OGMs – e criar laços com pesquisadores”.
Uma pesquisa realizada pelos investigadores canadenses Matthew Schnurr e Christopher Gore mostra como, em Uganda, a oferta (de empresas de sementes e organizações pró-OGMs) precedeu a demanda (do Estado e dos agricultores). “Investir em ciência e pesquisa é percebido como um elemento-chave para convencer os governos céticos”, escrevem os pesquisadores.12 Para ganhar os mercados africanos, a indústria de sementes logo entendeu que os cientistas, cujas pesquisas demandam recursos difíceis de reunir, eram um elo frágil. Em Camarões, onde a Sodecoton testa há cinco anos um algodão transgênico, “é a Bayer que financia toda a pesquisa”, indica uma fonte interna da empresa algodoeira.
Apesar dos alertas, alguns países consideram se converter ao algodão Bt, como a Costa do Marfim, vizinha de Burkina Faso. Em julho de 2016, seu Parlamento adotou por unanimidade uma lei sobre biossegurança. “O que nos interessa é a queda da punição da produção”, explica Silué Kassoum, diretor-geral da Federação de Produtores de Algodão. “Mudaria muita coisa se fizéssemos apenas dois tratamentos, em vez de seis ou sete.”
Mesmo Burkina Faso não acabou com os OGMs. “Sem dúvida, paramos de colaborar com a Monsanto no caso do algodão transgênico, mas não abandonamos a esperança de retomar a biotecnologia”, alerta Wilfried Yaméogo, diretor-geral da Sofitex, que passou a dialogar com a Bayer. Enquanto isso, o Inera, que havia recebido 220 milhões de CFA (R$ 1,2 milhão) da Monsanto em 2015, continua com os testes, em relação ao algodão, mas também ao milho e ao feijão. Presidente da Rede de Comunicadores Oeste-Africanos em Biotecnologias (Recoab) de Burkina Faso, Payim Ouédraogo tampouco se desarma. A cada quinze dias, em um jornal científico – raridade na África –, Infos Sciences Culture, nascido em 2015 e do qual ele é diretor, defende uma filosofia simples: “Não são os OGMs que devem ser combatidos, são seus derivados”. Em uma reportagem de 6 de agosto de 2017, conclui uma pesquisa no meio rural pelo seguinte retrato: “corajosos camponeses que, em sua maioria, esperam em um futuro próximo retomar o algodão Bt de boa qualidade para otimizar suas produções, realizar ganhos mais substanciais, preservando a saúde”.
Para o lobby pró-OGM, o fracasso burkinense seria apenas um incidente de percurso atribuído à precipitação da Monsanto. Conduzido entre 203 produtores em três regiões no oeste do país, um estudo da Copagen revela, contudo, a extensão dos estragos: a utilização das sementes Bt levou ao aumento dos custos da produção em 7% para os agricultores, enquanto os rendimentos baixaram cerca de 7%.13 A Copagen assegura que, entre as numerosas promessas da Monsanto, apenas aquela ligada à redução do número de tratamentos com inseticidas foi mantida. Ela denuncia também a “rastreabilidade lacunar”: cerca de quatro produtores a cada dez dizem misturar o algodão Bt e o convencional no momento das compras ou na colheita. Ainda mais inacreditável, o estudo constata que, oito anos após sua introdução, “a maior parte dos produtores não sabe o que é um OGM e considera o algodão Bt simplesmente uma variedade de semente melhorada”.
De fato, se por um lado os camponeses são os mais expostos, por outro são os mais ausentes do debate. Pouco instruídos, não dispõem das armas necessárias para fazer valer seus pontos de vista. Nem os demais cidadãos. Schnurr e Gore observam, assim, que na primeira fase de adoção dos OGMs as decisões se dão a portas fechadas e ao abrigo de olhares indiscretos, entre uns poucos atores públicos e privados, autoridades de regulação e científicos.
Segundo Sikeli, é aí que reside o perigo: os transgênicos correm o risco de transformar a agricultura africana à custa dos agricultores: “Na África, os camponeses cultivam geralmente pequenas parcelas de terra, associando diversas culturas e integrando a pecuária à agricultura, o que é muito vantajoso para o meio ambiente, a biodiversidade e os solos. A cultura de OGMs vai por uma via diametralmente oposta, pois vem acompanhada de uma generalização de monoculturas em vastas porções de terra”. Segundo ele, o fenômeno corre o risco de gerar “camponeses sem-terra”, ou transformá-los em simples operários agrícolas – o que, aliás, foi claramente anunciado aos algodoeiros por um funcionário da Sofitex em um dia do mês de janeiro de 2006: “Pessoas capazes vão vir e cultivar milhares de hectares. E vocês se tornarão operários agrícolas”.
*Rémy Carayol é jornalista.