A ilusão da responsabilidade social
Investimentos “éticos”, em empresas classificadas como aptas num espírito “cristão e humanista”, são a última moda no mercado de capitais. Representam a bagatela de 130 bilhões de reais. E as ’empresas-cidadãs’ beneficiadas não são tão “cidadãs” assim…Céline Ovadia
É a nova onda. Ações em bolsa devem ser vendidas com o máximo de transparência. Os certificados éticos, que classificam as empresas socialmente responsáveis, portanto “cidadãs”, vêm ajudar a estimular essa política de comunicação. Seu alvo principal: o aumento de futuras cotas para a poupança salarial. Avaliada em mais de 53 bilhões de euros (mais de 130 bilhões de reais) investidos por um terço dos assalariados, a poupança salarial tornou-se agora, com a Lei Fabius, de fevereiro de 2002, acessível a todos os demais empregados, particularmente os das pequenas e médias empresas (PME). Esta fonte de riqueza gera cobiça.
A profusão de órgãos e mecanismos de avaliação e classificação, assim a multiplicação de selos para promover as cotações em bolsa, contribuem para tornar ainda mais espessa a neblina que cobre a situação atual da condição humana no trabalho. Porque a respeito desta condição não flui informação alguma, a não ser os valiosos pontos éticos que as empresas se autodistribuem para dissimular o preço que, em termos de saúde e de segurança do emprego, fazem seus empregados pagarem, e para garantir o crescimento dos salários dos dirigentes e os dividendos dos acionistas.
Uma Comissão de Ética “clandestina”
Distinguido com muitos prêmios pela imprensa financeira, o fundo Hymnos, criado pelo Crédit Lyonnais, teve, de 1989 até 2002, um desempenho de +98%
Um anúncio lisonjeia a boa consciência dos cotistas potenciais: “Investir e investir-se, duas noções que o fundo ético Hymnos concilia. Hymnos é um Fundo Comum de Aplicações Diversificadas (ações e títulos) que investe, majoritariamente, nas empresas cujas atividades se enquadram numa ética cristã e humanista. Numa palavra, nas empresas que colocam o homem como o principal de seus valores.” Como agem os gestores desse fundo? O anúncio explica isso de forma melosa: “Submetido a critérios de seleção, cada título posto em carteira é analisado por uma comissão de ética. As personalidades leigas ou religiosas das principais igrejas cristãs que a compõem reúnem-se, periodicamente, com os gestores do fundo para confirmar as opções de investimento.”
Distinguido com muitos prêmios pela imprensa financeira (os troféus de ouro 2000 de Revenu, as palmas de ouro de Investir Magazine em 2001, as Victoires des Sicav 2000 de La Tribune), o fundo Hymnos, criado em 1989 pelo Crédit Lyonnais, teve, de sua criação até agosto de 2002, um desempenho de +98%.
Quando se trata de conhecer os membros da Comissão Ética, selecionados pelo Departamento Cultural do Crédit Lyonnais, transgride-se a lei da transparência, pois o responsável se recusa a informar sua identidade: “Devem ser protegidos, pois têm formas de pensar e estilos de vida diferentes do comum dos mortais. Iriam sentir-se lesados e, por outro lado, têm medo de enfrentar o público”…
Demitir para revender com lucro
Quando se trata de conhecer os membros da Comissão Ética, transgride-se a lei da transparência, pois eles “têm medo de enfrentar o público”…
Medo de enfrentar o público ou a verdade sobre a gestão dos recursos humanos dos valores que ajudaram a escolher? Entre os dez principais valores mobiliários em carteira, aparecem os gigantes – ou ex-gigantes… – do CAC 40: BNP Paribas, Oréal, Sanofi-Synthelabo, Vivendi Universal, Carrefour, Axa, Vivendi Environnement, LVMH. Segundo Daniel Diamond, responsável pela gestão desse fundo, esses valores foram escolhidos segundo três critérios que justificam o qualificativo de ético dado por Hymnos: “A primeira lógica de seleção exclui as empresas que fabricam armas, que utilizam o trabalho infantil ou que são especializadas em jogos de azar. A segunda baseia-se nas exigências humanas e sociais ligadas à condição concedida aos empregados em seu meio. E, finalmente, a política societária baseada nas ações filantrópicas da empresa, desenvolvidas, por exemplo, com ONG.”
Examinemos, agora, o que se passa numa das empresas escolhidas – no caso, a Axa. A atividade do segundo grupo de seguros mundial estará em conformidade com a ética cristã e humanista que coloca o ser humano como principal de seus valores? Há dois anos, a Axa comprou, em Pontailler-sur-Saône, a usina Titanite, uma empresa familiar, especializada em explosivos militares (granadas de mão e granadas lançadas à distância) e civis (para pedreiras e minas). Para tornar essa empresa rentável o mais rápido possível e revendê-la com lucro, a Axa decidiu aplicar dois planos de demissão, de nove funcionários cada, diluindo-os por um período de dois anos para evitar os gastos com um plano social (exigido a partir de dez demissões). Com os “incentivos” às saídas programadas, são 44 pessoas que deixam a empresa – que tinha um total de 113 assalariados. O primeiro plano de demissões ocorreu em 1984, quando a atividade da usina Titanite estava em baixa. Porém, esclarece um ex-operário, “o ex-diretor tentava encaixar o pessoal enquanto esperava o reaquecimento do mercado”.
Diretores ameaçados de prisão
São excluídas pelo critério de seleção as empresas que fabricam armas, que utilizam o trabalho infantil ou que são especializadas em jogos de azar
Em relação à Axa propriamente dita, Bruno G., ex-agente comercial, resume: “A Axa mandou embora quase 2.100 pessoas e conseguiu a demissão de mais 1.800 para não gastar com um plano social que lhe teria custado 400 milhões de euros (1,5 bilhão de reais). Em vez de demitir os antigos funcionários da UAP (cuja fusão com a Axa se deu em 1997), que podiam recusar a alteração dos novos contratos de trabalho, optou por métodos mais astutos: instaurou uma distinção entre os ?optantes? e os ?não-optantes?.” Estes sofreram de tudo antes de serem forçados a sair: supressão do acesso ao cadastro de clientes e, em decorrência disso, supressão da parte variável do salário e das comissões dos que atuavam na comercialização, pressão contínua, doenças psicossomáticas compensadas pelo uso de Prozac e alguns suicídios. Bruno G., com formação superior equivalente ao nosso mestrado, ficou carimbando correspondência até ser demitido por falta grave.
Em 2002, os delegados da Comissão de Empresa e representantes dos empregados da Axa entraram com uma ação judicial por crime de impedimento do exercício de suas funções por não terem sido consultados sobre os procedimentos de demissões. “O objetivo dessa ação”, esclarece Eric Delfli, advogado dos representantes dos empregados, “é punir os dirigentes da Axa que tomaram a iniciativa de adotar esses procedimentos.” E acrescenta: “Se o custo do contencioso apresentado à Justiça do Trabalho foi menor que o de um plano social, o risco do processo penal para os dirigentes é o de terem penas de prisão, com direito a liberdade condicional, e serem condenados. Para uma empresa que se pretende cidadã…”
Os valores éticos da irmã Nicole
Há dois anos, a Axa – uma das “transparentes” – comprou a usina Titanite, uma empresa especializada na fabricação de explosivos militares e civis
A irmã Nicole Reille, que lançou o primeiro fundo ético – destinado, inicialmente, a melhorar as aposentadorias dos religiosos das congregações – é representada na Comissão de Ética Hymnos. Os valores mobiliários da carteira que ela criou juntamente com a Financeira Meeschaeert (Nouvelle Stratégie 50), e que em parte coincidem com os da Hymnos, incluem a France Télécom, o Crédit Lyonnais, a Rhodia, a Axa, a Casino Guichard, a Unilog etc. A escolha desses títulos teria sido feita “a partir dos critérios clássicos de rentabilidade. Baseia-se, igualmente, na consulta de indicadores éticos de avaliação das empresas, definidos por um órgão independente. Os indicadores adotados estão em conformidade com os valores defendidos pela Associação Ética e Investimento”, presidida pela irmã Nicole Reille.
“Esses valores”, esclarece ela, “permitem investir fundos de acordo com os valores de uma congregação, neste caso, os direitos humanos, o respeito e o desenvolvimento da pessoa que definem a estratégia social da empresa e os modos de implantação nos países do Terceiro-Mundo.” A entidade independente Arese (Agence de rating social et environnemental), filial da Caixa de Depósitos e Consignações e do grupo Caisse d?Épargne, é a principal referência para a maioria dos gestores de fundos preocupados em otimizar o nicho da ética. Essa agência, que vende suas análises por um preço que varia entre 20 mil e 30 mil euros (de 75 mil a 115 mil reais), tem um “raio de avaliação e classificação” que abrange as 120 empresas da Bolsa francesa (a Société Boursière Fraçaise – SBF 120) e cerca de duzentas empresas européias cotadas na Eurostoxx.
Adulteração de prescrições médicas
Mas suas perícias têm uma particularidade: as comissões de empresa e os representantes dos empregados raramente são consultados. Somente as diretorias vêem nelas um certificado suplementar para a cotação de suas ações. Um sindicalista da Renault, por exemplo, ao ser informado das “investigações” da Arese alguns meses após o fechamento da empresa, teve que obter, junto à diretoria, a confirmação de que elas realmente ocorreram. A diretoria, em contrapartida, tinha ficado satisfeita com essas análises que lhe haviam permitido conseguir, sem grandes esforços, o certificado de “socialmente correta”.
Segundo um ex-agente comercial, a Axa “mandou embora quase 2.100 pessoas e conseguiu a demissão de mais 1.800 para não gastar com um plano social”
A Arese poderia ter demonstrado um pouco mais curiosidade pela prática, comum no grupo da indústria automobilística, do recurso aos contratos por tempo determinado de longa duração. Aliás, uma de suas filiais (a Sovab) foi condenada, em maio de 2002, por uso abusivo dos contratos temporários. Na Renault-le Mans, em novembro de 1999, a Caisse Primaire d?Assurance Maladie (CPAM), após haver constatado que, em um de cada dois acidentes de trabalho, a prescrição de repouso não havia sido obedecida, não hesitou em advertir a diretoria da fábrica: “Quando a vítima renuncia à licença de saúde, os serviços de vocês cruzam o atestado médico com dois riscos vermelhos e anotam ?alterado sem interrupção?. Esse procedimento é inteiramente proibido; vocês não têm nenhum direito alterar as prescrições médicas feitas pelo corpo médico.”
Compromisso de não-discriminação sindical
A Arese é uma das pontes entre a Associação Ética e Investimento, da irmã Nicole Reille, e a Novethic, outra filial da Caixa de Depósitos e Consignações. A Novethic se define como um meio de comunicação, presente essencialmente na Internet desde outubro de 2001, e “especialista em responsabilidade social”. Sua vocação? “Fazer pedagogia sobre essas questões e informar os cotistas sobre os fundos éticos disponíveis no mercado e, principalmente, sobre as empresas do CAC 40.” Seu site recebe mais ou menos 25 mil visitantes por mês. Fornecendo seus dados, eles podem abrir uma conta on line para a compra de fundos éticos via Vega Finances, parceira da Novethic. Garantindo a promoção do desenvolvimento duradouro com a Novethic, a Vega Finances incentiva o poupador a “investir em empresas mais limpas que as outras, que respeitam seus empregados e o meio ambiente, envolvendo-se na vida civil”.
As empresas são avaliadas e classificadas a partir de um “perfil”. Este resulta de uma “síntese sobre os sete principais critérios da responsabilidade social e de uma ficha de identidade que traça seu retrato econômico”. Em relação à Total-Fina-Elf, no capítulo da cidadania, pode-se ler: “Ensina a detectar os sinais precursores de poluições e de rios.” A Axa dispõe de “um bônus extraordinário para os empregados que vestem a camisa”. Quanto ao segmento das relações sociais, o “Carrefour assumiu compromissos junto à OIT (Organização Internacional do Trabalho) e à UNI (Union Network International) no que diz respeito a questões como a não-discriminação sindical”.
Melhorar o “impacto do site”
Essa afirmação não é partilhada pela seção local da central sindical CGT de Vitrolles. Ali, o Carrefour dispõe de um estabelecimento que, em março de 2001, chamou a atenção da diretoria geral para a presença da expressão “isolar a CGT sempre ameaçadora” num documento interno da empresa. Cópia deste documento foi enviada à inspeção do Trabalho. Tal informação escapará a todos aqueles que, para investir “eticamente”, se baseiam na documentação minuciosamente elaborada pela equipe da Novethic.
As perícias da agência que avalia os fundos têm uma particularidade: comissões de empresa e representantes dos empregados raramente são consultados
A Novethic dispõe de uma Comissão de Orientação Consultiva, com a qual os dirigentes, três vezes ao ano, fazem o balanço da situação, na esperança de que esses conselheiros os ajudem a melhorar o impacto do site junto ao grande público e aos investidores. “São todos independentes”, esclarece o representante da Anistia Internacional, responsável pela Comissão de Empresas e membro da comissão. Para ele, trata-se de “examinar cuidadosamente o lado ético e de oferecer garantias positivas quanto a levar em conta os direitos humanos”. Os questionários que as empresas avaliadas e classificadas respondem e as investigações que são feitas devem permitir o “confronto entre o que é declarado e a situação concreta de cada local”. Mas ele reconhece que “a Anistia não tem meios para controlar (e nem mandato, aliás) se a Arese realmente entrou em contato, nas empresas, com todos os atores envolvidos, isto é, os sindicatos, as comissões de empresas, as ONG etc…”.
Um “plano social” de demissões
A Federação Internacional das Ligas de Direitos Humanos (Fédération internationale des ligues de droit de l?homme) – FIDH – também contribui para o prestígio das avaliações e classificações éticas. Juntamente com a filial financeira do Correio, Sogeposte, lançou “Liberdades e Solidariedade”, uma sicav1 ética de partilha. Anne-Christine Habbard, secretária-geral da FIDH, explica: “As aplicações feitas em empresas que respondem a normas sociais ou ambientais aprovadas comprovam um novo modelo de cidadania”. A ficha técnica do investidor de fundos éticos estabelece que “a metade da renda distribuível é revertida para a FIDH sob a forma de doações.”
Os investimentos na Liberdades e Solidariedade são feitos por meio de títulos e ações de empresas francesas e estrangeiras, “selecionadas segundo critérios éticos baseados nos direitos humanos”. A agência belga Stock at Stake, considerada independente, contribuiu com sua competência, “comparando todos os recursos disponíveis interna e externamente à empresa”. Estaria a “sicav 100% direitos humanos” cumprindo seu papel?
Entre as felizardas francesas escolhidas, estão as empresas Danone e Renault. Ora, no que diz respeito à primeira, há um processo contra a empresa movido por empregados demitidos. O processo se baseia em dois motivos. O primeiro decorre da ausência de justificação econômica para o “plano social” que suprimiu 800 postos de trabalho em duas fábricas (Calais e Evry). As taxas de lucro, adiantadas por Brun, advogado dos empregados, são, de fato, eloqüentes: “Responsável por 19% do total de toneladas da produção mundial da Danone, a França ostenta 53% dos lucros mundiais.”
Compensações irrisórias
A Novethic se define como um meio de comunicação, presente essencialmente na Internet desde outubro de 2001, e “especialista em responsabilidade social”
O segundo motivo do processo refere-se ao procedimento de consulta aos empregados. Brun considera-o “nulo e viciado”: “As pautas de reunião da Comissão Central da Empresa (CCE) não foram elaboradas conjuntamente entre o chefe de empresa e o secretário da CCE (em princípio, o secretário da CCE deve ser obrigatoriamente consultado). Portanto, as deliberações do CCE não são válidas. Desse modo, e por essa razão, o plano social não foi apresentado à CCE.”
Em julho de 2002, a inspeção do trabalho enviou uma advertência à empresa Lu d?Evry (Grupo Danone): “O recurso em massa a empregar pessoas em condições precárias levou vocês a fazerem sua fábrica funcionar com uma grande proporção de trabalhadores temporários (perto de 20% dos efetivos por ocasião de nossa visita, em 2001)”. Quase 98% dos trabalhadores temporários detêm dezenas de contratos há vários anos, embora o artigo L.124.2 do Código do Trabalho afirme que “o contrato de trabalho temporário não pode ter por objetivo nem por efeito suprir, de forma duradoura, um emprego ligado à atividade normal e permanente da empresa que o utiliza”.
A inspeção do trabalho indicou, então, “que esses assalariados com contratos temporários poderão fazer valer seus direitos aferentes ao contrato por duração indeterminada, inclusive os direitos vinculados ao plano de demissão coletiva implantado por iniciativa de vocês”. Compensação irrisória quando se sabe que um acionista minoritário da Danone, representante de associações leigas e religiosas, se opusera, sem êxito, à instalação de um sistema de stock-options2 que incentivava uma limitação no momento em que o “plano social” fosse decidido. “Stock-options”, diz a representante desses acionistas, “cujos valores dependiam do êxito do plano social no mercado de capitais”…
Inclusão de empresas não é “cheque em branco”
A secretária-geral da FIDH, Anne-Christine Habbard, explica-se a respeito dessas anomalias “éticas”: “A comissão de ética da FIDH levou em conta os elementos postos à sua disposição por três instâncias que fizeram a triagem das empresas acima do lote, cujas práticas correspondem a nossos valores e que fazem esforços para que os direitos humanos sejam respeitados. A primeira triagem é realizada pela agência Stoke at Stake; a segunda, pela comissão de ética da FIDH, constituída por personalidades independentes. A última triagem fica a cargo da comissão deliberativa da FIDH. A primeira reunião da comissão de ética realizou-se em fevereiro de 2002 e dispúnhamos de informações reunidas principalmente por um sindicalista participante da comissão sindical consultiva da OCDE. Suas investigações junto a sindicalistas europeus o teriam convencido de que a Danone estava acima da norma, em matéria de respeito pelos direitos humanos. Surgiu uma polêmica injusta contra a Danone: segundo nossas fontes, o plano de reestruturação elaborado pela Danone era um dos melhores negociados no setor.”
E a utilização abusiva de contratos de trabalho temporários? Resposta: “Cada empresa é objeto de um acompanhamento tão preciso quanto possível, mas sua inclusão entre os valores da sicav Liberdades e Solidariedade não pode, apesar disso, ser comparada a um cheque branco. No momento da decisão de incluir a Danone e a Renault nessa sicav, não dispúnhamos de informações sobre o trabalho temporário. A Comissão da FIDH, que se reúne a cada seis meses, se reserva a possibilidade de excluí-las.”
Uma brecha na moralização financeira
A informação de que um documento interno do Carrefour fala da necessidade de “isolar a CGT sempre ameaçadora” escapou da equipe da Novethic
Nada impede que a maioria dessas empresas eticamente cotadas acima de seu valor se absolvam a si mesmas, publicando relatórios anuais que, agora, apresentam títulos como “de desenvolvimento durável”, ou mesmo “de responsabilidade social e ambiental”. Agências de comunicação encarregam-se de sua divulgação. Relatórios habilmente edulcorados por agências de comunicação, das quais uma tem o nome, não usurpado, de “Utopias”. Segundo afirmações de auditores sociais, “num relatório, o que conta não é o que está escrito, mas aquilo que se esqueceram de colocar nele. Todos esses relatórios, que podem ser verdadeiras bombas, são “desarmados”.
Será que se esboça um fértil desenvolvimento durável para os dirigentes das empresas que cobiçam a poupança salarial? Para o representante dos empregados no Conselho Fiscal de um dos fundos de poupança salarial da EDF3(Egépargne 2), que tem um total de mais de um bilhão de euros (cerca de 3,75 bilhões de reais) de cotas dos 145 mil funcionários, “as aplicações dos assalariados são feitas por grupos bancários em empresas que podem demitir assalariados ou suprimir-lhes a estabilidade no emprego. Não se pode fazer de conta que isso não existe”.
Para poder influir de maneira decisiva sobre as escolhas na matéria, a Comissão Intersindical da Poupança Salarial (CIES) – que reúne a Confederação Democrática do Trabalho (CFDT), a Confederação Geral do Trabalho (CGT), a Confederação Geral de Executivos (CGC) e a Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos (CFTC) – tem concedido certificados a fundos da Axa e do Crédit Lyonnais. E este não hesitou em utilizar esse cheque em branco em seus encartes publicitários para melhor exaltar “sua gestão socialmente responsável”. Joseph Thouvenel, representante da CFTC no CIES, admite a existência de uma ambigüidade: “Algumas empresas obtêm um certificado e não respeitam as condições de trabalho. Mas se trata, essencialmente, de produtos que o CIES certifica. Nós não damos certificado moral às instituições nem aos gestores desses produtos. Em compensação, os gestores assumiram o compromisso de respeitar o documento com todas as cláusulas e nós nos demos os instrumentos para verificar se os compromissos são cumpridos. Para a CFTC, trata-se de um meio para abrir uma brecha na moralização das práticas financeiras e das aplicações.” Lúcido, Thouvenel acrescenta: “Se as razões éticas interessam pouco às diretorias dos grupos financeiros, por exemplo, será mais fácil sensibilizar os que tomam decisões estando na fonte de um fluxo financeiro, isto é, o produto certificado com destino à poupança salarial.”
Controlando a contabilidade
Dentre os interesses que se disputam nas negociações de um plano de poupança salarial, trata-se, para os representantes dos assalariados, de ter a maioria nos conselhos fiscais que controlam essas aplicações: é uma das obrigações do documento de cláusulas dos produtos certificados pela CIES. Quanto ao resto, Thouvenel admite que “a CIES ainda não foi contatada pelos assalariados sobre a questão da relação entre sua escolha de produtos e os critérios ligados às condições de trabalho. Por outro lado, nós lembramos aos gestores do Crédit Lyonnais que não se admitirá mais o ?escorregão? dos encartes publicitários…”. O certificado da CIES, muito disputado, só é atribuído por um ano e seus detentores podem perdê-lo se os tais “escorregões” se reproduzirem em virtude do não cumprimento dos critérios do documento de cláusulas.
Classificada como empresa ética, a Danone está sendo processada por trabalhadores demitidos e foi advertida por manter grande proporção de trabalhadores temporários
Pierre-Yves Chanu recebeu da CGT a missão de representá-la na CIES e insiste nas possibilidades de verificação de que ela dispõe: “Os controles podem ser feitos detalhadamente, e a qualquer momento, por meio de auditorias no local, seja por nós mesmos, seja por um órgão especializado designado por nós. Os controles fazem parte dos compromissos que constam no documento de cláusulas. É possível, então, exercer um direito de vista do trabalho dos gestores dos produtos certificados, solicitando-lhes o envio de qualquer documento que permita efetuar esse controle. Por exemplo, através da lista de compras e vendas sobre títulos e comissões recebidas. As considerações sociais e ambientais são levadas em conta nas aplicações, é evidente. E, se viesse a ocorrer que os dirigentes de uma instituição – da qual algum produto tenha sido certificado por nós por um ano – fossem submetidos à investigação por problemas de gestão, isto seria um critério determinante para a cassação do certificado.” Entretanto, algumas investigações envolveram grupos cujos produtos foram certificados, apesar de tudo. Decididamente, a credibilidade do certificado dependerá dos meios (modestos) de que ela dispõe para conduzir as investigações e de sua disposição para exercer o poder de veto. Por ora, a questão permanece aberta.
A intervenção dos representantes sindicais
Por sua vez, entretanto, a nova agência de avaliação e classificação internacional, criada em julho de 2002 por Nicole Notat, ex-secretária-geral da CFDT, já reivindica “uma investigação aprofundada, uma auditoria interna, mediante remuneração, para melhor apreender as práticas e os resultados sociais e ambientais das empresas” (comunicado da Agência France Presse, de 31 de julho de 2002). Essa nova agência absorveu o escritório Arese depois de Notat haver integrado seu Conselho de Administração em junho de 2002. Seu nome, Vigéo, significa em latim: “Estou atento, estou de olho aberto.” Seus acionistas iniciais são provenientes de três categorias: empresas, investidores, sindicatos. A CFDT, única acionista sindical da agência, está muito próxima de um investidor de peso, o grupo Caisse de dépôts/Caisse d?épargne (que detém 40% do capital) e dez empresas que são freqüentes, e até repetitivas, em todas as listas: trata-se da Danone, Suez, Thomson Multimídia, Schneider Electric, Vincy, Carrefour, Axa, Crédit Lyonnais e BNP. Nenhuma empresa pode deter mais de 2% do capital e o conjunto não pode ultrapassar os 45%. Para Notat, isto é um critério suficiente de independência.
Através de seus representantes sindicais presentes nos conselhos fiscais, os empregados tornam-se os únicos responsáveis pelas opções de investimento de sua poupança. Não se tem certeza de que essa responsabilidade – que os associa cada vez mais ao desempenho de um sistema econômico e de seus principais atores – contribua para melhorar seus salários e para suplementar suas aposentadorias. Os empregados da Enron,