A jogada da minoria de bloqueio
Derrotados por uma decisão do Conselho, os Estados podem formar uma coalizão para promover uma política e, principalmente, para impedir uma que lhes venha a desagradar. Assim, na prática, exercem indiretamente o direito de vetoBernard Cassen
A negociação de Bruxelas fracassou principalmente por causa da oposição categórica da Espanha e da Polônia a uma mudança das regras de cálculo da maioria qualificada fixadas no tratado de Nice. Este tema, à primeira vista um pouco esotérico, diz respeito aos poderes respectivos dos Estados na tomada de decisão ou, melhor dizendo, e conforme será explicado, no impedimento de uma tomada de decisão. Para simplificar, podemos dizer que o Conselho (justaposição dos representantes dos governos) é o poder legislativo da União Européia em todas as áreas. Em algumas destas (que passaram de 37, no tratado de Nice, para cerca de 80, no texto da Convenção), mas não as mais importantes, ele divide este poder com o Parlamento. É o que se chama de co-decisão.
O Conselho decide por unanimidade – o que concede a cada um de seus membros um direito de veto (57 casos no texto da Convenção, sendo os mais cruciais referentes a tributação, regime lingüístico, previdência social e proteção social, defesa etc.) – ou por maioria qualificada (uma centena de casos). É aí que as coisas se complicam..
Os critérios de decisão
Uma decisão tomada por maioria qualificada significa que um Estado pode lhe ser hostil, mas deverá se conformar. Portanto, os Estados abordam esta questão considerando, com a ajuda de programas de simulação por computador, o tipo de coalizão que poderão formar para promover uma política e, mais ainda, para impedir uma que lhes venha a desagradar, procurando assim, indiretamente, um direito de veto. Isto porque predomina a desconfiança e as coalizões podem ser muito diferentes dependendo dos assuntos (Norte contra Sul, “pequenos” países contra “grandes”, “ricos” contra “pobres”, os que recebem ou não fundos da Política Agrícola Comum, defensores resignados ou frenéticos do livre-comércio, defensores da soberania ou não etc.).
Entre os critérios aprovados em Nice existe o do recurso, caso a maioria qualificada represente menos de 62% da população do conjunto da União
O projeto da Convenção tem o grande mérito da simplicidade: uma decisão é aprovada se ela juntar pelo menos a metade dos Estados (13 entre 25), representando pelo menos 60% da população da União. Até o tratado de Nice, não existia cláusula demográfica e a maioria qualificada se calculava unicamente com base nos 71,3% do total do número de votos atribuídos a cada Estado, que variava de dois, para o Luxemburgo, até 10, para os grandes países (Alemanha, França, Itália e Grã-Bretanha) e oito para a Espanha.
A reunião de Nice introduziu três critérios de decisão que se acumulam: uma maioria de Estados membros, um número de votos favoráveis que se situe em 72,3% do total, com um recurso possível, caso a maioria qualificada represente menos de 62% da população do conjunto da União. Estes critérios vão vigorar na União Européia dos 25 países até 2009. Neste regime, uma das questões principais é, evidentemente, a de saber de quantos votos dispões cada Estado, pois este número leva em conta a demografia. Em Nice, a Espanha e a Polônia (cerca de 40 milhões de habitantes) tinham conseguido 27 votos, contra somente 29 para a Alemanha (80 milhões de habitantes), para a França, Itália e a Grã-Bretanha, Malta (menos de 400 mil habitantes) fechou a lista com três votos. Este cálculo dava a Madri e Varsóvia um estatuto de quase “grande” e lhes concedia uma capacidade de bloqueio cujo desaparecimento da contagem dos votos e o rebaixamento do limite demográfico, de 62 para 60%, lhes tiram boa parte desta. Para estas duas capitais, e de forma caricatural, o combate de
Bernard Cassen é jornalista, ex-diretor geral de Le Monde Diplomatique e presidente de honra da Atacc França.