A metamorfose da propriedade da terra
Desde a colonização francesa e apesar da nova legislação fundiária, aprovada em 2001, as leis e as práticas em relação à terra impedem os pobres do Camboja de terem acesso de fato à propriedade jurídica, mantendo sua vulnerabilidade à expulsõesSébastien de Dianous
Antes da colonização francesa, a terra no Camboja pertencia somente ao rei. Os camponeses tinham o direito reconhecido de uso e de usufruto da propriedade que beneficiava qualquer um que cultivasse o solo. Esta propriedade não podia ser tirada de quem a explorava. A abundância de terras cultiváveis e uma pequena população desencadeavam raros conflitos de terra.
Os franceses introduziram a propriedade privada no fim do século XIX e se apoderaram de amaneira arbitrária de grandes domínios agrícolas e florestais. Este estatuto da propriedade da terra foi mantido depois da independência, sob o reinado, e a especulação continuou mas sem provocar tensão. A população nunca ultrapassou os 7 milhões de habitantes e as terras continuavam sempre disponíveis em abundância1.
Com o Khmer Vermelho no poder, entre 1975 e 1979, qualquer forma de propriedade da terra deixa de existir. Os deslocamentos maciços e contínuos da população, os massacres perpetrados contra os “inimigos” provocaram uma desorganização social dramática na região rural.
O modelo vietnamita
O regime comunista vietnamita instalado no poder em 1979 não fez justiça aos antigos proprietários: foram, é verdade, distribuídas terras aos camponeses mas de acordo com o modelo coletivista importado do Vietnã. O único proprietário da terra era o Estado que exercia seu poder através da comunidade local erigida a condição de kolkhoze. Cada camponês recebia uma parte igual da terra da aldeia para criar uma cultura coletiva. Três extensas regiões agrícolas e florestais foram classificadas como propriedade do Estado.
O regime comunista vietnamita instalado no poder em 1979 não fez justiça aos antigos proprietários: foram, é verdade, distribuídas terras aos camponeses mas no modelo coletivista
A propriedade privada foi restabelecida em 1989, mas a Lei da terra de 1992 confirma a “mão leve” do Estado sobre a posse legal do solo. Segundo o especialista americano, George Cooper, que trabalha para a Agencia governamental de Cooperação técnica alemã (GTZ) “desde 1884 até a Lei de 2001, as leis e as práticas em relação a terra impedem os pobres de terem acesso de fato à propriedade jurídica. A vulnerabilidade à expulsão, fatalmente, aumentou”.
A propriedade privada, plena e total, da terra teve, portanto, que esperar a nova Lei da Terra de agosto de 2001. Os principais avanços do texto visam facilitar o acesso à propriedade residencial e rural, permitir a criação de um cadastro que garanta os direitos sobre a terra, esclarecer a gestão das terras do Estado2. Entretanto, três anos depois o entusiasmo diminuiu: das 16 emendas que colocam as exigências para a aplicação da Lei, apenas 4 foram votadas. A Lei exigia principalmente que fossem revistas as condições nas quais foram definidas as posses das grandes propriedades de terra que estão nas mãos dos militares e ex-dignitários Khmers Vermelhos. Por razões políticas evidentes este ponto não foi abordado.
(Trad.: Celeste Marcondes)
1 – Sobre a ausência de uma aristocracia rural na história do Camboja, ler Jean-Claude Pomonti e Serge Thion, Des courtisans aux partisans (De cortesões à guerrilheiros), Galimard, Paris, 1971, págs. 28-31.
2 – Ler Sar Sovann, Cambodia: Case Study of Land Policy