A negação do poder
A comemoração dos 200 anos do nascimento de Pierre-Joseph Proudhon traz de volta as contribuições de um grande pensador que permaneceu crítico aos intelectuais de seu tempo. Suas ideias de autonomia política e sua condenação da propriedade privada levaram-no à prisão e ao exílio na época de Napoleão III
Após 200 anos do nascimento de Pierre-Joseph Proudhon, em 15 de janeiro de 1809, o que se conhece de seu pensamento? O ditado “a propriedade é roubo”, e nada mais. Esse que Sainte-Beuve descrevia como o maior prosador de seu tempo e que para Georges Sorel era o grande filósofo francês do século XIX agora só é encontrado nas livrarias libertárias e na seção dos eruditos. Algo muito diferente do que ocorre com outros pensadores e escritores da mesma época, como Karl Marx, Auguste Comte, Victor Hugo e Alexis de Tocqueville.
A situação também é bem distinta do centenário de seu nascimento, em 1909. Na ocasião, o presidente da França, Armand Fallières, foi a Besançon, local do nascimento de Proudhon, para inaugurar uma estátua de bronze do “Pai do Anarquismo”. Além disso, os sociólogos durkheimianos, os juristas radicais-socialistas e os sindicalistas se interessavam por ele. Mas essa onda anarcossindicalista recuou rapidamente. Depois da Revolução Russa, os intelectuais e trabalhadores que apreciavam Proudhon antes da Primeira Guerra Mundial tentaram transformá-lo em um anti-Marx. Por outro lado, os partidários do governo de Vichy recuperaram certos aspectos corporativistas do seu pensamento, a fim de consolidar a legitimidade do seu regime. Com isso, o crédito do pensador ficou profundamente abalado – e não foi suficiente para salvar a estátua em Besançon, derretida pelos nazistas durante a ocupação da França.
O pós-guerra facilitou a dominação intelectual do marxismo e relegou para segundo plano outras fontes do pensamento social do século XIX. Saiu de cena Proudhon, que procurava o meio termo entre a propriedade privada – apropriação exclusiva de bens por particulares – e o comunismo – apropriação e distribuição igualitária de bens de particulares pelo Estado.
De onde saiu esse precursor de uma “terceira via” anarquista? Filho de pai tanoeiro e de mãe cozinheira, Proudhon demonstrou, desde cedo, talento para as letras clássicas. Graças ao encorajamento de alguns conhecidos, obteve uma bolsa de três anos na Academia de Besançons. Proudhon percebeu, então, as distinções de classe e a experiência que o separavam dos membros da Academia. Entendeu também os limites argumentativos dos teóricos liberais da Restauração e da Monarquia de Julho para assegurar a soberania dentro das “capacidades” superiores dos proprietários.
Era a época da eleição “censitária” – um sistema de voto do qual participavam como eleitor ou candidato somente aqueles que pagassem um imposto chamado “cens”. Assim, um proprietário votava para eleger alguém que detinha ainda mais posses que ele. Diante do direito inviolável e sagrado da propriedade, a realidade da miséria e do pauperismo era contrária às esperanças dos liberais, que procuravam enraizar a ordem social no direito civil dos particulares.
Convencido de que a distribuição de riquezas no seio da sociedade importava mais do que a representação política, Proudhon não via na ampliação do voto – estratégia defendida por certos republicanos – uma solução suficiente para o problema das desigualdades sociais. Essa conclusão levou-o à economia política.
O filósofo estimava que o valor de um bem deveria ser avaliado de acordo com a sua “utilidade”, considerando seus efeitos sociais, reais e materiais. Já seus contemporâneos economistas, preocupados com a circulação das riquezas por meio das trocas, definiam o valor das coisas independentemente das necessidades de subsistência dos produtores. “Os produtos são trocados por outros produtos”, afirmava, então, Jean-Baptiste Say (1767-1832). Isso significa dizer que a venda de mercadorias é beneficiada pelo comércio de outras mercadorias e que, em último caso, os produtos valem o que custam, sem qualquer base fixa.
Trocas igualitárias
Segundo Proudhon, o valor de um produto é estabelecido em função de sua própria utilidade. Que fique claro que o ideal de equilíbrio entre produção e consumo permanece, mas, para chegar lá, o produto vendido e o trabalho incorporado nele devem estar em constante adequação. Para o filósofo, a natureza jurídica da propriedade representava um obstáculo às trocas igualitárias, pois a riqueza continuava concentrada nas mãos de pessoas com posses e capitalistas.
Sobre esse assunto, é provável que Karl Marx tenha apreciado a teoria da mais-valia que Proudhon formulou no texto O que é a propriedade? (1840): “O capitalista, dizem, pagou as jornadas dos trabalhadores. Mas a força imensa que resulta da união e da harmonia dos trabalhadores, da convergência e da simultaneidade de seus esforços não pode ser paga. Duzentos granadeiros altos e corpulentos ergueram em poucas horas o obelisco de Luxor. Será que um só homem, em 200 dias, conseguiria o mesmo feito? Na conta final do capitalista, a soma dos salários seria a mesma. Um deserto a ser cultivado, uma casa para construir, uma fábrica para explorar: tudo isso é equivalente ao obelisco levantado. A menor fortuna, o menor estabelecimento, a mais fraca indústria exigem a participação de trabalhos e talentos tão diversos que o mesmo homem seria incapaz de fazer”.
Sem dúvida, Marx compartilhava também da crítica que Proudhon tinha lhe feito sobre seus manuscritos de 1844. O próprio Marx chamaria de “comunismo grosseiro” o que escrevera. A ruptura entre os dois aconteceu pouco depois, em 1846. Marx não tardou em expressar sarcasmo contra o autor, que Marx acreditava preferir queimar a propriedade “em fogo lento”. O desejo de Proudhon de reconciliar o proletariado e a classe média para derrubar o capitalismo era considerado por Marx a inclinação de um “pequeno burguês constantemente indeciso entre o capital e o trabalho, entre a economia política e o comunismo”.
Veio a Revolução de 1848 e a instauração da Segunda República. Proudhon foi eleito deputado com assento na comissão de finanças da Câmara. Lá reivindicou a criação de um banco nacional, capaz de centralizar as finanças, e de dar à moeda um valor puramente fiduciário, baseado na produção – o franco era baseado no ouro. Defendia também a redução das taxas de juros e daquelas relativas à moradia e à exploração agrícola. Suas propostas lhe valeram o status de homem mais caricaturado e rechaçado de seu tempo pela imprensa burguesa.
Todos os projetos “proudhonianos” de reforma fracassaram. A partir daí, ele começou a refletir sobre as aporias da representação política. A seus olhos, a experiência da Segunda República representou o nascimento de uma oligarquia eletiva no seio da qual os deputados não eram reais mandatários (ver texto ao lado). “É preciso ter vivido nesse local de voto, que chamamos de Assembleia Nacional, para observar como os homens que ignoram completamente um país são aqueles que o representam”, dizia.
Mas sua análise vai além dessa simples constatação: ele afirmava que a Constituição de 1848 conferia muitos poderes executivos ao presidente da República e que a evolução na direção de uma ditadura era inevitável.
Proudhon foi para a prisão por ter denunciado as manobras de Luís Bonaparte. Mostrou-se então muito decepcionado tanto com a covardia da burguesia diante do golpe de Estado do dia 2 de dezembro de 1851 quanto com a popularidade do regime imperial entre as classes populares.
Quando foi libertado, em 1852, insurgiu-se contra a concentração de riqueza nas mãos de poucos. Em 1858, exilou-se na Bélgica, a fim de evitar uma nova prisão. Só retornou a Paris no fim da vida, mais pessimista que nunca quanto ao caráter “democrático” do voto universal.
Nos seus últimos escritos, antes de sua morte em 19 de janeiro de 1865, Proudhon denunciou até mesmo a inutilidade das candidaturas proletárias. A classe trabalhadora deveria romper com as instituições “burguesas”, criar associações fundadas sobre o princípio da mutualidade e institucionalizar a reciprocidade. Em resumo, inventar uma “democracia trabalhadora”.
Seu pensamento continua atual, especialmente considerando o clima de ceticismo diante do funcionamento do sistema democrático nos países capitalistas avançados. Pois não está claro que as classes populares e trabalhadoras sejam, hoje, mais bem “representadas” pelos partidos políticos do que na época de Proudhon.
*Edward Castleton é pesquisador da Universidade Franche-Comté, Besançon.