A negligência para salvar vidas constatada pela CPI
O aprofundamento das investigações acerca das negociações envolvendo a compra de vacinas é o que motivou a prorrogação da CPI da Covid-19
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 foi instalada com o objetivo de investigar as ações e omissões do governo federal que proporcionaram a tragédia sanitária que há praticamente um ano e meio assola o país e mata a população. Passados quase três meses do início dos trabalhos, já reúne uma quantidade considerável de indícios e evidências da negligência na condução da pandemia, traduzida no número de óbitos e consequências da contaminação pelo novo coronavírus.
Os depoimentos colhidos até agora sugerem que as medidas empreendidas pelo governo federal para enfrentamento da crise passaram à revelia das recomendações científicas e conhecimento acumulado sobre o novo coronavírus, minimizando os impactos da pandemia e apostando em abordagens clínicas e rotinas terapêuticas pouco ou nada efetivas contra a covid-19.
A negligência na aquisição de vacinas para imunização da população brasileira também fica patente na massa de documentos e pedidos de informações recebidos pela CPI, evidenciando que o atraso no início da vacinação e a atual lentidão no processo são resultados diretos desta decisão do governo federal. Entretanto, este parece não ser o único motivo: as investigações esbarraram naquilo que parece ser um bilionário esquema de desvio de dinheiro público pelo superfaturamento de contratos para aquisição de imunizantes.
Em um primeiro momento, as suspeitas recaíram sobre as negociações para a compra da vacina Covaxin. Logo depois surgiram denúncias de esquemas semelhantes envolvendo a aquisição da CanSino, AstraZeneca e Sputnik V. Em comum a estas denúncias, a existência de intermediários nas negociações e um indecente comissionamento pela participação no processo.
Parece brincadeira, mas enquanto brasileiros e brasileiras morriam diariamente aos milhares em decorrência das complicações do coronavírus, o governo federal usava a compra de vacinas – esperança para o controle da pandemia e interrupção do ciclo de mortes – para a criação de esquemas de desvio de recursos superfaturando contratos, isto é, corrupção clássica!
No início dos trabalhos da CPI dizíamos que esta comissão parlamentar de inquérito seria diferente de todas as anteriores pois ela investigaria as ações e omissões que proporcionaram o agravamento da crise sanitária sem foco específico na corrupção, embora fosse presumível a existência de malfeitos no enfrentamento da pandemia. Porém, no decorrer das investigações, deparamo-nos com aquilo que pode ser um dos maiores escândalos de nossa história republicana – e que responde pela morte de centenas de milhares de brasileiros.

relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL)(Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Não há uma pessoa sequer no Brasil que não tenha sentido as consequências da pandemia. Milhões ficaram desempregados, milhares de empresas fecharam as portas, centenas e mais centenas de famílias perderam entes queridos. O gosto amargo de tantas perdas já era difícil de engolir ao reparar que outros países conseguiram controlar a crise e gradualmente retornar à normalidade. Mas perceber que tudo isso teve como pano de fundo o enriquecimento ilícito de uns poucos torna a situação inadmissível e insustentável.
A CPI da Covid-19 retoma agora os trabalhos após um frutífero recesso. Ainda que tenhamos passado duas semanas sem as sessões deliberativas e sem os depoimentos que prenderam a atenção de todos, foi um momento de profundo trabalho de análise documental, que tem permitido consolidar indícios e suspeitas.
O aprofundamento das investigações acerca das negociações envolvendo a compra de vacinas é uma consequência natural dos trabalhos, o que motivou a prorrogação da CPI da Pandemia. Será o tempo necessário para esmiuçar contratos, troca de e-mails e demais rotinas envolvidas nos processos de aquisição dos imunizantes.
Suspeitamos vislumbrar apenas a ponta de um esquema muito maior e que múltiplos interesses permeiam as negociações e até mesmo a denúncia do esquema: diferentes grupos lutam pela hegemonia da corrupção enquanto a população brasileira morre diariamente em decorrência do novo coronavírus. Aprofundar as investigações responderá a essa e a outras questões.
Randolfe Rodrigues é senador da República (Rede/AP). É professor, graduado em história, bacharel em Direito e mestre em políticas públicas.