A nova “conquista” do Oeste
No antigo Oeste selvagem norte-americano, florestas e desertos recuam diante dos automóveis, estradas e estacionamentos, e da sanha dos agentes imobiliários. Agora, já não são só os ecologistas que questionam o valor — e o preço — de um “desenvolvimento” desse tipoDanièle Stewart
San José, Califórnia. Quatro auto-estradas, dotadas de grande quantidade de saídas, três ou quatro pistas rápidas e várias avenidas com seis pistas atravessam a imensa aglomeração de 850 mil habitantes que se distribui por 400 quilômetros quadrados. Há dez anos, dois terços da região Sul da Baía de São Francisco nada mais são do que um enorme prolongamento da cidade, em forma de uma espécie de pinça de três pontas. A Oeste situa-se o polegar, com a cidade de São Francisco ocupando a unha, bem na extremidade da península — particularidade geográfica que lhe permite contar com não mais que 700 mil habitantes. A Leste está o indicador que, passando por Oakland e Berkley, estende-se em direção ao Norte da baía. Um terceiro dedo, a Nordeste, ameaça as encostas do Monte Diablo, enquanto a Sudeste San José continua a avançar subrepticiamente ao longo da rodovia 101, que escapa em direção ao Sul.
Está certo que ainda não é como Los Angeles, mas a partir da década de 70 a aceleração prodigiosa do desenvolvimento da região de Silicon Valley varreu os magníficos pomares da planície de Santa Clara, apelidada outrora de “vale do deslumbramento do coração”… É preciso subir bem alto nas colinas por — oh, milagre! — uma pequena estradinha, para reencontrar a paisagem maravilhosa onde, todavia, diversos terrenos já estão à venda. Por toda parte, bairros inteiros surgem da terra, aqui e acolá, ao gosto das imobiliárias, como dados lançados ao acaso.
O automóvel é o centro da paisagem
O “zoneamento” [1] impõe uma separação estrita entre as áreas residenciais — quadriculados de ruas sem vida ao longo das quais se alinham as célebres “casinhas” dos subúrbios —, e as áreas comerciais — os shopping centers, que competem em gigantismo. O terceiro pólo — o local de trabalho — já não se situa prioritariamente no centro da cidade, pois a multiplicação de fábricas de eletrônicos tem por conseqüência a dispersão geográfica.
O automóvel é o grande vencedor dessa explosão da vida cotidiana, onde nada — trabalho, escola, comércio, lazer — está ao alcance de uma caminhada, e o concreto é a tal ponto rei que se puderam inventar, a partir da palavra landscape (paisagem), neologismos como streetscape e até carscape. O carro não é mais um elemento, mas o centro da paisagem urbana, e até sua razão de ser, uma vez que os meios de transporte coletivos funcionam mal e são desvalorizados.
Em nome do direito à propriedade
O problema do “crescimento desordenado das cidades e subúrbios” (urban sprawl) já fez correr muita tinta e, longe de se resolver, não pára de se agravar. É possível expressá-lo por um tríptico simples: os números referentes à densidade da população norte-americana urbana (14 pessoas por hectare), que se locomovem a pé ou de bicicleta (5% dos habitantes das cidades) e que utilizam meios de transporte coletivos (3%) são praticamente os menores do mundo, sendo que o último número decresceu nos últimos 10 anos. [2]
Dessa forma, em algumas décadas pudemos constatar a expansão fenomenal de Phoenix, Arizona, no Sudoeste, à velocidade de, digamos, meio hectare por hora, até atingir uma superfície de 1.200 quilômetros quadrados. [3] Dentre as metrópoles de desenvolvimento mais rápido, seis situam-se no Oeste; grosso modo, sua população aumenta 50 mil habitantes por ano, graças à indústria eletrônica, às telecomunicações, ao turismo e às promessas de impostos locais baixos. Ora, esses mesmos impostos locais financiam a construção da infraestrutura indispensável — estradas, esgotos, canalizações — em detrimento dos parques, escolas e espaços públicos (sem falar dos investimentos sociais), o que na verdade subvenciona as imobiliárias. Estas resistem com sucesso, em nome do direito à propriedade, a toda tentativa de conservar espaços virgens.
Perda progressiva de área cultivável
O mesmo acontece hoje em Davis, no Norte da Califórnia, onde, depois de uma moratória imposta à construção por uma prefeitura progressista, a explosão do mercado imobiliário faz surgir, há 13 anos, loteamento após loteamento. Recentemente, surgiram 861 casas da noite para o dia, cada uma ocupando quase que completamente os lotes de 500 metros quadrados.
Quanto custa este desenvolvimento selvagem? O mais impressionante é que ninguém sabe, nem quer saber. O último estudo federal data de 1974… e calculava que o custo do desenvolvimento “compacto” equivaleria a 40% do custo do desenvolvimento disperso. Podemos, sem medo, apostar que a situação piorou com a prática imobiliária apelidada de “pular carniça”: [4] 500 mil hectares de terra cultivável seriam perdidos por ano.
Destruindo a paisagem e a natureza
Não faltam, no entanto, gritos de alerta: “Não podemos mais nos permitir o luxo de subúrbios tentaculares” gritou, alto e em bom tom para a Califórnia, em 1995, um surpreendente relatório do Bank of America. Agora, invadindo o deserto, metrópoles como Phoenix, Las Vegas e Salt Lake City batem recordes em poluição do ar. Numa região que não recebe mais do que 100 mm de chuva por ano, as reservas d’água poderiam atingir seus limites em uma década.
A paisagem e a natureza, principais fontes de atração das pessoas que aqui se estabeleceram, tornaram-se feias. E ainda por cima, as estradas e o tráfego de automóveis fazem prever uma “losangelização” da paisagem: a circulação de automóveis em Denver (Colorado) cresce a uma velocidade duas vezes maior do que a população. “Vamos continuar construindo estradas, muitas estradas”, declara, todavia, o governador republicano de Utah. “Dizemos que não queremos ser como Los Angeles, mas somos” reconhece uma habitante de Phoenix. [5] Mesmo no Noroeste, que tem reputação de paraíso ecológico, a população dos subúrbios de Seattle aumentou em 22% em 10 anos, enquanto o número de quilômetros percorridos de carro quadruplicou.
Carro ocupa mais espaço que o homem
Mais automóveis e mais estacionamentos, numa escala que nada tem de humano. Cada veículo precisará de sete vagas de estacionamento para se guardar nos três pólos mencionados acima. Sabendo que um centro comercial deve ter 150 metros quadrados de estacionamento para 100 metros quadrados de lojas, tem-se a dimensão da enormidade do resultado final, tal como é prescrito pelas leis de zoneamento.
O custo é fenomenal, quer se trate de um orçamento familiar médio (do qual 1/5 é destinado ao automóvel) ou dos orçamentos públicos, federal [6] e local, para construir e manter estradas que custam cada vez mais caro (20 milhões de dólares por quilômetro, em média). E que, em vez de reduzir a obstrução do trânsito, só fazem aumentá-la: pois mais estradas, no fim das contas, significa sempre mais automóveis. Ao todo, a metade da superfície das cidades americanas é ocupada por estradas, garagens e estacionamentos (65% em Los Angeles) e o espaço consagrado ao automóvel é maior do que o ocupado pelos habitantes. [7]
Consumo recorde de energia
Na chave de tudo isso está o preço da gasolina, três vezes menor do que na Europa. Por que economizar? Vinte e cinco anos depois do primeiro embargo imposto pelos países da OPEP, que desencadeou um período de poupança de energia que durou dez anos, o momento é de negligência. A compra de carros esportivos e de veículos de tração nas quatro rodas multiplica-se e o consumo de gasolina por quilômetro não pára de aumentar. De um modo geral, o consumo de energia é o mais alto do mundo (350 milhões de unidades termais por pessoa, contra 150 a 180 no Japão e na Europa). Metade desse consumo depende atualmente de importações de petróleo — um recorde — e os apelos dos presidentes Nixon, e depois Carter, para não mais depender de fontes de energia estrangeiras foram completamente esquecidos. [8]
A política externa dos Estados Unidos para o Oriente Médio e região do Mar Cáspio não visaria, na realidade, a manutenção de um certo estilo de vida identificado com o subúrbio e o automóvel? Sempre o sonho americano, dirão. Mas os efeitos são evidentes: constrói-se cada vez mais e maior em subúrbios cada vez mais distantes. Enquanto o tamanho da família média diminuiu em 1/6, o tamanho das novas habitações cresceu em 1/3, ao passo que o número de equipamentos domésticos e de trabalho aumenta igualmente.
A “rodovização” do transporte
A acumulação de bens de consumo se conjuga agora com uma ideologia do gigantismo, enquanto se chama liberdade à total dependência do automóvel. “Nós não vamos simplesmente baixar nosso nível de vida”, disse Chuck Hagel, senador republicano pelo Nebraska, ao voltar da conferência de Kioto, onde os Estados Unidos não demonstraram entusiasmo para reduzir a poluição. [9] “Para um terço dos norte-americanos, a poupança de energia é sinônimo de privação, desconforto e de proibições”, explica um ambientalista. “Se aumentarmos o custo da energia, obrigaremos as pessoas a tomarem ônibus”, insurge-se um homem de negócios, [10] como se lhe falassem em usar luz de velas para iluminação.
Por que os meios de transporte coletivos causam tamanha má impressão nos Estados Unidos? Nos anos 30 e 40, um consórcio composto pela General Motors, Standard Oil, Firestone e uma empresa de caminhões conseguiu substituir por ônibus os bondes e tróleibus de 45 cidades, de Baltimore a Los Angeles, de Filadélfia a Salt Lake City. Na época, argumentava-se que os meios de transporte coletivos se tornariam mais caros; que o número de linhas diminuiria; a propaganda contra a corrupção dos governos locais, de um lado, e das companhias ferroviárias, de outro, os sujaria.
Impondo um limite às imobiliárias
Sobretudo, joga-se facilmente com a resistência tradicional dos norte-americanos a subvencionarem os serviços públicos através de impostos. Esses serviços são apresentados como uma oligarquia, enquanto o automóvel representa a liberdade individual e a democracia (um homem = um voto = um automóvel).
Belo passe de mágica, onde não se menciona a ladainha dos subsídios diretos ou indiretos para o automóvel, através da construção de estradas nacionais, e depois de auto-estradas, com fundos federais; assim como a manutenção do preço artificialmente baixo da gasolina. [11]
Os Estados Unidos estão longe de terem sido totalmente asfaltados e concretados, e o charme de suas cidadezinhas, onde vive a maioria da população, ainda vigora. [12] Mas também elas se vêem à mercê dos loteamentos anárquicos e da abertura de auto-estradas. Os agentes imobiliários e os gigan