A polícia vai à escola
À idéia segundo a qual uma política de segurança aplicada ao sistema educativo poderia substituir a política educativa, opõe-se uma visão que consiste em afirmar que a violência na escola é a violência da escolaSandrine Garcia , Franck Poupeau
Há quinze anos na mídia como “cavalo de batalha” dos ministros da Educação, a ação contra a “violência escolar” se resume a uma seqüência de planos que apenas retomam medidas já existentes: a intervenção da polícia tornou-se possível desde 1985, enquanto a parceria entre a educação nacional e a polícia foi formalizada pela portaria de 27 de maio de 1992 (sob pressão de Jack Lang). A receita proposta é quase sempre a mesma; as ações solidárias e a mobilização do contigente de reservistas dos planos mais recentes apenas completam esse dispositivo. Essas medidas ganham sentido quando relacionadas ao conjunto de concepções que orientam a política educativa, a ponto de constituírem um conjunto de temas indiscutíveis e permitindo usar as “violências escolares” para legitimar uma transformação da escola — ao invés de um paliativo social.
O prolongamento da escolaridade, acompanhado por uma desescolarização maciça (ou ausência de transmissão de saberes) das crianças de famílias em dificuldade, teve conseqüências. Os acidentes graves, entretanto, não são assim tão novos nem com a dimensão que se pretende — tanto na forma como são encarados pelos meios de comunicação quanto pelas estatísticas oficiais. Os números em que se apóiam os ministérios para avaliar a evolução da “violência na escola” são o produto de uma construção política, que visa tornar visíveis certos problemas, até então enquadrados no âmbito da política oficial ou pensados em termos de “incivilidades”. [1]
Violência na escola/violência da escola
A categoria de “violências escolares”, como a de “violências urbanas”, é pouco nítida e de certa forma arbitrária: ela designa fenômenos heterogêneos que às vezes não têm nenhuma especificidade “escolar”, a não ser o fato de se produzirem no espaço da escola. Por outro lado, essa construção política baseada em números para avaliar a violência e a eficácia dos meios para combatê-la envolve, em grande parte, unicamente os representantes dos alunos. Nos documentos do Ministério da Educação, encontram-se estatísticas do tipo: “Em 1995, 24% dos alunos desta amostra pensavam que a violência estava presente em seus estabelecimentos. Em 1998, são 41% nesta situação”.
Esta falta de nitidez estatística mancha a pertinência da categoria “violência escolar”. Da satanização dos “jovens de subúrbio” à vitimização dos alunos, reina a maior confusão. À idéia segundo a qual uma política de segurança aplicada ao sistema educativo poderia substituir a política educativa, opõe-se uma visão que consiste em afirmar que a violência na escola é a violência da escola.
A escola substituindo o Estado
Apesar de aparentemente ser mais progressista, pois ressalta os “problemas” dos “alunos com problemas”, esta análise que imputa a “violência escolar” à escola e às práticas dos seus profissionais visa desculpar a política e a mascarar as violências que ocorrem hoje no mundo do trabalho — em particular o confinamento das “classes populares” a uma zona de exclusão social. O objetivo das propagandas governamentais é legitimar uma política de segurança no campo educativo: passa-se da idéia da luta contra as desigualdades sociais à da constituição da insegurança como problema social prioritário.
Ao mesmo tempo, a escola se tornou o bode expiatório que permite “explicar” o desemprego dos jovens das classes populares, como se a luta contra o fracasso escolar pudesse e devesse substituir a luta contra as desigualdades. E como se fosse igualmente possível a escola ter capacidade para neutralizar a violência pela qual uma parte dos grupos dominados respondem à violência que significa serem relegados sociais — violência essa que indevidamente se cobra dos profissionais da escola evitar, diminuir ou conter, apelando às forças da ordem. Confiar à escola a missão de manter uma coesão social que o Estado não é mais capaz de garantir só pode colocá-la em xeque. E, por sua vez, alimentar os discursos oficiais sobre a sua incapacidade de enfrentar os “desafios” que lhe são dirigidos.
A exaltação da competitividade
Os dois termos opostos — violência na escola (importada dos “subúrbios”/violência da escola (fracasso escolar decorrente de práticas pedagógicas obsoletas — constituem um sistema de pensamento fechado e voltado para si mesmo. A explicação dominante da violência na escola pela violência da escola tende a impor a idéia de que a delinqüência no interior do sistema escolar (agressões físicas ou verbais, roubos etc.) partiria de uma análise do funcionamento somente do sistema educativo e, em particular, de uma desordem interna nas equipes pedagógicas ou administrativas.
Desta forma, a visão de “classes perigosas”, reativada pela satanização dos subúrbios e dos colégios de subúrbio, aparentemente não se opõe à visão angelical e misericordiosa das populações desfavorecidas apenas por ignorarem que as classes populares podem desenvolver formas específicas de adesão ao modelo social dominante. [2] Não dá para imaginar como elas evitariam os valores de uma sociedade que tem como único ideal exaltar a competição, a rivalidade e a insegurança (inclusive profissional).
Gerindo “novos públicos”
A exaltação do sentimento de insegurança pelos meios de comunicação não podia senão incentivar o “reforço da parceria escola-polícia”. [3] Aumentando o sentimento de insegurança e apoiando-se em pesquisas que manifestariam as expectativas da “opinião pública”, justifica-se, assim, a presença na escola das forças da ordem. O Journal du Dimanche de 24 de janeiro de 2000, por exemplo, publica uma pesquisa segundo a qual “77% dos franceses aprovam a medida exemplar do plano Allègre”: o “reforço da parceria escola-polícia, autorizando a polícia a intervir no interior da escola a pedido dos chefes do estabelecimento”. Quatro meses depois, Le Parisien daria como manchete (em duas páginas): “Polícia na escola, 40% dos pais são favoráveis”. A leitura da pesquisa, no entanto, indicava que… 60% dos pais eram contra.
Além do crescimento de sua difusão pelos meios de comunicação, a popularidade do tema se explica de muitas maneiras. O destaque dado à “violência na escola” parece constituir-se num dos últimos recursos de que dispõem alguns educadores e pais de alunos para dizer que a situação escolar se tornou insustentável — na medida em que se tornaram permanentes as agressões, os escarros, insultos, ameaças e indisciplina, especialmente nos estabelecimentos mais desfavorecidos. Ou seja: existe uma ausência de regras na escola, o que é muito mais preocupante que a delinqüência. O tema da “violência na escola” é também, às vezes, um dos únicos meios de questionar uma política muito prematuramente chamada de “democratização”, que se contenta em gerir os fluxos de “novos públicos”, mesmo que aquela ausência de regras na escola não esteja unicamente ligada à insurreição de alunos originários do meio popular num sistema escolar do qual eram antes excluídos.
Indicadores pouco confiáveis
Esta insurreição fez-se acompanhar de uma redefinição da instituição escolar. A desescolarização progressiva da escola tende a transformá-la em local de gestão das populações desfavorecidas, e não mais num espaço onde se transmite o saber. Mesmo que oficialmente continuem muito elevadas — mais elevadas que antes, de qualquer forma — as exigências escolares com relação aos alunos diminuíram. O elo entre essas exigências oficiais e a avaliação dos conhecimentos adquiridos se distendeu consideravelmente, na medida em que orientações de tolerância dadas aos educadores permitem definir os objetivos de 80% dos alunos de uma classe para o vestibular.
Enquanto se comemora o crescimento do nível, acreditando em indicadores que dependem de sua metodologia de elaboração para serem realmente confiáveis, os professores do primeiro ciclo da universidade (nas matérias básicas) sabem que o número crescente de alunos que se tornaram universitários pode ter, ao mesmo tempo, passado no vestibular apesar de um fracasso escolar.
A ilusão da promoção social
Esta é umas das violências exercidas contra as populações mais pobres por aqueles que definem as finalidades da escola (e não somente pelos que a executam): é dado acesso a alguma coisa da qual o valor foi transformado e é disfarçada essa transformação, tomando por base os únicos indicadores oficiais disponíveis: notas, acesso a um certo “nível”, taxas de repetência etc.
Na verdade, os alunos cujo comportamento torna difícil a apropriação coletiva do saber compreendem, muitas vezes, que para eles é mais importante ficar na escola do que adquirir conhecimentos escolares. E que nada lhes é perguntado, exceto se são delinqüentes, e então “tratados” pelas forças da ordem. A força dessa política é tornar improvável a revolta dos que aparecem como beneficiários da desescolarização latente da escola. A defasagem entre a missão oficial de democratização da escola e sua missão efetiva de simples gestora do grande fluxo de alunos é um golpe inevitável nessa “ilusão promocional”. Isto é, o discurso visando a transferir para a escola as esperanças de promoção social que o político se recusa atualmente a assumir como sua responsabilidade — pois são incompatíveis com as escolhas neoliberais efetuadas na economia. Atribuir à escola a responsabilidade pelo desemprego encontra às vezes uma cumplicidade inesperada por parte dos que se deleitam com a demanda social da educação, sem perceber a que ponto a missão conferida à escola se tornou exorbitante. Aceitar tais exigências é participar da “ilusão promocional” que torna a escola detestável aos olhos de quem espera dela justamente o que ela não lhe pode fornecer (ou então somente o mínimo): um trabalho, um lugar na sociedade, uma identidade social.
O crescimento das desigualdades
O sistema de ensino tem sua própria responsabilidade na atual situação. Mas quem apenas questiona os educadores e a falta de coesão das equipes pedagógicas, oculta ou esquece uma situação contraditória (e explosiva) bastante atual: é no momento em que se pretende atingir 80% de aprovação no vestibular que a descolarização se torna maciça. Fazer como se a escola pudesse “garantir a promoção social de todos” seria admitir que a luta contra o fracasso escolar pudesse substituir as lutas sociais por uma distribuição mais igualitária das riquezas. Esperando que a escola faça o que ela não pode fazer (democratizar a sociedade), só podemos admitir sua indignidade e concluir que uma tal instituição merece o que está acontecendo com ela. A “escola republicana”, cuja a característica de perpetuar as desigualdades sociais não precisa nem ser demonstrada, foi substituída pela “escola-lugar para paliativos sociais”.
Não basta apelar aos poderes públicos nem à parceria entre instituições e coletividades territoriais para tentar resolver o problema. Isto nunca passará de um tratamento ex post das condições de ensino engendradas por um corte entre políticas escolares e políticas de moradia, que duplicou as desigualdades sociais pelas desigualdades locais, muito mais acentuadas na medida em que as famílias mais favorecidas sempre têm meios de escapar aos cortes do boletim escolar.
A ideologia dominante
Podemos duvidar da vontade dos poderes públicos de combater estes mecanismos sociais: é mais cômodo, neste período pré-eleitoral, fazer baixar os índices de desemprego, multiplicando os empregos-jovens na e