A política contra o capital
Confira contribuição inédita da professora Virgínia Fontes publicada em O essencial de Marx e Engels, antologia de três volumes que será lançada até o fim de novembro pela Boitempo. Os livros, organizados pelo professor italiano Marcello Musto, reúnem as mais importantes produções de Marx e Engels e contam com textos de apoio de Marilena Chaui, Jorge Grespan, Leda Paulani, Lincoln Secco e Alfredo Saad Filho, além da análise a seguir da professora Virgínia Fontes
O sociólogo Marcello Musto, é um grande estudioso da obra de Marx e teve rara fineza ao definir a seleção para os três volumes que compõem O essencial de Marx e Engels. Entre os destaques está a coerência e a fidelidade à obra e trajetória de Marx e de Engels, aliadas à sensibilidade para a extração de textos que incidem, por exemplo, sobre a relação do Estado com as religiões (Estado teológico), a censura, o livre comércio, a brutalidade das colonizações capitalistas, o racismo, a desigualdade de gênero, a violência e a guerra. Temas dramáticos em nossos tempos.
O fio condutor da política, na obra de Marx, é a luta pela emancipação humana do jugo de um modo de produção histórico – o capital e o capitalismo – que expande as classes trabalhadoras por sucessivas expropriações, mas as subordina na extração de mais-valor e enreda no fetiche e na ideologia; que se apresenta como “natural e racional”; e que no século XIX avançava em direção a todos os quadrantes do planeta. Não há defesa de uma humanidade abstrata: a redução violenta da esmagadora maioria da população à mera condição de livres e necessitados vendedores de força de trabalho converte-se na universalidade da luta humana contra o capital, contra as burguesias, seu Estado e seus acólitos.
A política em Marx afasta-se determinadamente de uma “ciência política” liberal ordinária. Ela se explicita como ciência efetiva, como conhecimento das modalidades históricas do ser social sob o capital, das lutas sociais e de classe, das formas organizativas da classe trabalhadora em direção à revolução. Envolve uma crítica radical da “razão” burguesa em todas as suas manifestações. Contrapõe-se a uma suposta “política” ou um Estado neutros, fios condutores da dominação de classes, legitimação e cilada para enredar os subalternos.
A crítica de Marx desmente que o Estado possa ser a expressão da Razão (Hegel), pois é a forma política da dominação econômica. Em outros termos, não está acima e separado da sociedade civil, mas é seu fruto, assegurando o aprofundamento da exploração de classes que nela reina.
Não se deve enganar o leitor: assim como a crítica da economia política, a crítica efetiva do Estado exige compreender que as massas vivem sob sua dominação, mas que também agem, atuam, reivindicam e conquistam vitórias. É preciso desvendar cada uma dessas conquistas, valorizando-as, ao mesmo tempo em que se evidenciam seus limites reais. Explicitar as contradições é um ponto crucial.
Não bastam as belas e emocionadas palavras com que alguns denunciam o Estado; é preciso entender (e sentir) que estamos imersos num processo sócio-histórico (e metabólico) e que é sob essa dominação que transcorrem as lutas de classes. Não escolhemos o terreno da luta.
A política e as lutas não se limitam ao Estado nem a suas instituições. Precisam enfrentá-lo, mas atingindo todo o arcabouço da vida social, a começar pela propriedade do capital. A institucionalidade estatal está contida na análise, mas não é o centro. Este é o da revolução, o da superação do capital e de seu Estado. A clareza do alvo revolucionário envolve a explicitação da necessidade de processos organizativos, do enfrentamento cotidiano das múltiplas formas de produção da subalternidade e da construção/socialização de um conhecimento ao mesmo tempo teórico e prático dos – e para os – trabalhadores. A exigência é da luta e da organização políticas contra a política e o Estado.
O livro incorpora passagens polêmicas, por exemplo sobre a colonização britânica da Índia, permitindo sua contextualização. Acompanha aprendizados de Marx ao longo do tempo, como a relação com o campesinato e as exigências derivadas das conjunturas das lutas – da Comuna de Paris ao crescimento da luta eleitoral –, sempre com o agudo fio revolucionário.
Virgínia Fontes é historiadora, doutora em Filosofia e professora de História na Universidade Federal Fluminense (UFF).