A “rebelião espontânea” de 1903
Em dezembro de 1999, o Panamá recuperou a soberania do canal. A Colômbia, no entanto, jamais recuperou o Panamá, província que lhe pertencia e lhe foi surrupiada por aventureiros internacionais em função de objetivos estratégicos comerciaisHernando Calvo Ospina
Em agosto de 1900, Bogotá via acenderem-se as primeiras lâmpadas elétricas sem que isso, entretanto, permitisse dizer que a Colômbia entrava no Século das Luzes. Muito pelo contrário, reinava o obscurantismo político. Exatamente um ano antes, iniciara-se uma nova guerra civil, declarada pela direção do Partido Liberal contra o clero católico e o Partido Conservador, instalados no poder1
A oligarquia, representada por esse trio, não parava de estimular o sectarismo que já havia minado as relações entre os setores humildes da sociedade como forma de aumentar e salvaguardar seus interesses.
Em 1901, os EUA aceitaram intervir na guerra civil na Colômbia, a condição de apoiar o lado que lhes oferecesse maiores vantagens na província do Panamá
Em 1901, não se via o fim de tal conflito; por isso, os dirigentes liberais e conservadores pediram ajuda ao governo dos Estados Unidos. Este aceitou com a condição de apoiar o lado que lhe oferecesse maiores vantagens na província colombiana do Panamá, istmo estreito separando o Oceano Atlântico do Oceano Pacífico. Washington, em plena corrida expansionista, precisava de um canal que lhe permitisse o rápido deslocamento de tropas e de mercadorias de um oceano a outro. Esta parte do istmo centro-americano era ideal, dado que apenas 50 quilômetros de terra separavam o golfo de San Blas do estuário do rio Chapo. O grupo governante aceitou imediatamente. Sem perder tempo, os fuzileiros navais desembarcaram no Panamá neutralizando as forças liberais. Em novembro de 1902, o armistício foi assinado no navio de guerra US Wisconsin.
Um tratado “de amizade e comércio”
Esse conflito, conhecido como a “Guerra dos Mil Dias”, deixou cerca de 100 mil mortos e mergulhou o país numa profunda crise cujas seqüelas seriam sentidas durante décadas. Porém, houve uma conseqüência imediata: a perda do Panamá.
Ao se tornar independente da Espanha, em 1821, o Panamá foi incorporado a Nova Granada, futura Colômbia. Isso não alterou as pretensões das potências européias de construírem o canal. Em 1831, a Holanda tentou estabelecer um contrato com a Colômbia. A partir de 1835, quatro empresários franceses apoderaram-se, um após outro, do projeto. Todos fracassaram: os mosquitos e as doenças tropicais não respeitaram nem aquele que tinha o apoio do Vaticano.
Em 1846, o governo colombiano assinou com o dos Estados Unidos um tratado “de amizade, comércio e navegação”, o qual dava aos segundos o direito de atravessarem o Panamá com suas mercadorias e sem grande protocolo. Três anos mais tarde, a Colômbia lhes dava uma concessão para a construção e a operação de uma ferrovia transoceânica que facilitaria encaminhar para Nova York o ouro descoberto na Califórnia. Em troca, e para fazer face à cobiça da Inglaterra e da França, o artigo 35 do tratado especificava: “Os Estados Unidos garantirão, positiva e eficazmente (…) a completa neutralidade do istmo já mencionado (…) e, por conseqüência, garantem, do mesmo modo, os direitos de soberania e de propriedade que detém [a Colômbia] sobre o referido território2“.
Corrupção, roubo e escândalo
Em plena corrida expansionista, Washington precisava de um canal que lhe permitisse o rápido deslocamento de tropas e de mercadorias de um oceano a outro
Em março de 1878, Lucien Bonaparte Wyse obteve “o privilégio exclusivo para a construção e operação” de um futuro canal pelo período de 99 anos. Convenceu seu compatriota Ferdinand De Lesseps, já famoso por construir o canal de Suez, a dirigir a obra. A Compagnie universelle du canal inter-océanique, encarregada de gerenciar o projeto e obter seu financiamento, além do apoio oficial conseguiu que, em um ano, mais de 100 mil franceses, na maioria assalariados, sustentassem o projeto comprando bônus emitidos pelo Estado.
Quase imediatamente, em março de 1880, o presidente dos Estados Unidos, Rutherford Birchard Hayes, tornou público seu desacordo em relação ao contrato franco-colombiano: “Nosso interesse comercial é, por si só, superior ao de todos os outros países, assim como são maiores as relações do canal com nosso poder e nossa prosperidade enquanto Nação (…). Os Estados Unidos têm o direito e o dever de afirmar e de manter sua autoridade de intervenção sobre qualquer canal interoceânico que atravesse o istmo”.
As escavações foram iniciadas em janeiro de 1882. Equivocadamente, De Lesseps decidira construir o canal ao nível do mar, sem levar em conta o terreno montanhoso: em julho de 1885, só um décimo do total estimado havia sido escavado. Diante desse desastre, substituíram-no por Gustave Eiffel, o construtor da famosa torre parisiense, que decidiu construir o canal na base de eclusas. A corrupção e o roubo do capital por alguns altos responsáveis em Paris e no Panamá deram o golpe de misericórdia no projeto. Em 1889, a construção do canal foi suspensa. Diante da impossibilidade de continuar escondendo o que se passava, o escândalo veio à tona e os tribunais assumiram o controle dos ativos da Compagnie Universelle. Na França, a pressão de todos os trabalhadores que haviam comprado bônus sobre o governo levou ao julgamento e condenação de vários diretores, inclusive De Lesseps e seu filho, no que se tornou conhecido como o “caso Panamá”, que respingou no próprio Eiffel. Enquanto isso, na Colômbia, o caso se transformou em sinônimo de roubo e infâmia, e a palavra “francês” passou a ser associada, popularmente, a ladrão.
Roosevelt “atropela” a Colômbia
Em 1846, o governo colombiano assinou com o dos EUA um tratado que dava o direito de atravessarem o Panamá com suas mercadorias e sem grande protocolo
Apesar disso, o governo colombiano assinou, em 1893, um novo contrato com a França para continuar a construção do canal, passando a encarregar-se dela uma certa Compagnie Nouvelle du Canal de Panamá. Os franceses designaram o advogado e lobbyista norte-americano William Nelson Cromwell como conselheiro. Em outubro de 1894, as obras foram retomadas. O acionista Philippe Bunau-Varilla decidiu apostar tudo no projeto. Publicou, na imprensa francesa, e particularmente no jornal Le Matin, que lhe pertencia, artigos destinados a incentivar os investidores. Com o apoio do ministro Casimir Perier, ele foi à Rússia, convencido de que ali encontraria apoio econômico, mas a crise política que levou o ministério francês à demissão, em maio de 1894, prejudicou a proposta. Pouco a pouco, as possibilidades de salvar o projeto foram diminuindo. Restavam apenas duas alternativas para a i
Hernando Calvo Ospina é jornalista.