Na capital da França, o embrião que deu ensejo à atual defesa enfática da abalada democracia brasileira veio à tona, primeiramente, no processo de gênese da Rede Europeia pela Democracia no Brasil, associação parisiense conhecida como RED.Br.
A formação da RED.Br se deu em meados de 2016, a partir da articulação de vários intelectuais, professores e atores/atrizes do meio cultural, desembocando na aliança de um dos membros do Movimento Democrático de 18 de março (MD18) e com boa parte dos membros da ARBRE (associação de Intelectuais que objetiva o desenvolvimento de pesquisas sobre o Brasil em solo europeu). Advogava-se, assim, a construção de um discurso contrário àquele propagado pela grande mídia brasileira e muitas vezes reproduzido por boa parte dos veículos hegemônicos da imprensa europeia no tocante ao processo de destituição da ex-presidenta Dilma Rousseff. Desse encontro, de denúncia e solidariedade quanto aos rumos políticos tomados àquela altura no Brasil, conglobaram-se tais sujeitos, originando a RED.Br.
Nesse contexto, franco-brasileiros e seus confrades de diferentes nacionalidades mobilizaram – e continuam a fazê-lo -, através da RED.Br, milhares de pessoas na França e em toda a Europa com o intuito de informar, alertar e debater sobre o que se passa nas terras politicamente conturbadas do outro lado do atlântico.
Nestes tempos espinhosos, repletos de episódios sócio-políticos alvoroçados e de difícil digestão para as pessoas que creem, lutam e desejam o mundo estabelecido nas veredas progressista e democrática, o papel das manifestações pela democracia brasileira vivenciadas num dos principais centros do mundo, imprimidas mediante eventos socioculturais variados, é um contraponto essencial para a ferrenha disputa do sentido político entre a civilização e a barbárie autoritária exemplificada infeliz e eficazmente pelo governo brasileiro vigente.
Homenagem à Marielle Franco
O ato mais importante realizado pela organização foi a campanha pela nomeação de uma passagem urbana com o nome de Marielle Franco, vereadora do PSOL-RJ, brutalmente assassinada em março de 2018, junto com seu motorista Anderson Gomes. A iniciativa, proposta e parlamentada no primeiro trimestre de 2019, veio logo depois da criação da ONG, funcionando como o carro-chefe propulsor das primeiras ações do grupo. O projeto acabou resultando na construção e inauguração do jardim Marielle Franco, localizado no décimo distrito de Paris.

A família de Marielle Franco esteve presente na inauguração de seu jardim. Além disso, atos e debates contaram com a participação de artistas, de intelectuais e de lideranças indígenas brasileiras, como a cacique Tanoné Também participaram de peças de teatro, conferências e exibição de filmes que denunciam a situação caótica com a qual se depara a sociedade brasileira, nome como Chico Buarque, Sebastião Salgado, Djamila Ribeiro e Jessé Souza.
Para Maud Chirio, cofundadora da RED.Br, historiadora especialista em extrema direita, exército, ditadura e sua memória “este momento deve ser consagrado para analisar a conjuntura”. De acordo com ela, a organização pretende continuar explicitando o que acontece no Brasil. ” Queremos crescer, estamos ampliando a frente de luta pela democracia brasileira. Deve haver uma continuação do papel de agitação pública e de ajuda à divulgação deste cenário nas diversas mídias e para o público francês e europeu, procurando, inicialmente, alastrar essa mobilização para o interior da França. É preciso, nesse sentido, continuar a análise do contexto brasileiro, que é cada vez mais complicado e mais difícil de ser lido por conta das brigas internas no seio do governo e da evolução complicada da cobertura dos veículos da mídia hegemônica brasileiros. Isso obscurece a leitura. O bolsonarismo, vale acrescentar, não tem mais a novidade que tinha meses atrás. Ele não está mais no centro das preocupações da opinião pública francesa. Nesse momento, na França, não se fala mais no Brasil. A mídia francesa se acostumou com a figura anômala do Presidente brasileiro; ela perdeu a sedução negativa da personagem. Agora as pessoas sabem que existe aquele ‘Trump dos Trópicos’. As loucuras que ele faz não tem mais o mesmo impacto. Precisa-se, então, renovar o interesse das pessoas, dando mais chaves de compreensão, mais elementos sobre a gravidade do que está acontecendo. Um outro elemento para esse esquecimento é que, na França, existe uma atualidade forte de contestação, de greve e isso ocupa muito o espaço midiático. Porém, nosso papel, enquanto especialistas do Brasil, enquanto ativistas preocupados com a democracia brasileira, é abraçar o país, prosseguindo com este gesto de preocupação a fim de atrair, crescentemente, a atenção da opinião pública e dos políticos franceses e europeus de maneira mais ampla.”
Cabe evocar, finalmente, que os intercâmbios vivenciados entre os dois países são históricos. De acordo com Anaïs Flechet, também historiadora e cofundadora da RED.Br, “as relações entre França e Brasil são muito antigas, elas tiveram períodos de maior intensidade com os exilados da década de 1960 e 1970, e muitos intercâmbios durante os anos 2000.” Os laços progressistas franco-brasileiros, portanto, em defesa da humanidade fincada nas bases do progresso civilizatório, voltam a se intensificar.
Neto Tavares é advogado, com especialização em direito constitucional e colunista do site Brasil 247. Com colaboração de Maud Chirio