A temível influência saudita nos EUA
Mornas durante o mandato de Barack Obama, as relações entre Arábia Saudita e Estados Unidos voltaram a esquentar com a ascensão de Donald Trump. Uma evolução surpreendente quando lembramos a virulência deste contra a monarquia wahabita antes das eleições, mas compreensível se considerarmos a eficiência do lobby pró-saudita norte-americano
A Arábia Saudita teve motivos para receber com inquietação a vitória de Donald Trump em novembro de 2016. Afinal, sua velha amiga Hillary Clinton não economizava elogios ao reino, que ela apresentava como uma força de paz e estabilidade, enquanto seu adversário republicano havia anos só falava horrores a respeito dele. Depois dos atentados de setembro de 2001, Trump acusou Riad de ser “o maior financiador de fundos mundial do terrorismo”: a monarquia petrolífera, escreveu ele, utiliza “nossos petrodólares – o dinheiro nosso – para financiar os terroristas que buscam destruir nosso povo enquanto os sauditas contam conosco para protegê-los”.1 Durante a campanha eleitoral, ele ameaçou bloquear as importações de petróleo saudita se o reino não intensificasse sua luta contra a Organização do Estado Islâmico (OEI).
No entanto, apenas sete meses após a eleição, o presidente norte-americano escolheu Riad para sua primeira visita oficial ao exterior. Mal chegado ao local, confirmou sua reviravolta diplomática pedindo uma mudança de regime no Irã e anunciando um contrato de US$ 110 bilhões de venda de armas – aos quais poderiam se acrescentar US$ 240 bilhões em contratos na década seguinte. É verdade que se pode duvidar da capacidade do governo saudita de honrar esse pedido, tendo em vista um déficit das contas públicas de 22% do PIB resultante da queda dos preços do petróleo – mas esse é outro assunto. Várias fontes na Casa Branca sugerem que esses contratos de venda de armas vão formar a base de uma futura “Otan árabe” destinada a combater ao mesmo tempo o Irã e a OEI.2
Reviravolta espetacular
Do furor à adoração em poucos meses – a reviravolta de Trump parece espetacular. Porém, ela não era totalmente imprevisível. De início, por causa do petróleo: apesar da revolução do gás de xisto, os Estados Unidos permanecem dependentes das bombas sauditas para adquirir 1 milhão de barris por dia. E também por interesses bem claros da indústria militar norte-americana: o apetite aparentemente insaciável de Riad pelos mísseis Patriot e por helicópteros Blackhawk representa um maná que seria imprudente negligenciar. A isso se junta um terceiro fator: o Irã, alvo de hostilidade por parte dos Estados Unidos e da Arábia Saudita (assim como de Israel), os quais o consideram a principal fonte de instabilidade no Oriente Médio. Enfim, existe um quarto motivo: a poderosa rede de simpatias norte-americanas que os sauditas pacientemente teceram ao longo dos anos, junto com outras monarquias do petróleo do Golfo.
Essa rede composta de think tanks e de centros de estudos, de empresas de advogados e consultores em relações públicas, conselheiros e lobistas teria recebido de Riad pelo menos US$ 18 milhões desde 2015. A soma pode parecer modesta diante dos US$ 130 bilhões por ano que o país percebe em receitas do petróleo, mas fornece um índice da facilidade com que os sauditas providenciam para si mesmos garantias contra o risco de desgraças.
Desde os ataques do 11 de Setembro, dos quais quinze dos dezenove autores (sem falar do próprio Osama bin Laden) eram de nacionalidade saudita, as relações entre os dois países esfriaram consideravelmente. A administração de George W. Bush limitou de início os estragos ocultando informações comprometedoras sobre o papel do governo saudita para ter mais condições de acusar Saddam Hussein. Sob a presidência de Barack Obama, em contrapartida, o entendimento entre os dois aliados sofreu sérios reveses. Na quinta-feira, 2 de outubro de 2014, o vice-presidente Joe Biden confessou diante de um conjunto de estudantes da Universidade Harvard: os sauditas, os turcos e os Emirados Árabes, disse ele em termos pouco diplomáticos, estariam “tão determinados a eliminar [o presidente sírio Bashar] Al-Assad que despejaram milhares de toneladas de armamentos sobre aqueles que lutavam contra ele, só que os beneficiários dessas entregas eram a Al-Nosra, a Al-Qaeda e os elementos extremistas dos jihadistas vindos de outras partes do mundo”.3
Em seguida, em julho, Washington colocou um termo no litígio relativo ao programa nuclear iraniano assinando um acordo histórico com Teerã, eterno inimigo de Riad. Em abril de 2016, em entrevista concedida ao mensário The Atlantic, Obama acusou os sauditas de apoiar o terrorismo sunita e sugeriu a eles que aprendessem a “compartilhar” o Oriente Médio com seus adversários iranianos. Três meses depois, a administração retirou o sigilo de um capítulo do relatório de inquérito parlamentar de 2002 sobre o 11 de Setembro que indicava que os líderes sauditas tinham doado fundos a pelo menos dois membros do comando envolvido e que em seguida obstruíram os procedimentos dos investigadores norte-americanos. Em setembro do mesmo ano, o Congresso, por uma esmagadora maioria, permitiu que os parentes das vítimas do 11 de Setembro fossem à justiça reclamar perdas e danos à monarquia saudita, indo de encontro ao veto colocado pelo presidente Obama a essa lei. Em outubro, o WikiLeaks divulgou um e-mail de 2014 no qual Hillary Clinton se queixava de autoridades da Arábia Saudita e do Catar, suspeitas de fornecer “apoio financeiro e logístico clandestino à OEI e a outros grupos sunitas radicais na região”.
A retórica antissaudita martelada por Trump durante a campanha eleitoral parecia, portanto, o ápice lógico de um divórcio já bem encaminhado. Até que um exército heteróclito de democratas, neoconservadores, agências de inteligência e outras figuras do “Estado profundo” se envolveu numa batalha ideológica para criar uma barreira a qualquer reaproximação com a Rússia e seus dois principais aliados na região, a Síria e o Irã.
Balançando com a acusação de ser um “candidato siberiano” teleguiado por Vladimir Putin, Trump tentou então se proteger apoiando-se em sua ala direita, rodeando-se de velhos falcões tão visceralmente anti-iranianos quanto antirrussos. Entre eles, o general da reserva do corpo de fuzileiros James Mattis, conhecido como “Mad Dog” (“Cachorro Louco”), indicado como ministro da Defesa, e o general H. R. McMaster, indicado para o posto de conselheiro de segurança nacional – o mesmo que declarou em 2012, em resposta a uma pergunta sobre as três ameaças mais graves à segurança norte-americana: “O Irã, o Irã, o Irã”.
Campanha de lobby
A partir do momento em que, no Oriente Médio, a Rússia e o Irã se tornaram os principais inimigos dos Estados Unidos, a Arábia Saudita logicamente retomou seu lugar de aliada favorita. O lobby pró-saudita contribui fortemente para isso ao difundir um fluxo constante de entrevistas, artigos e relatórios que pedem uma ação gradual em relação a Damasco e Teerã. Em 14 de novembro de 2016, o Conselho do Atlântico – um think tank que recebeu US$ 2 milhões em 2015 dos Emirados Árabes Unidos e de benfeitores próximos de Riad – convocou de sua aposentadoria o general David H. Petraeus, membro de seu conselho de administração, para denunciar uma “atividade iraniana maligna”; ele exortou o Exército a lançar operações de guerra no caso de o Irã violar o acordo de 2015, retomando seu programa de enriquecimento de urânio. Algumas semanas depois, o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), outro organismo influente regado com doações – US$ 600 mil em 2015 da parte de Riad e de Abu Dhabi –, enviou um de seus porta-vozes ao Congresso a fim de pregar o lançamento de “operações diretas e indiretas” para impedir o Irã de mandar armas para seus aliados na Síria e no Iêmen.
Por seu lado, o Centro para o Progresso Americano (CAP) – um think tank igualmente mimado pelos Emirados (US$ 1 milhão) e fundado pelo ex-diretor de campanha de Hillary Clinton, John Podesta, cujo irmão, Tony, está devidamente registrado como lobista pró-saudita – publicou um relatório exigindo que o governo intervenha na Síria se Al-Assad persistir em bloquear a entrega de “ajuda humanitária” nas zonas rebeldes. A lista seria incompleta se não se mencionasse a Brookings Institution (US$ 21,6 milhões de doações provenientes do Catar desde 2011 e pelo menos US$ 3 milhões dos Emirados desde meados de 2014), que, sem surpresa, batalha por sanções mais severas contra Damasco.
Essa campanha de lobby visa ao mesmo tempo atiçar a hostilidade em relação ao Irã, promover a Arábia Saudita e desacreditar qualquer ponto de vista dissonante. Ela se revela ainda mais eficaz quando entra em ressonância com a ofensiva antirrussa conduzida simultaneamente pelos democratas, o FBI e a CIA. Ela coincide também com os esforços dispendidos por Trump para dar uma prova de sua fibra neoconservadora enchendo o peito contra os adversários tradicionais de Washington no Oriente Médio. Apenas nove dias depois de tomar posse, ele ordenou um ataque militar contra um local no Iêmen apresentado como esconderijo da Al-Qaeda. Em 7 de abril, lançou uma chuva de mísseis Tomahawk sobre uma base aérea na Síria.
O lobby pró-saudita está completo. Mohammed Alyahya, especialista em contraterrorismo saudita membro do Conselho do Atlântico, explicou ao New York Times: “Atualmente, as pessoas estão exultantes no Golfo. É claro que Trump entendeu quais mudanças a potência norte-americana poderia promover e decidiu tirar partido disso”.4 No Washington Post, o colunista David Ignatius qualificou o bombardeio na Síria de “construtor de confiança”, pelo fato de que “aproxima uma administração errática dos pilares da política norte-americana tradicional”, antes de chamar o ex-conselheiro de segurança nacional de Obama, Tom Donilon, membro do diretório da Brookings Institution, para apoiar o retorno à razão de Trump.5 “Aprovo totalmente a intervenção na Síria”, respondeu Donilon. “Em relação à Rússia, à China e à Síria, há mudanças de política totalmente notáveis.”
Quando um jornalista simpático à Arábia Saudita precisa do comentário de um especialista, ele liga para um dos vários faz-tudo do lobby pró-saudita, que ficará feliz de interpretar para ele a partitura elaborada em Riad. O colunista do Washington Post David Ignatius é um bom exemplo de correia de transmissão entre grupos de interesse e o mundo dos meios de comunicação. Seus detratores o cobrem de apelidos como “apologista-chefe da CIA” e “líder de torcida da Arábia Saudita”. Em 23 de fevereiro, ele denunciou o domínio dos russos sobre o “espaço da informação”, antes de voar para Riad a fim de entrevistar Mohammed ben Salmane (“MBS”), o todo-poderoso vice-príncipe herdeiro do reino. “Contrariamente a tantos outros príncipes sauditas”, maravilhou-se David Ignatius em 20 de abril, “MBS não se formou no Ocidente, o que lhe permitiu preservar essa pura energia combativa que o faz ter sucesso entre os jovens sauditas.”6 Alguns dias depois, em 25 de abril, ele cumprimentou o “imperturbável” general Mattis por ter reunido em torno de si uma “sólida equipe de segurança nacional”, que se esforça para manter Trump na direção correta.
O papel do “governo das sombras”
Aplaudir Mattis, celebrar um príncipe saudita e associar a Rússia de hoje à União Soviética de ontem: um tríptico bem adaptado às expectativas do lobby dos falcões. Num texto publicado em 18 de maio de 2017 pelo New York Times, Ali Shihabi, diretor da Arabia Foundation, destaca que os sauditas veem em Trump um “aliado bem melhor” que seu antecessor, considerado “pronto a aceitar tacitamente os esforços do Irã para dominar o Oriente Médio”. Em 21 de maio, no The Hill, um boletim de informações políticas de Washington, Anthony Cordesman, figura do CSIS e defensor da rede pró-saudita em Washington, comentou a visita de Trump a Riad: “O presidente fez o discurso certo, no lugar certo, no momento certo. Haverá críticas sobre temas como os direitos humanos ou o Iêmen, mas o presidente tinha outras prioridades – e com muita certeza eram as corretas”. Frases amplamente retomadas pela imprensa, do Washington Post à CNN, passando pela Christian Science Monitor.
Ex-conselheiro do senador republicano John McCain, veterano do Pentágono, do Departamento de Estado e do Ministério da Energia, Cordesman tem sobretudo a reputação de ser um cientista sério, cujos trabalhos sobre o mercado internacional da energia são amplamente respeitados. É, portanto, um ótimo candidato. Ele soa ainda mais precioso para os assessores de imprensa da família Saud pelo fato de suas pesquisas se concentrarem sobre um único tema: o petróleo como recurso vital cada vez mais cobiçado, por causa, como ele escreveu em 2001, do “crescimento limitado das fontes de energia renováveis”. O Golfo Árabe-Pérsico, cujo subsolo guarda dois terços das reservas petrolíferas conhecidas no mundo, continuará sendo por um longo tempo um espaço geoestratégico de primeira importância, que convém manter sob controle custe o que custar. Eis aqui o tipo de argumento que vai direto ao coração dos apoiadores de uma política externa belicosa e mais ainda dos pró-sauditas, já que implica a falta de uma alternativa para a parceria entre Washington e Riad.
O lobby pró-saudita desfruta plenamente daquilo que a antropóloga Janine Wedel chama de advento do “governo das sombras”. Desde a revolução neoliberal dos anos 1980 e 1990, observa ela, as sucessivas administrações privatizaram meticulosamente as funções governamentais, terceirizando-as para “empresas, agências de consultoria, think tanks e outros prestadores de serviço não governamentais”. “Esses atores privados”, acrescenta, “estão envolvidos com o trabalho governamental, implicados em todos os aspectos da gestão dos negócios públicos, assim como na concepção, adoção e execução das leis.” Enquanto antigamente a aplicação das decisões federais era incumbência quase exclusiva dos agentes da função pública, hoje três quartos desse trabalho, medidos em termos de emprego, são confiados a contratantes externos. A prática era conhecida há muito tempo, mas ela se propagou como fogo depois dos primeiros anos da presidência de Bill Clinton (1993-2001).
Tal clima se revela ótimo para homens que não cessam de ir e vir entre think tanks, redações e escritórios ministeriais. Ele alimenta a prosperidade de uma cultura em estufa na qual apenas as ideias aceitas como válidas acabam sendo trocadas na mesa das luxuosas conferências patrocinadas pela Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e outras monarquias do Golfo. “Todo mundo quer ser convidado para a Brookings para dizer quanto os sauditas são geniais e por que devemos contar com eles para proteger nosso abastecimento de petróleo”, explica o historiador Toby C. Jones, autor de um livro sobre a história do reino.7 “Isso implica recitar as verdades oficiais, mas de que adianta espernear?
*Daniel Lazare é jornalista e autor de The Velvet Coup: The Constitution, the Supreme Court, and the Decline of American Democracy [O golpe de veludo: a Constituição, a Suprema Corte e o declínio da democracia norte-americana], Verso, Londres, 2001.