A Ucrânia entre a guerra e a paz
A derrota em Debaltsevo arruína as tentativas de reconquista militar contra os rebeldes do Donbass. Após um ano de fracassos, os dirigentes ucranianos tiveram de aceitar os novos acordos em Minsk. No entanto, a perspectiva de uma solução política durável, baseada no respeito às minorias e no diálogo com Moscou, pareceIgor Delanoë
Como a guerra na Ucrânia oriental estava retomando um caráter ofensivo em janeiro, os acordos posteriores de Minsk surgiram como fruto de esforços diplomáticos realizados in extremis. Seria preciso todo o peso da dupla franco-alemã para oferecer uma nova possibilidade de paz. A evocação por Washington no início de fevereiro de um possível fornecimento de armas sofisticadas aos ucranianos1 levou Paris e Berlim a lançar uma iniciativa no mais alto nível a fim de afastar um risco de escalada militar com a Rússia.
Mais de dezesseis horas de negociações foram necessárias para os representantes do “formato Normandia”2 – o presidente François Hollande, a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro ucraniano, Petro Poroshenko, e o presidente russo, Vladimir Putin –, reunidos em 12 de fevereiro na capital bielorrussa, chegarem a um compromisso. Contendo treze pontos e uma nota adicional, o Acordo de Minsk 2 permanece similar àquele de Minsk 1, assinado em 5 de setembro de 2014 pelos representantes da Rússia, da Ucrânia e das repúblicas autoproclamadas.3 O documento prevê, por um lado, a instauração e as modalidades de realização de um cessar-fogo nos dias seguintes à sua assinatura; por outro, medidas políticas que visam à manutenção da integridade territorial da Ucrânia (a Crimeia não foi citada) graças ao restabelecimento dos serviços do Estado e a uma reforma constitucional que teria como assunto principal a descentralização.
Os europeus têm dificuldade em reatar com a Rússia um diálogo por muito tempo negligenciado. As dificuldades de hoje têm suas raízes numa ausência prolongada de coordenação diante dos desafios colocados pelos países da sua “vizinhança compartilhada” (Ucrânia, Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Moldávia), que a crise ucraniana só aprofundou. Em maio de 2009, a União Europeia lançou sua parceria oriental por iniciativa da Polônia e da Suécia, dois Estados que mantêm relações historicamente espinhosas com a Rússia. Esse acordo deve estabelecer uma zona de livre-comércio a partir do final de 20154 excluindo qualquer outro tipo de acordo com Moscou, que, no entanto, compartilha com esses Estados um sistema de normas, assim como relações comerciais vitais.5 Diante dessa iniciativa, o Kremlin apresentou a União Euro-Asiática, da qual a Ucrânia deveria ser o elemento-chave.6 A Rússia se preocupa com a possibilidade de os países com os quais ela viveu uma história comum se aproximarem no plano estratégico da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e se fundirem economicamente no molde da União Europeia. Foi por isso que ela reivindicou ao mesmo tempo uma “zona de interesses privilegiados”, que os europeus e os Estados Unidos se recusaram a reconhecer. Vizinha oriental da União Europeia e “estranha próxima” da Rússia, a Ucrânia foi assim colocada no coração de um esquartejamento geopolítico que despertou suas polaridades leste-oeste.
Sob a pressão da queda
Essa disputa por influência criou as condições para uma crise cuja aceleração conduziu à guerra no Donbass. Os degraus da escalada são hoje difíceis de descer. Se europeus e norte-americanos ainda têm na mente o golpe da anexação da Crimeia em 18 de março de 2014 – que desencadeou a primeira onda de sanções –, Moscou considera que o ponto de não retorno remonta à mudança do regime, em 23 de fevereiro de 2014. Dois dias antes, graças à mediação dos europeus e na presença de um representante da Rússia, um documento de solução da crise havia sido concluído entre Viktor Yanukovich e os chefes da oposição ucraniana. Prevendo, sobretudo, o retorno a um regime parlamentar, assim como uma eleição presidencial antecipada, o acordo foi coassinado pelos ministros das Relações Exteriores alemão e polonês, Franz-Walter Steinmeier e Radoslav Sikorski. No entanto, no dia seguinte, Yanukovich se refugiou na Rússia e, em 23 de fevereiro, Alexander Turchinov, o presidente da Rada (o Parlamento ucraniano), foi nomeado interinamente. A Rússia reprova as garantias europeias do acordo de 21 de fevereiro não somente pelo fato de terem renunciado à sua aplicação, mas também por terem respaldado um golpe de Estado.
A crise conheceu uma virada decisiva no dia 17 de julho seguinte, quando um avião civil da Malaysia Airlines foi abatido acima do Donbass: o drama desencadeou uma nova onda de sanções que dessa vez atingiu a economia da Rússia. Em agosto, os reforços de “voluntários” e a ajuda russa salvaram os separatistas do Donbass de um fiasco militar que parecia inevitável. O sucesso da contraofensiva conduzida em seguida pelos insurgentes das repúblicas populares de Donetsk (DNR) e de Lugansk (LNR) levou as partes a se reunir na capital bielorrussa e a adotar, em 5 de setembro, os primeiros acordos de Minsk. Mas as hostilidades tinham apenas arrefecido, com nenhum dos lados tendo ficado satisfeito: uma região que abrigava 5 milhões de ucranianos escapava à autoridade de Kiev, e os territórios rebeldes não tinham futuro econômico pela falta de acesso ao porto de Mariupol, no Mar de Azov, e de domínio da malha ferroviária de Debaltsevo, situada a meio caminho entre Donetsk e Lugansk.7 A ausência de controle real dos acordos permitiu a retomada dos combates cada vez mais intensos em torno desses pontos nevrálgicos, bem como do aeroporto de Donetsk.
Minsk 2 é produto de temores europeus, tanto de um conflito maior no continente como do colapso militar, político e econômico na margem do qual se encontra a Ucrânia. Negando totalmente o desastre prometido para Debaltsevo, onde estavam cercados entre 6 mil e 8 mil soldados ucranianos no momento das negociações, o presidente ucraniano tinha de escolher entre continuar a perder a guerra ou assinar o documento. Nas horas que se seguiram, o Fundo Monetário Internacional (FMI) desbloqueou uma nova ajuda de US$ 17,5 bilhões. Para a Rússia, Minsk 2 foi a ocasião de ver reconhecida a fratura da Ucrânia ao longo da linha de cessar-fogo no Donbass e a única entidade capaz de fazer os insurgentes aceitarem um compromisso. Ao conseguir modificar permanentemente o equilíbrio das forças sobre o campo de batalha e obter um status especial para as regiões orientais, Moscou garantiu para si a possibilidade de ter um pé na porta para evitar que a Ucrânia venha a se juntar à Otan, como nos “conflitos gelados” da Transnístria e da Geórgia.
O objetivo primeiro do acordo permanece sendo impor – no maior dos ceticismos – uma interrupção dos combates. Ele só poderá durar se houver a retirada da artilharia pesada e a criação de uma zona de segurança de uma parte a outra da linha de frente da batalha de 10 de fevereiro de 2015 para o Exército ucraniano, e daquela de 19 de setembro para os insurgentes. A verificação da realidade do cessar-fogo e da retirada das armas pesadas deve ser assegurada pelos observadores da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), cujos efetivos passaram de 250 para 350 pessoas. As chances de sucesso de Minsk 2 permanecem limitadas, na medida em que nenhum dos beligerantes atingiu seus objetivos: Kiev não chegou a reinstaurar sua soberania nos territórios em mãos dos separatistas; os insurgentes não conseguiram consolidar uma ascendência territorial suficiente, capaz de corresponder aos oblastsde Donetsk e Lugansk, necessária ao apoio a suas reivindicações independentistas. Daí o temor de novos combates de forte intensidade em torno de Mariupol.
O acordo peca, além disso, por disposições difíceis de realizar concretamente no campo de batalha e pela fraqueza dos mecanismos de controle. O preço do sangue é impossível de esquecer para os soldados que combateram desde setembro para defender ou tomar menos de mil quilômetros quadrados. A durabilidade do cessar-fogo fica ainda mais incerta quando se pensa que nenhuma zona desmilitarizada está prevista no documento. Este também não contém medidas em favor da introdução de uma força de interposição, cuja composição teria levado a um novo tema de dissensão entre russos, ucranianos, separatistas e europeus. A retirada das unidades estrangeiras, dos mercenários e dos “grupos ilegais” do território ucraniano permanece muito difícil de colocar em prática e não está sujeita a nenhum calendário. Como um observador da OSCE conseguirá distinguir um insurgente de Donetsk de um “voluntário” russo, sendo os dois perfeitamente russófonos? Além disso, os batalhões privados no seio dos quais servem os milicianos croatas, poloneses e bálticos operam no campo de batalha com o Exército ucraniano, mas só obedecem a Kiev de maneira muito imperfeita. Eles seguem motivações ideológicas ou são financiados por oligarcas, entre os quais Igor Kolomoisky, o magnata de Dnipropetrovsk.
Minsk 2 se arrisca também a encontrar dificuldades de se fazer aceitar pela Rada, na qual os deputados ucranianos têm até 14 de março para adotar uma resolução sobre a delimitação dos territórios do Donbass afetados pelo status especial. Tal resolução tinha sido votada em 16 de setembro de 2014, mas nunca foi aplicada. No quadro de uma descentralização que concederia a esses territórios uma forma de autonomia linguística, econômica e em termos de previdência social, esse status permitiria a criação de forças policiais que lhes seriam próprias. Sobre esse ponto, o diálogo político se anuncia difícil, tanto entre os beligerantes como no seio do governo ucraniano, no qual os mais belicistas, sobretudo o primeiro-ministro, Arseny Iatseniuk, e o ministro do interior, Arsen Avakov, ainda chamam para uma vitória completa sobre os separatistas. Desde a assinatura do Minsk 2, muitas vozes em Kiev se elevaram para criticar o documento, em particular aquelas do chefe do partido de extrema direita Praviy Sektor, Dmitri Iaroch, que declarou não reconhecer o acordo, e a do ministro das Relações Exteriores, Pavel Klimkin, que afirmou que a Ucrânia não tinha de forma alguma a obrigação de realizar uma reforma constitucional nem de conceder maior autonomia ao Donbass. Além disso, enquanto Poroshenko lembra desde a adoção do Minsk 2 que a federalização da Ucrânia não estava na ordem do dia, os insurgentes continuam por seu lado a reivindicar a independência.
A emboscada do gás
Às dificuldades de ordem política vêm se juntar os desafios econômicos. A Ucrânia deve tomar a seu encargo a reconstrução das regiões destruídas pelos combates e restabelecer o pagamento das contribuições sociais interrompido por iniciativa de Poroshenko em novembro de 2014. Após uma recessão de 8,2% em 2014 e com cerca de 25% de inflação, a Ucrânia terá grandes dificuldades em assumir esse fardo.
Se o documento principal do Acordo de Minsk 2 reproduz várias imperfeições de Minsk 1, a declaração comum8 que o acompanha deixa entrever alguns pontos positivos. A Rússia, a União Europeia e a Ucrânia se empenham em trabalhar na questão do gás, que não deixará de ser colocada novamente a partir de abril de 2015 e da expiração do “pacote de inverno”.9 A salvação econômica poderia então se tornar um campo de reaproximação. Além disso, os europeus parecem levar em conta as preocupações russas nascidas da assinatura do acordo de livre-comércio entre a União Europeia e a Ucrânia. O reconhecimento, nos pontos adicionais de Minsk 2, da autodeterminação linguística de uma parte do Donbass e do direito desses territórios de desenvolver uma cooperação com a Rússia testemunha igualmente a construção tímida de uma solução política.
O cessar-fogo poderá se instalar se os batalhões ucranianos mais radicais evitarem as preocupações e se Moscou conseguir refrear a tentação dos separatistas de fazer valer sua vantagem no campo de batalha. Em seguida, o essencial das responsabilidades retornará para Kiev. A União Europeia poderia fazer pressão sobre a Rada para ajudar o presidente Poroshenko a colocar em marcha um difícil processo que corre o risco de deixá-lo em uma situação perigosa em relação à suas promessas eleitorais e a uma parte de seu governo. Washington, relegado a um segundo plano diplomático, dispõe também de alavancas sobre o Parlamento ucraniano, sobretudo por meio do primeiro-ministro Iatseniuk, e poderia contribuir para a aplicação dos acordos. Essas potências seriam encorajadas pela Resolução n. 2.202, adotada por unanimidade no Conselho de Segurança da ONU, em 17 de fevereiro. Solicitando a total aplicação dos acordos de Minsk, esse texto reafirma sua ligação ao “pleno respeito pela soberania e a integridade territorial da Ucrânia” – uma maneira discreta de endossar a anexação da Crimeia.
Igor Delanoë é doutor em História e professor do Colégio Universitário Francês de São Petersburgo.
1 Visivelmente, tratava-se de fornecer mísseis antitanques Javelin.
2 Em referência ao encontro diplomático que aconteceu em 6 de junho de 2014 entre os quatro líderes, paralelamente às comemorações do desembarque na Normandia.
3 Esse acordo foi completado por um memorando assinado em 19 de setembro de 2014 pelas mesmas partes.
4 A instalação de uma zona de livre-comércio entre a Ucrânia e a União Europeia está prevista para 31 de dezembro de 2015.
5 Ler Julien Vercueil, “Aux racines économiques du conflit ukrainien” [Nas raízes econômicas do conflito ucraniano], Le Monde Diplomatique, jul. 2014.
6 Ler Jean Radvanyi, “Moscou entre jeux d’influence et démonstration de force” [Moscou entre jogos de influência e demonstração de força], Le Monde Diplomatique, maio 2014.
7 Ler Laurent Geslin e Sébastien Gobert, “Veillée d’armes au Donbass” [Véspera de batalha no Donbass], Le Monde Diplomatique, dez. 2014.
8 Disponível no site da Embaixada da França na Bielorrússia: .
9 Assinado no final de outubro de 2014, o acordo vale de 1º de novembro de 2014 a 31 de março de 2015. O pagamento ocorre adiantado para o mês seguinte, enquanto a Ucrânia paga à Rússia cerca de US$ 3 bilhões de dívida atrasada.