À velocidade da Internet
Quando os jornalistas subordinam a missão de informar bem à de ganhar audiência – e, dessa forma, aumentar os lucros dos proprietários das empresas – o resto é conseqüência. E o resto aconteceuSerge Halimi, Loïc Wacquant
Há alguns meses, ao invés de lembrar as originalidades do processo eleitoral norte-americano – sua natureza pouco representativa -, a imprensa, mesmo aquela tida como séria, preferia analisar as características pessoais dos dois principais candidatos: um, mais “complexado” e “descontraído”; o outro, mais “cretino” e “arrogante”. Os estalos de um sistema acabaram se sobrepondo à choradeira piegas do banal tratamento people.
No ultimo mês de setembro, a maioria dos meios de comunicação se maravilhava: “Hoje em dia, a política norte-americana evolui à velocidade da Internet.” [1] Um mês após o encerramento das urnas de votação, ainda não se conhece o nome do próximo presidente dos Estados Unidos. Porém, foi “à velocidade da Internet” que os meios de comunicação norte-americanos anunciaram um resultado, para depois o desmentirem, e depois anunciaram outro e uma vez mais o contradisseram.
“Temos que ser competitivos!”
Howard Kurtz, um jornalista do Washington Post, interpelou os autores desses erros: “Esse sistema de cálculo muito rápido dos resultados em cada Estado talvez se explique, principalmente, pela avidez dos meios de comunicação em serem sempre mais sensacionais que os outros. Afinal, poderia esperar-se que cada voto fosse contado. Seria menos espetacular, mas ninguém se enganaria.” O que levou Sam Donaldson, jornalista-vedete da emissora ABC, a deixar escapar um desabafo: “Nós temos que ser competitivos! É a concorrência que faz girar o nosso sistema capitalista. Se você tiver outra alternativa a propor – o comunismo não funciona -, sou todo ouvidos. Eu adoro o Dan Rather (apresentador do jornal da emissora CBS), mas sempre que nos encontramos, tento esmagar a cabeça dele: nós somos concorrentes! E é isso que nos excita. Se, na ABC, disséssemos ’Vamos deixar de fazer projeções, e esperar que os resultados estejam matematicamente corretos’, na próxima vez ninguém iria ligar no nosso canal.”
Mas Sam Donaldson havia dito o principal. Quando os jornalistas subordinam a missão de informar bem à de ganhar audiência – e, dessa forma, aumentar os lucros dos proprietários das empresas [2] – o resto é conseqüência. E o resto aconteceu. Entre as 2h16 minutos e as 2h20, alimentadas pelos mesmo serviço de projeção dos resultados, as cinco grandes redes de informação -a Fox, em primeiro lugar, e a ABC por último – anunciaram a eleição de George W. Bush. Albert Gore chegou a felicitá-lo. Jacques Chirac também o fez, talvez para não ser “atropelado” pela “concorrência” de Lionel Jospin. No Estado de Washington, a eleição de um senador poderia determinar a maioria no Congresso. Também ele, foi “eleito” rápido demais: duas semanas depois, ainda se ignorava quem seria o titular.
O “furo” que abalou Bush
Não se trata de erros retificáveis. Quando uma eleição é apertada, essas projeções – que são tornadas públicas durante a votação – podem afetar o índice de participação. Na Flórida, por exemplo, os condados mais republicanos, situados no Oeste, têm um fuso horário diferente daquele dos condados do Leste. Portanto, ainda não tinha sido concluída a operação eleitoral quando uma emissora, e depois outra, e depois mais outra, “projetaram” a vitória de Albert Gore no Estado. Um “furo” desses pode ter custado alguns milhares de votos a Bush.
Quando, algumas horas mais tarde, a Fox anunciou a vitória do candidato republicano, foi a partir de uma – nova – estimativa, agora com a inclusão do voto da Flórida. Essa estimativa foi feita, prematuramente, por um tal de John Ellis Bush. No ano passado, e