A vergonha e a fome
Plenamente integrado ao complexo agroindustrial, o auxílio alimentar constitui a parte do pobre, aquela que ninguém quer, mas que muitos, nos dias de hoje, conseguem monetizar
Outrora, via-se virtude nisso. Antes de obter migalhas, os indigentes deviam sentir a ignomínia da mendicância. Eram obrigados a disputar espaço, às cotoveladas, nos locais de caridade; a esperar, no frio, sob o olhar cheio de desprezo dos transeuntes. Com isso, eles procurariam se erguer, sair de sua condição. Não há mais quem defenda essa “pedagogia da vergonha”, que conheceu seu momento de glória no século XIX. Os serviços sociais e as organizações de caridade atualmente trabalham para restaurar a “autonomia” e a “dignidade” dos desvalidos, graças a mercearias sociais e supermercados solidários que oferecem uma aparência de liberdade ao propor a escolha entre alguns produtos pouco apetitosos. Aplicativos chegam a conectar diretamente requerentes e comerciantes, a fim de “evitar em estudantes ou trabalhadores pobres o estigma e a vergonha que sentem ao se dirigir aos centros de socorro alimentar” – como se gabam dois pesquisadores que sonham em contribuir…