A versão SPIP
A pequena parcela de independência tecnológica conquistada pelos países e grupos sociais que vêm desenvolvendo e adotando os ’softwares’ “livres”, como o SPIP, correrá riscos com o pedido de reconhecimento de patentes de informáticaPhilippe Rivière
Existe um ponto em comum entre sites da Internet tão distintos quanto o da Act Up-Paris e o da “missão isolamento” de Christine Boutin, ou o site do governo de informações sobre aposentadorias, ou o do Fórum Social Europeu, ou ainda o do Monde diplomatique. Todos eles funcionam graças ao SPIP, um software de edição desenvolvido por Arnaud Martin, Antoine Pitrou e o autor destas linhas, com o apoio de dezenas de colaboradores que trocam suas “receitas” e seus códigos pela rede.
O programa não se destina a profissionais da informática, mas a qualquer pessoa que deseje se expressar na Internet. É bastante maleável, como demonstra a diversidade de “sites SPIP” listados1 . Tem, principalmente, a particularidade de ter nascido de um projeto mais político do que técnico e continua impregnado de valores que seus criadores julgam defender. Por exemplo, em vez de propor hierarquias complexas entre as pessoas que visitam um site (curiosos, redatores, editores, revisores, artistas gráficos etc.), o SPIP insiste na responsabilidade de cada uma delas. A ajuda e a documentação – muitas vezes omitidas neste tipo de projeto – são feitas para acompanhar os iniciantes, facilitando o modo de se expressarem on line sem dependerem de um “profissional”.
O êxito deste software gratuito, desenvolvido sem fins lucrativos, incomoda interesses e desperta apetites. Mas o programa é protegido por um contrato (uma autorização para uso público) que o coloca a salvo de eventuais tentativas de apropriação ou privatização. Submetendo-o a tal contrato, os criadores do SPIP dão a qualquer usuário a liberdade de ler o código e modificá-lo, assim como o direito de o distribuir, mediante uma única condição: a de que o programa distribuído ofereça a
seus usuários as mesmas liberdades.
n t
Ao invés de proteger os bens públicos mundiais, a Lei se transformaria, neste caso, numa espada de Dâmocles, ao reforçar a influência dos oligopólios
Paira um risco sobre seu futuro, assim como sobre todos os softwares “livres”: o reconhecimento, pela Comissão Européia, em Bruxelas, de patentes informáticas, os colocaria, na prática, sob a ameaça de empresas de informática “proprietárias”. Isto porque as empresas que já detêm milhares de patentes informáticas nos Estados Unidos e no Japão poderiam forçar o reconhecimento e a adoção delas na Europa, enquanto os “pequenos produtores” de softwares não têm os recursos financeiros nem o desejo de dispor de patentes para proibir outros de utilizarem suas inovações.
Ao invés de proteger os bens públicos mundiais, a Lei se transformaria, neste caso, numa espada de Dâmocles. Ao reforçar a influência dos oligopólios – para os quais o contrato de autorização de uso público é tão contagioso como um vírus – ela despedaçaria essa pequena parcela de independência tecnológica conquistada pelos países e grupos sociais que vêm tentando se libertar de sua dominação.
A próxima versão do SPIP será multilingüe (o programa já é traduzido para idiomas como o árabe, o crioulo falado na Ilha de Reunião, o inglês, o dinamarquês, o esperanto etc.). Em termos de Internet, a “diversidade cultural” – a “menina dos olhos” dos simpósios sobre a “sociedade da informação” – só poderá vir a existir se todos ousarem participar.
(Trad.: Jô Amado)
n t
1 – A lista, assim como a docu