A virada do concílio Vaticano II
A grande transformação católica e os valores que incomodam os tradicionalistasMichel Cool
Para a surpresa de todos, no dia 25 de janeiro de 1959, o papa João XXIII convocou um concílio. O anterior havia sido realizado em 1870. O concílio Vaticano I, traz impressa a marca de Pio IX, o papa do Syllabus [1] e do dogma da infalibilidade pontifícia. Esse tempo deixou a amarga lembrança de um catolicismo no exílio e na defensiva, de uma igreja desdenhosa do mundo. O anúncio de um novo concílio, qualificado de ecumênico e dedicado à conciliação da igreja com “todos os homens de boa vontade”, suscitou uma grande esperança.
O concílio Vaticano II teve início no outono de 1962, encerrando-se em dezembro de 1965, já com o papa Paulo VI, que sucedeu João XXIII, consumido por um câncer no estômago, em junho de 1963. O “bom papa João” teve somente tempo de dar o tom da partitura que se executava em Roma. Em sua célebre encíclica Pacem in terris (Paz na terra), ele declara que a igreja não deve, como fez no passado, condenar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; ela precisa, ao contrário, apoiar sem reservas os princípios de igualdade, justiça e liberdade promovidos pelo próprio Cristo em seu famoso Sermão da Montanha (Mateus 5-7).
Liberdade religiosa, diálogo ecumênico, crentes iguais
Cerca de 2.500 bispos presentes, vindos dos quatro cantos do mundo, votaram em Roma toda uma bateria de decisões que renovavam profundamente o perfil da Igreja e a prática dos fiéis. Eles proclamaram o direito da pessoa humana à liberdade religiosa. Em um texto surpreendente, reconheceram os valores contidos em outras religiões e chamaram seus fiéis ao diálogo com elas; de forma especial, com o judaísmo, que tanto sofreu com o anti-semitismo cristão. Os bispos não mais definiam a Igreja como uma estrutura hierárquica, mas como um conjunto de crentes iguais entre si. A primazia do papa fica inalterada, mas os bispos, os clérigos e os laicos são convidados a se engajar mais na vida e na missão da Igreja. A colegialidade é representada pela internacionalização da cúria romana, o governo central.
No entanto, o indicador mais visível da mutação católica é mesmo a reforma litúrgica. A relegação do latim, em benefício das línguas vernáculas, desperta a oposição do monsenhor Lefebvre e de uma minoria tradicionalista. Mas estes contestam, na verdade, o espírito de abertura e reforma do concílio. Resultou que este concílio não teve a liberdade de resolver três questões ainda sem resposta: a autoridade papal, o casamento dos sacerdotes e os divorciados que voltam a se casar.
Tradução: Leonardo Abreu
Michel Cool é jornalista e autor, entre outros livros, de Messagers du silence, Paris, Albin Michel, 2008.