A voz pálida da França
Análise da mudança silenciosa, porém muito preocupante, da diplomacia de Paris. Uma reaproximação com Washington, e uma atitude hostil ao Islã, podem reforçar o risco de uma confrontação entre Ocidente e mundo árabeAlain Gresh
Um observador que deixasse o planeta na primavera de 2003, enquanto a “coalizão” lançava suas tropas em assalto a Bagdá, e retornasse hoje, não entenderia o que está acontecendo. A popularidade da diplomacia francesa estava então no seu ápice, principalmente no mundo árabe e muçulmano. Paris parecia ser a testa da oposição anti-norte-americana que mobilizava a esmagadora maioria da opinião mundial e de Estados tão diversos como a Alemanha, o Vaticano, a Bélgica, o México ou a Indonésia. O presidente Jacques Chirac podia se orgulhar, pelas posições que assumiu, de ter evitado que a guerra do Iraque se transformasse em “guerra de civilizações”.
Na primavera de 2006, o “mundo ocidental” parece ter reencontrado sua unidade. Pressões contra o Irã e a Síria, luta contra o terrorismo, normalização no Iraque, sanções contra o governo palestino eleito (ler “Encrizilhada Palestina”, Le Monde Diplomatique junho de 2006)… Sobre todos esses processos, Paris, Washington e a União Européia andam lado a lado. “As nações democráticas e civilizadas redescobriram que tinham interesses comuns numa região marcada por um conjunto de ameaças”, analisou um diplomata ocidental em Washington.
Vista do Sul ? o mundo árabe principalmente ? a notícia namoro entre o Palácio do Eliseu e a Casa Branca tem sabor de fel, o da “infidelidade”. Mesmo que as apreensões mostrem-se atenuadas, no momento, pela estatura do presidente Chirac, que soube manter no Oriente Médio uma popularidade que está se dissipando na França. O país não está mais a salvo das críticas, nem mesmo de ações violentas, até aqui inconcebíveis. E a questão começa a afligir as mentes: o país do general de Gaulle deveria se tornar um país ocidental como os outros?
A crise iraniana fortalece essas apreensões. Seus ingredientes fazem recordar o que tornou possível a guerra do Iraque: um programa de armas de destruição em massa “clandestino”; um país que pertence ao Eixo do Mal; um desafio petroleiro considerável… Mas, dessa vez, a França encontra-se ao lado dos norte-americanos. “Desde julho de 2002, quando de sua primeira visita como ministro dos assuntos exteriores, Dominique de Villepin havia tentado alertar os Estados Unidos contra o perigo iraniano”, insiste um dos diplomatas franceses responsáveis pelo processo. “Mas seus propósitos caíram por terra, o governo Bush estava mobilizado pelo Iraque. Em abril de 2003, chegamos a convencer El-Baradei, diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), de que as informações sobre o programa nuclear clandestino iraniano, fornecidas principalmente pelos Estados Unidos, eram verdadeiras. Portanto, não seguimos os norte-americanos, pelo contrário.”
Crise com Irã: momento de virada?
Se a apreensão em Paris sobre o futuro da arquitetura do desarmamento e principalmente do tratado de não proliferação (TNP) é real ? o Oriente Médio é vizinho da Europa ?, outras razões também levaram a França a considerar o processo como prioritário. Em primeiro lugar, a hostilidade do presidente Chirac contra o Irã: foi ele que inaugurou as relações com o Iraque de Saddam Hussein nos anos 1970 e, como François Mitterrand, apoiou o regime “laico” de Bagdá contra a “revolução islâmica”.
Além disso, o chefe do Estado francês viu no processo iraniano o momento de restabelecer suas relações com a Casa Branca, estremecidas na primavera 2003. Aliás, é nesse momento que a França, junto com Grã-Bretanha e Alemanha, compromete-se mais ativamente junto de Teerã. Os três países europeus (UE-3), aos quais se associou Javier Solana, então secretário geral da União da Europa e alto representante para a política externa e de segurança comum (PESC) obtiveram, em 21 de outubro de 2003, uma suspensão provisória, por Teerã, das suas atividades de enriquecimento de urânio, ainda que legais. Mas os responsáveis iranianos insistem no seu “direito inalienável” ao controle do processo nuclear. Em 18 de dezembro de 2003, para provar sua boa vontade, Teerã assinou o protocolo adicional ao TNP, que permite à AIEA organizar inspeções inesperadas e completas em suas instalações nucleares.
Inicialmente, Washington mostrava-se reticente diante dessas iniciativas. No começo de 2005, no entanto, com a chegada de Condoleezza Rice à secretaria de Estado e as dificuldades crescentes no Iraque, a Casa Branca decide jogar a carta européia. O momento decisivo concretiza-se em Bruxelas, em fevereiro de 2005, quando da visita do presidente George W. Bush. A União Européia obtém o apoio de Washington em seu diálogo com o Irã. O governo norte-americano obtém, em troca, o direito de olhar sobre as propostas européias: nenhum enriquecimento de urânio, mesmo experimental, será autorizado em Teerã.
No verão de 2005, com atraso, devido às exigências de Washington, a UE-3 formula suas propostas para Teerã: em troca de algumas peças de substituição da Boeing [1], da possibilidade de aderir à Organização Mundial do Comércio (OMC) e da promessa de ajuda no desenvolvimento de seu programa nuclear civil, Teerã é solicitada a renunciar a toda forma de enriquecimento de urânio. Como era de esperar, essas ofertas ? “uma bonita embalagem de presente para uma caixa quase vazia”, de acordo com a opinião de um diplomata europeu [2]? suscitam uma recusa ainda mais firme do que uma oferta bem mais detalhada feita por Teerã e que a União Européia rejeitou sem rodeios [3]. Quando de seu encontro, em setembro de 2005, nas Nações Unidas com o presidente Mahmud Ahmadinejad, os representantes da UE-3 vêem-se contestados sem diplomacia: “Vocês são simples agentes. Traga-me seu mestre americano.”
As ambições e os temores do Irã mostram uma certa racionalidade. Herdeiro de um império, orgulhoso de sua história, o país aspira a desempenhar um papel regional. Não esquece as múltiplas ingerências das quais foi vítima, da deposição do primeiro ministro Mohamed Mossadegh, em 1953, por um golpe de Estado fomentado pela CIA, à invasão iraquiana em 1980. Nesta guerra, Bagdá não hesitou em empregar armas de destruição em massa (químicas) sem que nenhum governo ocidental protestasse, pelo contrário… Paris e Washington não tiraram o seu apoio, incluindo militar, ao presidente Saddam Hussein. As tentativas de desestabilização continuaram e ainda continuam, com o voto em 2006 pelo congresso estadunidense de 75 milhões de dólares de ajuda à oposição iraniana. É surpreendente que Teerã procure, além da questão nuclear, garantias de segurança [4]?
A oportunidade que a França perde
A diplomacia francesa afirma ter em conta essas aspirações iranianas. No entanto, tais alegações suscitam algum ceticismo. “Aqueles que geram o processo são especialistas em desarmamento” ? explica um diplomata arabista ? “que têm apenas uma vaga compreensão da história da região, do lugar do Irã, dos temores dos seus líderes. Eles consideram o nacionalismo iraniano como a quinta-essência do mal e não são desprovidos dos preconceitos culturais do orientalismo. Encaram sem ânimo as sanções contra o Irã que golpeiam, na verdade, empresas que ali estão implantadas, como Total ou Renault.”
Por outro lado, a França, querendo a todo custo obter apoio de Washington, não deixou ao presidente Bush um direito de veto sobre toda negociação? Ora, o atual governo norte-americano é muito dividido sobre o Irã. Alguns de seus membros preconizam uma intervenção militar; outros parecem, por um instante, mais reservados (ler “Fraqueza, declínio e… guerra”, Le Monde Diplomatique, junho de 2006). A saída do debate dependerá muito da evolução da situação no Iraque e da política interna norte-americana, também dos preconceitos ideológicos…
Na primavera de 2003, Teerã propôs negociar com os Estados Unidos. A oferta, endossada pelo aiatolá Ali Khamenei, incluía a energia nuclear e incluía uma possibilidade de interromper o apoio ao Hamas e ao Hezbollah [5]. De acordo com Lawrence Wilkerson, chefe de gabinete de Colin Powell na época, “a trama secreta (dos conservadores) obteve o que queria: nada de negociações com Teerã”. Paris deve permanecer prisioneiro das tramas de Washington?
Na primavera de 2006, a estratégia européia e norte-americana está num impasse. Teerã retomou suas atividades de enriquecimento de urânio. Os controles extremamente rigorosos exercidos pela AIEA sobre a energia nuclear iraniana foram limitados por Teerã. Pequim e Moscou recusam a adoção de sanções contra o país. Após ter dito e repetido que suas propostas do verão de 2005 eram pegar ou largar, a UE-3 redigiu, a pedido de Washington, uma nova oferta, cujas possibilidades de aceitação por Teerã são mínimas. A única saída para a crise reside numa negociação direta entre Washington e Teerã. É o que manifestam Kofi Annan, a Alemanha e a Grã-Bretanha. O conselheiro diplomático de Chirac, Maurice Gourdault-Montagne, afirmou recentemente que estava na hora de Washington “lançar este diálogo [6]”. Mas os Estados Unidos se recusam e persistem em empurrar ao confronto e à imposição de sanções.
A guerra está a caminho? “As chances são poucas: 40% a 50%”, confia, sem rir, um analista norte-americano de Washington. Enquanto Berlim e Londres [7] excluíram esta via, o debate continua aberto em Paris. Dominique de Villepin rejeitou qualquer ação militar [8]; outros dirigentes afirmam, reservadamente, que “todas as opções estão sobre a mesa”. E o presidente francês explicou, em 19 de janeiro de 2006, num discurso sobre a doutrina nuclear francesa, que “os líderes de Estado que recorrerem a meios terroristas contra nós, e também os que tencionariam utilizar, de uma maneira ou de um outra, armas de destruição em massa, devem compreender que se exporiam à uma resposta firme e apropriada de nossa parte. Esta resposta pode ser convencional, mas também pode ser de outra natureza”. Apesar dos “esclarecimentos” fornecidos posteriormente, não é surpresa que tais declarações tenham suscitado uma forte apreensão em Teerã.
Dedo do “partido norte-americano”
A França alterou a política para o Oriente Médio, depois dos discursos contra a guerra do Iraque de seu então ministro dos assuntos exteriores, Dominique de Villepin, que arrancavam aplausos na séde das Nações Unidas? A “desordem iraquiana” parece bem distante e, no entanto, permaneceu no espírito das instâncias de decisão francesas, assustadas pela sua própria audácia. Apoiada na opinião da esmagadora maioria dos cidadãos, a posição de Paris contra a guerra no Iraque defrontava-se com uma tradição de amizade e de cooperação com os Estados Unidos, que o gaulismo mantinha. Outros interesses estavam também em pauta. “Precisamos de Washington em uma série de setores”, reconhece um diplomata francês. “Tanto para obter a construção do ITER [9] em Cadarache antes que no Japão, quanto para dar a cobertura das Nações Unidas à nossa política na Costa de Marfim.”
Está claro que o “french bashing [10]” teve repercussões sobre as relações bilaterais, principalmente nas esferas econômicas e militares. Nenhum órgão norte-americano participou da feira aeronáutica Bourget, em junho de 2003, e o ministro da defesa estadunidense excluiu a França das manobras militares aéreas “Red Flag” em 2004. Instâncias de decisão, homens e mulheres de negócios, certos diplomatas escrevem diretamente ao presidente da República e o colocam em guarda contra eventuais retorsões. Tudo o que o “partido pró-norte-americano” reúne de adeptos nas mais altas esferas políticas e econômicas agita-se.
Paris busca reatar os laços. Em 30 de abril de 2003, Villepin declarou, em resposta um deputado: “A Europa e os Estados Unidos têm naturalmente responsabilidades específicas (…) Essa parceria poderá encontrar sua eficácia na ação, por uma abordagem coletiva e global, particularmente nas crises ? ou seja, para assegurar a estabilidade e a paz no Iraque e relançar o processo de paz no Oriente Médio. É necessário também combater juntos as duas mais grandes calamidades do nosso tempo: o terrorismo e a proliferação [nuclear].”
Para isso, é preciso virar a página do Iraque. A França travou, ao longo de um mês, uma batalha difícil nas Nações Unidas. Obteve um calendário político preciso e preconizou que seja confiado à ONU um papel importante. Os Estados Unidos aceitaram as eleições antes da redação da Constituição e aceleraram a “transferência de soberania” aos iraquianos. Em troca, a França teve de aceitar a presença norte-americana ? as forças da “coalizão” tornaram-se uma “força multinacional” endossada pelo Conselho de Segurança ? e nomeou, em 26 de julho de 2004, Bernard Bajolet como embaixador em Bagdá. Não pede nenhuma explicação sobre os bilhões de dólares das contas “petróleo por alimento”, controladas pelos Estados Unidos e que desapareceram…
“O que teríamos podido fazer?”, pergunta um diplomata francês. “Após o assassinato de Sergio Vieira de Mello (representante especial das Nações Unidas no Iraque, morto em 19 de agosto de 2003), formou-se, entre os altos funcionários da ONU, uma verdadeira oposição, que via em Kofi Annan responsável pela sua morte. Tornou-se impossível para a organização desempenhar um papel no Iraque. Por outro lado, a União Européia explodiu e a nossa voz mal se fazia entender. Sentíamos também uma inflexão nos nossos amigos alemães. Por último, não tínhamos interesse na instalação do caos no Iraque: aquilo favorecia o desenvolvimento do terrorismo e da Al-Qaeda.”
Enquanto a cúpula do Estado é enfraquecida por lamentáveis querelas, cada processo do Oriente Médio parece ser tratado separadamente, em função de preocupações particulares. No entanto, tomados em conjunto, esses tratamentos desenham uma nova política de fato nas regiões. Mais surpreendente é que nenhum dirigente parece ter consciência ou se incomodar com as conseqüências dessa estratégia sobre o espaço da França no Oriente Médio. “Nossa política não variou, é a situação na região que mudou”, repete-se em Paris ?.
Ação errática no Líbano
Um desses processos, o do Líbano, é da competência apenas da decisão presidencial e é gerido diretamente pelo presidente Chirac. Sua intervenção tem menos de uma análise política do que suas relações pessoais e antigas com o antigo primeiro ministro Rafic Hariri, que explicam a reviravolta francesa de 180 graus. O presidente francês entronizou Bachar El-Assad enquanto ele ainda estava apenas na posição de herdeiro, assistindo aos funerais de seu pai. Explicou que a partida das tropas sírias do Líbano poderia acontecer apenas no âmbito de um acordo mais amplo sobre o conflito do Oriente Médio. A partir da primavera de 2004, no entanto, tornou-se, junto com os Estados Unidos, padrinho da “democracia libanesa”.
O departamento de Estado, que realmente nunca se preocupou com o destino do Líbano, parece pouco interessado. Mas a Casa Branca vê o partido que pode tirar das propostas francesas, principalmente para acentuar a pressão sobre o regime sírio, acusado de não colaborar na luta contra a insurgência iraquiana. O prolongamento, em setembro de 2004, do mandato do presidente libanês Emile Lahoud por três anos serve de pretexto à adoção da resolução 1559 do Conselho de Segurança, cujas grandes linhas foram redigidas pelo próprio Rafic Hariri, e que reclama a retirada das tropas sírias do Líbano e o desarmamento das milícias, principalmente do Hezbollah. Em 14 de fevereiro de 2005, Rafic Hariri foi assassinado e as tropas sírias forçadas a se retirar do Líbano em 27 de abril de 2005.
Um ano mais tarde, a euforia da “revolução do Cedro” esvaiu-se. A classe política libanesa meteu-se nas suas velhas querelas confessionais, que têm pouco a ver com a democracia. No entanto, Paris não renuncia e adota, em 17 de maio de 2006, uma nova resolução do Conselho de Segurança, que pede à Damasco que delimite suas fronteiras com o Líbano e que proceda a uma troca de embaixadores. “Estamos no meio do vau”, explica um diplomata. Mas a França não corre o risco de perder o pé e se afogar? Sacrificar seus interesses econômicos também ? o Palácio do Eliseu colocou seu veto na assinatura de um importante acordo entre a companhia de petróleo Total e a Síria…
Washington observa este assunto de longe, deixando que Paris se ocupe dele. Uma anedota resume o estado de espírito. Um novo secretário de Estado é nomeado e o seu conselheiro o instrui: “Com nossos amigos franceses, é preciso falar do Líbano. Não sabe onde é este país, mas isso não tem importância. Os franceses crêem que ele é francófono, enquanto o inglês é cada vez mais difundido. Mas evocam a ?democracia? logo adiante e as nossas relações sobre os processos do Oriente Médio ficarão intocados”.
Estranha colaboração “contra o terror”
Um tema escapou da disputa franco-americana, o do terrorismo. Mesmo que os contatos entre os dois governos tenham sido rompidos na primavera 2003, e que os interlocutores habituais da embaixada da França estivessem ausentes, a cooperação entre os dois países na “guerra contra o terrorismo” permaneceu forte. Num editorial [11], Roger Cohen notava que “a emergência da Europa como teatro central da luta entre o Ocidente e o Islã fanático empurrou a França, e com ela a Europa, a se identificar mais claramente com as políticas norte-americanas contra o terrorismo”. Em Paris, vê-se as coisas ao contrário: é a França que, a partir da metade dos anos 1990, pôs em guarda Washington contra o novo perigo terrorista, e foi necessário o 11 de setembro para que os estadunidenses aderissem a ela.
A amplitude dessa colaboração foi revelada pela jornalista norte-americana Dana Priest [12]. Desde 2002, funciona em Paris um centro secreto, denominado Aliança Base (o segundo termo traduz-se em árabe por… Al-Qaeda!), financiado principalmente pela CIA, dirigido por um general francês, e que desenvolve uma vigilância estreita das redes terroristas, tentando neutralizá-las. “A França tem legislação (anti-terrorista) muito dura, sua vigilância dos grupos radicais muçulmanos, suas redes nos Estados árabes e suas relações com os serviços de suas antigas colônias”, assinala o jornalista. A mídia francesa, tão rápida em denunciar a CIA e suas práticas ilegais, não parece interessada pelos serviços franceses…
Mas, para além da cooperação “técnica” contra redes perigosas, desenha-se uma preocupante convergência de visão sobre o mundo do pós-11 de setembro. Adotado após um longo debate entre todos os ministérios relacionados, o Livro Branco Governamental ? “A França frente ao terrorismo” ? passou largamente despercebido devido ao movimento contra o Contrato de Primeira Contratação.
Esse texto define “o terrorismo mundial de inspiração islâmica” como “uma ameaça estratégica” que nunca teria sido tão perigosa e visaria os interesses da França em todo o planeta. “Ela pode pôr em questão o funcionamento do país”, explica um dos editores. “Não há mais um limite de violência como o dos grupos terroristas tradicionais. A utilização de armas radiológicas, químicas ou mesmo nucleares pode conduzir à paralisia do país.” Combater esse perigo, precisa o texto, passa também por uma luta contra o “islamismo radical”. O texto faz outro alerta, porque “não se pode excluir que (o terrorismo islâmico) não tenta um dia uma aproximação com os movimentos altermundialistas mais radicais”.
Essa definição da ameaça ? alguns teriam preferido a formulação “terrorismo jihadista” ? pode apenas suscitar reações negativas no mundo muçulmano. A Turquia protestou contra a terminologia escolhida. Por outro lado, se o termo americano de “guerra” for rejeitado, o de “ameaça estratégica” o aproxima. O papel ativo das tropas especiais francesas no Afeganistão, largamente encenado pelas numerosas visitas do ministro da Defesa deste país, o confirma: Paris compartilha com Washington de uma visão de segurança bem esquemática. Ainda que o último capítulo do Livro Branco, em oposição com o resto do documento, seja uma defesa contra o amálgama entre Islã e o terrorismo.
Como observa um diplomata francês, “cada vez mais pessoas consideram o Oriente Médio como uma zona de perigo, uma fonte de terrorismo, uma análise que se junta à dos Estados Unidos. Além disso, os jovens quadros do Estado, freqüentemente énarques [13], são muitas vezes atlantistas, sobretudo quando trabalham nas direções encarregadas de questões de segurança. Eles têm desprezo pelos diplomatas do norte da África e Oriente Médio, que denominam “a rua árabe”. Por outro lado, não é necessário subestimar o peso das instâncias européias, das reuniões de coordenação “dos vinte e c
Alain Gresh é jornalista do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (edição francesa).