Abaixo os sindicatos - Le Monde Diplomatique

DOSSIÊ WAL-MART / PATERNALISMO E REPRESSÃO

Abaixo os sindicatos

por Bárbara Ehrenreich
1 de janeiro de 2006
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Em sua obra Nickel and dimed: Undercover in low wage USA, a autora relata sua experiência de assalariada do Wal-Mart, recebendo 7 dólares por hora. A passagem abaixo evoca a imagem que a empresa deseja mostrar de si mesmaBárbara Ehrenreich

Começamos com um vídeo, de aproximadamente vinte minutos, dedicado à história e à filosofia do Wal-Mart ou, como diria um antropólogo, ao culto do Tio Sam. Logo no começo, Sam Walton, jovem, de uniforme, retorna da guerra. Ele abre uma revista, uma espécie de catálogo; ele se casa e se torna pai de quatro lindas crianças; recebe das mãos do presidente Bush pai a Medalha da Liberdade. Em seguida, morre, o que provoca um desfilar de discursos fúnebres. Mas os negócios continuam, é o mínimo que se pode dizer. A curva da história do Wal-Mart sobe de maneira vertiginosa, fazendo pausa apenas para estabelecer novos recordes na história de expansão de uma empresa.

1992: o Wal-Mart torna-se a maior rede varejista do mundo. 1997: o faturamento ultrapassa os 100 milhões de dólares. 1998: o número de “associados [1]” do Wal-Mart chega a 825 mil, o que faz da empresa o maior empregador privado do país. Cada recorde é acompanhado por um vídeo-clipe mostrando multidões de clientes, nuvens de associados, novas lojas com seus estacionamentos. Uma voz repete incessantemente, quando não são exibidos em um painel, os três princípios que não têm nada a ver entre si, até um ponto que é quase um desafio à razão: “Respeito pelo indivíduo, superação das expectativas do cliente, busca da excelência”.

“Respeito pelo indivíduo”, é o que tem a ver conosco, os “associados”. Por maior que possa ser o Wal-Mart e por menores que sejamos enquanto indivíduos, tudo depende de nós. Sam dizia sempre e o vemos dizer que “as melhores idéias vêm dos associados”.Por exemplo, a idéia de uma pessoa encarregada de receber as pessoas; um empregado um pouco mais velho (desculpe, um “associado”), que recebe pessoalmente cada cliente que entra na loja. Três vezes durante o procedimento de orientação, que começa às três da tarde e se estende até aproximadamente as 11 da noite, somos lembrados de que essa idéia nasceu no cérebro de um simples “associado”. Quem sabe que revolução cada um de nós tem na cabeça para a venda no varejo? Porque as nossas idéias são bem-vindas, mais que bem-vindas, não devemos pensar em nossos dirigentes como chefes, mas como “líderes a nosso serviço” e a serviços dos clientes. É claro que nem tudo é harmonia perfeita, em todas as circunstâncias, entre os associados e os líderes a seu serviço. Um vídeo-clipe dedicado à “honestidade do associado” mostra um caixa pego em flagrante delito pelas câmeras de segurança, enquanto embolsa algumas cédulas tiradas da caixa-registradora. Ouve-se o soar de um tambor em tom ameaçador enquanto ele é levado, com algemas nos pulsos. Somos informados de que ele foi condenado a quatro anos de prisão.

O tema das tensões ocultas, superadas graças à reflexão e a uma atitude positiva, estende-se em um vídeo-clipe de doze minutos, intitulado “Você escolheu um lugar formidável parta trabalhar”. Diferentes “associados” confirmam com seu testemunho que “a atmosfera verdadeiramente familiar do Wal-Mart, ainda que bem conhecida, existe de verdade”, levando à conclusão de que nós não precisamos de um sindicato. Antigamente, há muito tempo, os sindicatos tinham seu lugar na sociedade norte-americana, mas eles “não têm muita coisa a oferecer aos trabalhadores”, razão pela qual as pessoas os deixaram “em massa”. O Wal-Mart está em plena expansão, os sindicatos estão em pleno declínio: julguem vocês mesmos. Mas somos advertidos de que “os sindicatos têm o Wal-Mart na sua mira há muitos anos”. Por que? Para as contribuições, evidentemente. Imaginem tudo o que vocês perdem com um sindicato: para começar, suas contribuições, que chegam a 20 dólares por mês “e às vezes mais”; depois vocês não têm mais “sua voz”, pois o sindicato iria obrigá-los a aceitar que faça as negociações por vocês; finalmente, vocês perderiam perder seus salários e suas vantagens pois eles seriam “colocados em jogo na mesa de negociações”. Vocês precisam se perguntar – e imagino que alguns de meus colegas ao redor da mesa, que não têm ainda vinte anos, vão fazê-lo – por que demônios os



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