Abundância desastrosa
A euforia da “melhor safra dos últimos vinte anos” transformou-se num pesadelo: o mercado oferece aos lavradores um preço que corresponde a um terço do custo de produção. E assim, a Índia consolida seu trágico lugar entre os recordistas da miséria absolutaRoland-Pierre Paringaux
No distrito de Sikar, Estado de Rajashan, a colheita do sorgo em setembro de 2001 foi excepcional. “A melhor dos últimos vinte anos”, dizem os camponeses. Uma bênção depois de três anos de seca durante os quais milhões de pessoas tiveram que se privar de tudo e se endividar. Principalmente porque, na década de 90, os encargos e os custos de produção dos agricultores não pararam de aumentar enquanto os subsídios se tornavam raros. Mas a euforia não demorou em virar pesadelo. A demanda e os preços de mercado continuaram muito baixos. Segundo Dayal Singh, um camponês do distrito, os comerciantes ofereciam inicialmente 250 rúpias por quintal, um terço do custo de produção. “A esse preço”, protesta Singh, “é melhor guardar a colheita para alimentar os animais”. Depois de dois meses de inércia, o governo fixou um preço garantido de 480 rúpias. Não somente é insuficiente, esclarece Subkaran Bhuria, um agricultor do vilarejo de Chalasi, como também difícil de conseguir: “A quantidade de trâmites burocráticos e de documentos desanima muita gente”. O sorgo conserva-se durante seis meses e os menos endividados podem esperar. Os outros vendem com prejuízo uma colheita que vai inchar estoques já consideráveis. Muitos vão, então, aumentar as fileiras dos que vegetam abaixo do limiar da pobreza. Ou seja, um quarto dos 1.500 habitantes do vilarejo.
Muito criticada, a política governamental – que combina a compra de cereais alimentares a um preço mínimo garantido e a redução de sua distribuição pelo SPD (Sistema Público de Distribuição) – levou, nos últimos anos, a uma situação escandalosa em relação à segurança alimentar de milhões e milhões de pessoas vulneráveis. Alimentados pelas boas colheitas de 2000 e 2001, mas também pela redução da distribuição gratuita ou a preço baixo e pelo fraco poder aquisitivo de uma parte da população, os estoques pertencentes ao governo não pararam de aumentar. Eram avaliados, no ano passado, em mais de 60 milhões de toneladas de grãos (trigo e arroz) para uma capacidade de armazenagem inferior a 30 milhões. E a montanha de cereais, com a qual parece que não se sabe bem o que fazer, cresce. A desnutrição e a fome também. Segundo o Banco Mundial, a Índia tem mais de 250 milhões de pobres – mais de um quarto de sua população. Outros falam em mais de 300 milhões.
O paradoxo da abundância
A montanha de cereais armazenados – com a qual o governo parece não saber bem o que fazer – cresce. A desnutrição e a fome também
Para alguns, o governo faz demais; para outros, não o suficiente. “O resultado desastroso de uma boa colheita”, declarou S. Swaminathan, especialista em questões agrícolas1, “é que os pequenos fazendeiros têm que enfrentar uma derrubada dos preços […]. Devido a pressões políticas, o governo se precipita para comprar o trigo de má qualidade a preço alto. Isto é caridade, não comércio. Mas é a mentalidade que prevalece no país, o governo é considerado uma vaca leiteira. Seca, inundação, problemas comerciais – ele voa em socorro de uns e de outros […]. Não é assim que se constrói um sistema agrícola dinâmico.”
E acrescentou: “Continuaremos a viver o paradoxo de uma abundância num oceano de miséria e de uma subutilização do SPD enquanto as pessoas não tiverem poder de compra. Atualmente, esse é o desafio nº 1 da Índia. Um emprego e meios de existência para cada indiano – isso deve ser a base de qualquer política nacional e global.”
(Trad.: Maria Elisabete de Almeida)