Ação predatória em Camarões
No Norte do país, aumentam os perigos da desertificação; no Sul, cresce o desmatamento – a madeira é o segundo principal produto de exportação. Além destes, há o problema da construção de um oleoduto que põe em risco a vida das populações ruraisJen Nke Ndih
Venham de onde vierem, os ocidentais quase sempre se surpreendem com o fato de que existem ambientalistas na África. Para eles, a proteção ao meio ambiente diz respeito às sociedades industrializadas. Mas, no continente negro, a tomada de consciência ecológica existe e se deve a razões profundas: ruptura com os valores tradicionais, exploração dos recursos naturais – principalmente através das empresas estrangeiras com ligações com o poder local -e falência da democratização, que impede a emergência da idéia do bem público e de interesse geral.
No entanto, na África tradicional, do nascimento à morte, as diferentes crenças populares giram em torno da idéia de meio ambiente. Todo mundo é marcado pela ligação mantida com a natureza: seja por meio de uma iniciação, de uma proibição ou de qualquer outro elemento valorizando o caráter vital do meio que nos cerca. Da caça à agricultura, passando pela pesca, colheita de frutas e cereais, armazenamento etc., toda a população rural está impregnada por essa relação íntima com a natureza e seus recursos. Este conhecimento do meio natural e suas práticas seculares – que também encontramos na medicina tradicional -, podem, portanto, incentivar uma abordagem ambientalista que pode, às vezes, permitir uma visão global dos problemas que se apresentam: econômicos, políticos ou culturais.
A ameaça do desmatamento
No continente negro, a tomada de consciência ecológica tem razões profundas, entre elas, a falência da democratização que impede a emergência da idéia de bem público
Na República dos Camarões, são inúmeros os perigos ecológicos. Toda a região Norte do país foi atingida por uma desertificação cujos efeitos atingem as margens das regiões florestais do centro. Essa calamidade tem, naturalmente, algumas explicações de ordem natural, mas é principalmente causada e agravada por sistemas de exploração que não dão tempo à natureza para reconstituir sua densa cobertura vegetal. Por outro lado, a miséria crescente em que se encontra a população dessa região do país a força a aumentar o desmatamento para conseguir madeira para cozinhar e se aquecer. Este fenômeno chega a afetar as regiões onde a operação Sahel verde – organizada pelo governo no final da década de 60 – tentou interromper a desertificação por meio da plantação de árvores que retêm a água.
Ao sul dessa região atingida pela desertificação, o desmatamento é uma ameaça. O setor agricultura-madeira representa 42% do Produto Interno Bruto do país e emprega 60% da população. A madeira representa, depois do petróleo, a principal exportação do país, com o cacau na terceira posição. Tradicionalmente, as florestas foram exploradas por populações que não provocaram degradação alguma. Na verdade, as técnicas utilizadas e a natureza das necessidades – assim como a quantidade – nunca ameaçaram o ecossistema. A má saúde das florestas se explica de múltiplas maneiras: por um lado, o período colonial introduziu a cultura do cacau, que reduziu as superfícies florestais. Esta se intensificaria para aumentar os lucros, apesar da baixa cotação do cacau nos mercados mundiais. Por outro lado, o desmatamento se acelerou perigosamente após a década de 80, com as sangrias efetuadas por empresas estrangeiras, diretamente vinculadas ao poder de plantão.
Insalubridade crônica nas cidades
A desmatamento é uma ameaça concreta: o setor agricultura-madeira representa 42% do Produto Interno Bruto do país e emprega 60% da população
Se o desmatamento faz a felicidade dos exploradores, também é responsável pela miséria cada vez maior de povos como os pigmeus, que vivem em interdependência com a floresta. No dia 26 de março de 2002, por exemplo, sete camponeses camaroneses entraram com uma ação, em Paris, contra a Sociedade Florestal de Doumé (SFID), empresa camaronesa, filial da firma francesa Rougier SA, pela “destruição de bens pertencentes a outros, falsidade e uso da falsidade e corrupção de funcionários”. A empresa fizera o corte ilegal de diversas matas de madeira de lei à revelia dos proprietários e, para chegar às zonas de floresta, construíra pistas de pouso atravessando alguns campos. Diante da inércia das autoridades administrativas, os camponeses interpelaram a Justiça francesa com a ajuda da ONG “Os Amigos da Terra” 1. Proteger as florestas tropicais é um objetivo fixado pela Cúpula do Rio de 1992, confirmado pela Cúpula de Johannesburgo sobre o Desenvolvimento Sustentável de agosto de 2002, mas não foi concretizado pelo poder camaronês apesar dos tratados e compromissos assumidos nesse sentido.
Um outro perigo ecológico e sanitário decorre da insalubridade crônica das grandes cidades. Este fenômeno se intensificou devido ao desenvolvimento urbano descontrolado, conseqüência do êxodo rural que teve início nas décadas de 1970-1980. Em Douala e Yaoundé, principais cidades do país onde vivem cerca de 2 milhões de pessoas, a falta de infra-estrutura sanitária é gravíssima. A capital, Yaoundé, é guarnecida por inúmeras colinas artificiais que não passam de montes de lixo, não recolhidos e não tratados. Nenhuma política real e durável é posta em prática para contornar esta situação.
Ausência de soluções duráveis
O projeto do oleoduto é inquietante por diversas razões: além dos riscos de vazamento e poluição, os trabalhos de construção agravam o desmatamento
Acrescente-se a esses problemas o fato que a República de Camarões vive, há alguns anos, no ritmo do oleoduto Chade-Camarões, sempre em construção e sempre muito discutível. Esse projeto nasceu da idéia de explorar as jazidas de petróleo situadas no sul do Chade, região espremida entre os dois países. Um consórcio – formado por duas empresas norte-americanas (Exxon-Mobil e Chevron) e por uma da Malásia (Petronas) – conseguiu o apoio do Banco Mundial para explorar esse petróleo, que será encaminhado ao terminal portuário de Kribi, na República de Camarões, por um longo oleoduto de 1.050 quilômetros.
O projeto é inquietante por diversas razões: no plano ambiental, os riscos de vazamento provocam o medo de poluição e os trabalhos agravam o desmatamento. No plano sócio-econômico, as indenizações prometidas às populações são notoriamente sub-avaliadas. Os pigmeus, por exemplo, têm seu modo de vida abalado sem estarem seguros de conseguir uma contrapartida proporcional a esses transtornos. Uma grande polêmica envolvendo o projeto alimenta as discussões há vários anos, principalmente porque, no Congo Brazzaville e na Nigéria, as populações nunca obtiveram, apesar das promessas, ganho algum com a exploração petrolífera. As infraestruturas sanitárias e escolares continuam obsoletas. Por outro lado, as empresas não hesitam em recorrer a milícias privadas para garantir a segurança de suas instalações – segurança que as pessoas não têm.
Outro motivo de inquietação refere-se à situação da República dos Camarões. A situação estimula o compromisso ambientalista, pois só a instauração de uma democracia real permite perceber soluções duráveis para os problemas do meio ambiente. Na verdade, a degradação do meio ambiente encontra muitas vezes sua origem no fato das decisões virem da cúpula do Estado, enquanto os problemas são vividos “na base”, longe dos dirigentes político